Crimes reais fascinam leitores e abastecem livrarias
Foto: Mary Cybulski/Paramount Pictures |
De vez em quando a gente torce pelo bandido do filme, mesmo. “Isso, cuidado ali atrás, atira no guarda! Rouba logo esse banco, cara, corre daí, lá vem a polícia, deixa de ser burro!”. Mas, se em alguns casos vemos nos foras-da-lei a personificação moderna do Robin Hood, em outros, ficamos chocados pela barbárie, pelo sangue frio, pela maldade. O interesse pelo errado vai além da ficção. É quando os vilões da vida real suscitam em nós curiosidade maior do que gostaríamos de admitir. Buscamos as minúcias biográficas, os crimes, as manias dos contraventores.
Suzane von Richtofen. Foto: Jonne Roriz/ Agência Estado/AE |
Um caso criminal que se destaca é a autobiografia do corretor Jordan Belfort, O Lobo de Wall Street (de Jordan Belfort, 504 páginas, R$ 49,90), entre os dez mais vendidos segundo do país na categoria não-ficção e cuja adaptação para o cinema disputou o Oscar. O filme conta como o especulador financeiro “ganhou a vida” em meio a escândalos e fraudes, além de ter usufruido de uma rotina à base de drogas, álcool e sexo indiscriminado. A editora Planeta reedita o livro de 2008 e lança a continuação da história, A caçada ao Lobo de Wall Street (464 páginas, R$ 54,90).
Na sétima arte, no videogame violento ou na fila do pão, “o mal está em todos nós”, sentencia o psicólogo norte-americano Philip Zimbardo, professor da Universidade de Stanford e autor do livro O efeito Lúcifer: Como pessoas boas se tornam más (Record, 760 páginas, R$ 88). Na interpretação do psiquiatra forense Feliciano Abdon, esse “mal” pode ser traduzido como “o conjunto de todos os nossos sentimentos de curiosidade, de inveja, de gostar ou sentir prazer em coisas impactantes”.
Interpretar as consequências desse interesse se tornou a missão de vida da pesquisadora paulistana Ilana Casoy, escritora na área de violência e criminalidade. Ela acompanhou de perto casos emblemáticos, como o assassinato dos pais pela jovem Suzana von Richtofen e o homicídio da criança Isabela Nardoni. “Meu diferencial é não estar ligada a nenhuma instituição. Não sou polícia, advogada ou psiquiatra”, resume Casoy.
Ilana Casoy se especializou na área criminal. Foto: Acervo pessoal |
Com a linguagem do público, ela apresenta informações inéditas. “Não há ficção, porque tudo o que eu escrevo consta nos processos ou é fruto de minha participação direta. Isso ser um filão de mercado é consequência e não um projeto. Eu, por exemplo, já gostava do assunto, pesquisava bastante”. Para o psiquiatra Othon Bastos, a internet aproximou muito o público dos problemas da existência de uma maneira geral, e a doença mental é um fato intrigante em si. “Nada mais natural, portanto, que o cidadão comum se interesse por esses desvios, pela doença mental, que é a doença humana por excelência”, assevera.
Na literatura brasileira, a criminalidade é um mote recorrente. Mas o caminho nem sempre agrada quem vive de reconstituir trajetórias alheias. O crítico literário carioca José Castello, autor de livros sobre Vinícius de Moraes, João Cabral de Melo Neto e Rubem Braga, diz que jamais aceitaria a tarefa. Para ele, os cuidados precisariam ser redobrados, pois seria grande a possibilidade de o criminoso continuar usando máscaras.
José Castello. Foto: Editora Record/divulgação |
“Corre o risco de você terminar biografando o personagem deles ao invés da pessoa. É um terreno pantanoso, para o qual me sinto despreparado”. Diante de clássicos como A sangue frio, de Truman Capote, Castello reforça que o autor precisou se envolver com o personagem. “São pessoas sedutoras, de personalidade duvidosas. Elas vão aceitar participar de um processo desses, e a questão da sedução vai se exarcebar mais ainda. O risco de você cair na armadilha é grande”.
O perigo é descrito no livro O jornalista e o assassino, de Janet Malcom, sobre o relacionamento entre um acusado de assassinar a família e um biógrafo. O criminoso processa o escritor – com quem manteve uma relação de amizade em troca de dividir a intimidade e os bastidores do julgamento pelo qual fora inocentado. Motivo: a versão publicada (na obra Fatal vision) difere da previamente acordada entre ambos – da qual dividiriam até os lucros. “Se [o interlocutor] é assassino ou corrupto, vai fazer o máximo para desmentir a imagem. Está no direito dele. Mas isso só deixa o terreno mais pantanoso”, conclui José Castello.
ENTREVISTA >>> Psiquiatra Othon Bastos
Como enxerga o fascínio do público leitor pelas biografias e os atos criminosos cometidos por transgressores da lei?
Psiquiatra Othon Bastos. Foto: Bernardo Dantas/DP/D.A Press |
O interesse por essas figuras sempre existiu. Entre elas, há aquelas pessoas que adoeceram mentalmente (tiveram depressão, exaltações, delírios…) e aquelas que têm um modo de estar no mundo bastante específico (traços de personalidade que podem ser genéticos ou não).
A história mostra que entre esses transgressores há muitos casos de transtornos de personalidades, de personalidade amoral (ou borderline, como a psiquiatria chama). São pessoas sem censura ética, que se comprazem em aplicar sofrimento aos outros, como é o caso dos torturadores.
Como separar, então, psicopatas, sociopatas, e bandidos sem transtornos mentais?
Psicopatia não é, a rigor, uma doença. É uma má formação ou má estruturação da personalidade. No caso do sociopata, ele não tem o que chamamos de superego, a censura individual. Em um país miserável como o nosso, os atos daqueles que roubam por necessidade são muito diferentes do que faz um black bloc que destrói lojas ou fere pessoas.
Esse último pode se encaixar dentro do conceito de sociopatia, que gera a conduta anti-social. Essas ações podem até ter justificativas políticas e sociais, mas não deixam de ser crimes contra a sociedade. É preciso entender que todos os animais são violentos, inclusive os homens. Tornar-se violento é apenas usar a força psíquica ou física sobre algo ou alguém. Uma diferença entre o animal e o homem é que o animal não mata por prazer. Já o homem, por exemplo, pratica a caça, que é o prazer de destruir. Ele é agressivo por definição, é territorial, é competitivo.
Na visão do senhor, o interesse pelos criminosos e por seus atos ilegais tem aumentado?
Sim. A internet aproximou muito o público dos problemas da existência de uma maneira geral, e a doença mental é um fato intrigante em si. Nada mais natural, portanto, que o cidadão comum se interesse por esses desvios, pela doença mental, que é a doença humana por excelência.
Isso não significa, obviamente, que todo criminoso violento seja esquizofrênico ou possua doença mental grave. Mas quase sempre há algum transtorno de personalidade.
Consumir esse tipo de história, seja em livro, filme ou jornal, pode ser considerada atividade saudável?
Há uma promoção do crime por parte da mídia que, a meu ver, é muito negativa. Na minha televisão não sintonizo nenhum Datena ou coisa que o valha. Acredito que deve ser evitado um exagero em relação ao espaço dedicado a divulgar homicídios e suicídios. Uma das regras da saúde mental é evitar publicidade de suicídio de pessoas. Há uma banalização disso tudo.
PRATELEIRA DO CRIME
Seção
Foto: Milena Mendes/divulgação |
FRAUDES, GOLPES E ESTELIONATO
Vips – Histórias reais de um mentiroso, de Mariana Caltabiano (Jaboticaba, 192 páginas, R$ 44,50)
A história do vigarista e mentiroso compulsivo Marcelo Nascimento da Rocha. Ele enganou jornais, revistas e programas de TV fingindo ser quem não era. Virou filme.
Al Capone e gangue, de Alan MacDonald (Companhia das Letras, 192 págs., R$ 31,50)
Debruça-se sobre hábitos e mitificação do bandido, um homem mau, feio, rico, corrupto, poderoso e desumano, que andava com metralhadora debaixo do braço.
Meu nome não é Johnny (Record, 336 páginas, R$ 44,90), de Guilherme Fiúza
Narra como o playboy João Guilherme Estrella se tornou personagem graúdo da vida bandida carioca. Envolveu-se com drogas e entrou no mundo do dinheiro fácil.
Foto: Diamonds Films/divulgação |
ROUBOS E FURTOS
Bling ring – A gangue de Hollywood (Intrínseca, 272 páginas, R$ 24,90), de Nancy Jo Sales
Como um grupo de jovens ricos passaram a roubar e ostentar pertences de estrelas de Hollywood. Autora entrevistou envolvidos, advogados e as vítimas.
Bonnie e Clyde – A vida por trás da lenda (Larousse, 432 páginas, R$ 69,90), de Paul Schneider
Casal virou os EUA de cabeça para baixo nos anos 1930, criou a noção de “bandido celebridade” e ainda inventou mitologia explorada tanto pela ficção.
Inimigos públicos (Globo Livros, 520 páginas, R$ 49,90), de Bryan Burroug
Narra a ascensão e a queda de seis lendárias facções criminosas dos anos 1930 nos EUA – as de John Dillinger, Baby Face Nelson, Pretty Boy Floyd, entre outros.
Foto: Reprodução/TV GLOBO |
ASSASSINATOS
Richthofen – O assassinato dos pais de Suzane, de Roger Franchini (Planeta, 129 páginas, R$ 19,90)
O caso da estudante de direito mandante do assassinato dos próprios pais, mortos a pauladas pelos namorado e cunhado. Informações novas são trazidas à tona.
A prova e a testemunha, de Ilana Casoy (Larousse Brasil, 240 páginas, R$ 29,90)
Trata do caso Isabella Nardoni, garota de 5 anos atirada por pai e madrasta do sexto andar de edifício em São Paulo. Autora acompanhou o inquérito por dois anos.
O nome da morte (Planeta, 245 páginas, R$ 39,90), de Kléster Cavalcanti
Autor pernambucano conta a história de Júlio Santana, matador profissional. Em 35 anos de “ofício”, ele teria matado quase 500 pessoas – tudo contabilizado em caderno.
Fonte: Diário de Pernambuco