Decreto que regulamenta o vale-cultura deixa dúvidas

Aguardado desde fevereiro, documento assinado pela presidente não esclarece, por exemplo, o que poderá ser comprado com benefício

Enquanto especialistas lamentam a falta da informação, a ministra Marta Suplicy promete que o auxílio de R$ 50 estará circulando entre os trabalhadores até fim do ano

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A presidente Dilma Rousseff regulamentou nesta terça-feira o Programa de Cultura do Trabalhador, que foi aprovado pelo Congresso no ano passado e é popularmente conhecido como vale-cultura.Aguardado desde fevereiro, o texto publicado pelo Diário Oficial da União deixou em aberto, no entanto, ao menos quatro questões-chave sobre o benefício — que terá valor de R$ 50 e poderá ser repassado aos trabalhadores brasileiros para consumo de produtos e atividades culturais. Ainda aguardam definições do Ministério da Cultura (MinC), por exemplo, o modelo do cartão, a forma como as operadoras se cadastrarão junto ao governo, o valor máximo da taxa de administração que essas empresas poderão cobrar por gerir o benefício e, sobretudo, a lista definitiva de atividades econômicas, produtos e serviços que poderão ser efetivamente comprados com o vale.
No ano passado, a ministra da Cultura, Marta Suplicy, disse ao GLOBO que o trabalhador brasileiro seria autorizado a comprar pacotes de TV a cabo usando o vale-cultura. A notícia foi alvo de várias críticas de produtores culturais e artistas. Dias mais tarde, Marta reviu a posição. Desde então, a classe artística aguarda definições precisas sobre os limites do uso do benefício. Segundo o governo, o vale deve atender a um milhão de trabalhadores até o fim do ano e injetar na cadeira cultural ao menos R$ 11 bilhões.Segundo a determinação da presidente Dilma, essas questões serão sanadas mais à frente por um “ato” oficial do MinC.

Procurado para esclarecer o “ato” citado na regulamentação, o MinC informou que se trata de uma “instrução normativa”, ou seja, uma portaria do ministério. Segundo a pasta, o documento será publicado até o próximo dia 6 e esclarecerá todos os “aspectos operacionais” do funcionamento do vale-cultura.

Benefício para todos

A regulamentação presidencial trouxe, por outro lado, um ponto que até agora não havia sido destacado nem pelo MinC nem pela ministra. Ela autorizou as empresas brasileiras que aderirem ao programa a repassarem o benefício de R$ 50 não só aos trabalhadores que ganham menos de cinco salários mínimos, como anunciado anteriormente. Segundo o texto, o auxílio poderá ser estendido a todos os empregados que tiverem interesse no vale, independentemente de suas remunerações. Para isso, as empresas precisarão, primeiro, atender àqueles que se enquadram na faixa salarial mais baixa.

A margem de desconto no salário dos trabalhadores que receberem o vale-cultura não será, no entanto, igual para todos, mas sim proporcional à remuneração de cada um. Quem ganha até um salário mínimo, por exemplo, poderá ser descontado em no máximo 2% do valor do benefício (R$ 1). Quem ganha cinco salários, até 10% (R$ 5). E quem ganha mais de 12 salários, até 90% (R$ 45) do benefício.

Para aderir ao vale-cultura, as empresas interessadas precisarão se inscrever no MinC nas próximas semanas. As que tiverem interesse em vender produtos e atividades culturais deverão procurar, por sua vez, as operadoras dos cartões — que ainda não foram anunciadas pela pasta.

Créditos não expiram

Outro ponto de interesse público é o fato de que os valores depositados pelas empresas nos cartões do vale não terão data para expirar. Isso quer dizer que o trabalhador poderá acumular os R$ 50 que recebe por mês ao longo do período que lhe interessar. A medida é vista como uma resposta ao fato de o vale ter perdido quase 17% de poder de compra desde que foi idealizado, em 2009, e aprovado pelo Congresso, no fim do ano passado.

Ainda segundo a regulamentação publicada ontem, a fiscalização do programa será feita por três ministérios, numa espécie de força-tarefa. O do Trabalho cuidará das questões ligadas à correta aplicação do vale-cultura por parte dos empregadores. O da Fazenda acompanhará as questões fiscais ligadas a ele, uma vez que as empresas que aderirem ao programa poderão deduzir até 1% do imposto de renda devido. Já o MinC informa que fiscalizará “o funcionamento do programa” em geral.

Para a advogada Cristiane Olivieri, que é mestre em Política Cultural pela Universidade de São Paulo (USP) e acompanha o vale-cultura desde sua idealização, a regulamentação não esclareceu dúvidas importantes sobre o programa.

— Ela não definiu as atividades, os produtos e os serviços que poderão ser pagos com o vale. Isso era algo muito aguardado por quem trabalha no setor. Então, a regulamentação frustrou um pouco. Depois, ao jogar para a frente esse detalhamento do vale, o governo acabou adiando ainda mais a implantação real do benefício.

Cristiane acredita que ainda será necessário cerca de um ano para que toda a estrutura legal e operacional ligada ao benefício esteja pronta para entrar em funcionamento.

— Depois que a ministra divulgar a portaria, as empresas deverão começar a se cadastrar. Aí, os trabalhadores deverão se posicionar, dizendo se querem ou não o benefício. Depois, quem tem produtos e serviços que poderão ser comprados como vale terão que procurar as operadoras dos cartões… Esse é um processo longo. Deve ser demorado também. Podemos esperar que o vale-cultura esteja ativo daqui a um ano mais ou menos. Algo bem próximo das eleições.

Marta Suplicy aposta num prazo mais curto:

— Agora falta pouco para o vale-cultura chegar às mãos dos trabalhadores. Com o decreto assinado, o vale se torna uma realidade. Vamos fazer uma força-tarefa para finalizar os procedimentos internos e disponibilizar esse alimento para a alma, que é o acesso à cultura, até o fim do ano.

Fonte: O Globo

 

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