Conversas extraídas de um dos 12 celulares apreendidos em junho de 2021, no apartamento do delegado Mauricio Demétrio, na Barra da Tijuca, quando foi preso, trouxe “manifestações inaceitáveis”. A citação consta na decisão do juiz Bruno Rulière, responsável pelo processo contra o policial civil na 1ª Vara Especializada em Organização Criminosa da Comarca da Capital. Um dia após o brutal assassinato da vereadora Marielle Franco, ocorrido em 14 de março de 2018, Demétrio fala com ironia sobre a morte da parlamentar: “Gente. O enterro da vereadora será no Caju. Mas a comemoração alguém sabe onde será?”.
Outra frase relatada na decisão de Rulière, considerada inapropriada, é quando o réu se refere de forma preconceituosa à delegada Adriana Belém: “refere-se de forma racista a uma delegada chamando-a de “macaca escrota” e “crioula”. Nas duas situações, que se passam em 2018, o interlocutor de Demétrio é o delegado Allan Turnowski, na época, num cargo de diretoria na Cedae. Na conversa sobre Marielle, Turnowski responde com três emojis de espanto. Sobre o tratamento racista contra Belém, o delegado e ex-secretário da Polícia Civil posta um ponto de interrogação, como se não entendesse o motivo da expressão preconceituosa usada por Demétrio ao citar a colega.
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De acordo com a decisão, o réu aparenta querer prejudicar Belém e pede: “Me arruma um print da Belém fazendo campanha pro Paes. Urgente. Postando coisa (sic)”. Demétrio responde: “Falta grave. Pôr essa macaca na rua. Fazendo hora extra. Aqui, crioula escrota”. O contexto dessa fala, conforme o processo, seria que a delegada já estaria há muito tempo na Polícia Civil, na opinião de Demétrio.
Também há outras evidências de racismo por parte do réu, segundo a decisão. Em outra conversa, Demétrio descreve o Brasil como “macacolândia”. Diz ele: “Muito interessante. Aqui vemos o real sobre human and civil right’s (direitos humano e civil). O discurso patético e esquerdista que vemos em macacolândia, é apenas um folhetim ridículo das viúvas de Fidel e de Chaves (referindo-se ao comunismo dos ex-presidentes Fidel Castro, de Cuba; e Hugo Chaves, da Venezuela).
A conduta racista de Demétrio, demonstrada nas extrações das conversas dele, autorizadas pelo Juízo, pesaram na condenação do delegado, a nove anos de prisão por três crimes de obstrução à Justiça — embaraço à investigação penal que apura organização criminosa. O juiz Bruno Rulière determinou ainda a perda do cargo de delegado de Polícia Civil e ordenou que o dinheiro arrecadado com a venda dos veículos importados do réu fique nos cofres do estado, resguardando apenas eventual direito de vítimas.
Como houve um desmembramento da ação penal, os outros crimes como organização criminosa, concussões e lavagem de dinheiro ainda serão julgados. Demétrio é apontado como chefe do bando formado por policiais civis de sua confiança, peritos, advogados e comerciantes. Segundo a denúncia do Grupo de Atuação Especializada no Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público do Rio (MPRJ), a formação do grupo ocorreu dentro da Delegacia de Repressão aos Crimes Contra a Propriedade Imaterial (DRCPIM), desde 2018.
Procurada, a delegada aposentada Adriana Belém disse ter tomado conhecimento da decisão pelo Extra:
— Vou consultar meus advogados para saber qual providência devo tomar — disse Belém.
Já o delegado Allan Turnowski disse que, orientado pelo advogado, não vem dando entrevistas. A defesa de Demétrio foi procurada, mas não retornou o contato.
Há mais de 20 anos na corporação, o delegado Mauricio Demétrio já passou por diversas delegacias, quase todas especializadas — delegacias do Meio Ambiente (DPMA), do Consumidor (Decon), de Roubos e Furtos de Automóveis (DRFA) e de Repressão aos Crimes Contra a Propriedade Imaterial (DRCPIM). Foi nesta última que, segundo o MPRJ, Demétrio usava a estrutura da instituição para negociar e cobrar propina de comerciantes da Rua Teresa, em Petrópolis, na Região Serrana. Ele está preso desde junho de 2021.