Desastre nacional: apostas com Bolsa Família, famosos presos e dramas pessoais expõem tragédia social das bets

Crescimento descontrolado das casas de aposta esportiva cria terreno fértil para lavagem de dinheiro, inadimplência e dramas pessoais

Desastre nacional: apostas com Bolsa Família, famosos presos e dramas pessoais expõem tragédia social das bets

Foto: Metropress/Sidney Falcão

Por: Laisa Gama e Mariana Bamberg

Não é preciso nem 45 minutos e acréscimo para ver. Elas estão em todos os lugares. Na camisa do jogador, nos anúncios a beira do campo, na propaganda do intervalo, no nome do estádio, nos celulares retirados lacrados da caixa e principalmente nos relatos de endividamento e depressão. Ganharam um nome fofo, que pode lembrar uma vizinha, a tia querida ou até uma atriz famosa, e se disfarçaram de entretenimento modernoso. Mas no final das contas, as bets são casas de apostas, assim como os cassinos proibidos no Brasil, só que online. O só é realmente força de expressão. Porque elas se tornaram motivo de grande preocupação para as autoridades policiais, o Banco Central, o Governo Federal e até profissionais da saúde mental.

Dinheiro de quem?

A grandiosidade das publicidades desse mercado tem justificativa. Diversos estudos apontaram que as bets movimentam cerca de R$ 100 bilhões por ano, é quase 1% do PIB brasileiro. É maior do que o mercado ilegal de cigarros (R$ 10 bilhões) e até o mercado de bebidas alcoólicas no país (R$ 77 bilhões). Somente em agosto deste, os brasileiros gastaram cerca de R$ 21 bilhões com apostas nas bets. Muito maior do que o montante gasto nas próprias loterias da Caixa Econômica Federal, cujas apostas do ano inteiro acumularam R$ 25 bilhões. É muito dinheiro envolvido. E parte significativa dele vem justamente de quem não tem. Neste mesmo mês de agosto, desses R$ 21 bilhões, a estimativa do Banco Central é que R$ 3 bilhões tenham sido pagos por beneficiários do Bolsa Família, apenas por meio de Pix. Dinheiro de programa de transferência de renda para os mais vulneráveis, que vai direto para a conta bancária de empresas que (muitas) sequer têm endereço no Brasil. Mas quem dera o problema fosse só fiscal. É, como pontuado pelo jornalista Janio de Freitas no programa Três Pontos, um desastre social e judicial que está por vir através das fofas e divertidas bets.

Desastre social

“Em breve, o Brasil será o cassino dos mundos. O que está se armando é um desastre gigantesco do ponto de vista social, judicial, e que corre muito dinheiro de um lado para o outro, de dentro para fora, com a esperança de que se possa estabelecer um isolamento entre Brasil e Cassino, o que o Congresso não aprovaria de maneira nenhuma. O lobby, o caixa do pessoal do jogo são fortíssimos, muito operantes e, por isso, muito eficientes no alcance dos seus objetivos”, analisou Janio. São casamentos desfeitos, diagnósticos de depressão e até suicídios causados pelo endividamento com as bets viraram comuns nos relatos de quem se tornou ou conviveu com alguém viciado nesse tipo de jogatina. Isso sem citar os trambiques no futebol. Psiquiatras, como o médico Luiz Guimarães, já tratam o vício em apostas como a dependência em álcool. “Antigamente, era considerada um transtorno de impulsividade. Hoje, já é reconhecida como uma dependência”, explicou em entrevista à Metropole.

Velha armadilha

Nunca se jogou tanto no país como hoje. Mas, em um cenário de extrema desigualdade social como o Brasil, as jogatinas sempre foram vistas como o sonho, a solução, a esperança que cai do céu. Em 1941, Stefan Zweig já jogava isso na cara dos brasileiros. Em um artigo, o jornalista Ruy Castro relembrou o escritor austríaco: “A riqueza, para o brasileiro, não é o acúmulo penoso de dinheiro poupado graças a muitas horas de trabalho […] É algo com que se sonha; tem que vir do céu e no Brasil, a loteria é esse céu. É a esperança quotidiana de milhões”. É dessa esperança que cresce a mania de jogo dos brasileiros e que se aproveitam as bets, que se aproveitaram as loterias esportivas, os bingo e até os cassinos – proibidos a pedido da então primeira dama Carmela Dutra (dona Santinha), casada com o presidente general Eurico Gaspar Dutra. Ela alegava que os cassinos destruíam as famílias, a moral e aos bons costumes. Pois bem, hoje os assustados com as consequências das bets carregam um pouco daquela primeira-dama religiosa.

A isca do carisma

Da esperança que cai do céu a rostos conhecidos e admirados, as bets investem pesado na comunicação e tomam quase que todo o tempo e espaço de publicidade. O carisma de atores, atletas e influenciadores é extraído até a última gota para convencer o brasileiro a “fazer uma bet, aí”. Mas o mercado é tão escandaloso que não deixou escapar: muitos desses garotos-propaganda das bets e dos jogos do Tigrinho viraram protagonistas de casos de polícia. Os nomes do momento são o do cantor de sertanejo Gusttavo Lima e da influenciadora Deolane Barbosa, personagens conhecidos por suas extravagâncias e ostentação e agora alvos de uma operação que apura um suposto esquema de lavagem de dinheiro proveniente de jogo do bicho e jogos de azar na internet, operado por casas de apostas online.

Depois da tragédia, o alerta

Somente depois de todos esses escândalos e de mais do que meio caminho andado para a tragédia, o Congresso tem mostrado preocupação. O mesmo Congresso que autorizou as bets em 2018, que evitou analisar a regulamentação até o ano passado e que estendendo o prazo para o cumprimento das regras até 2025. Agora esse mesmo grupo se diz assustado com as consequências das casas de apostas e, só em setembro, deram entrada em 15 projetos para limitar as apostas e divulgação – e, claro, também surfar na onda.

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