Destruição vinda do mar: O Colapso da idade do bronze 

Um ataque, quase que misterioso, mergulhou as civilizações do Mediterrâneo em séculos de decadência

Martha San Juan França
Máscara funerária de Agamenon, rei de Micenas
Máscara funerária de Agamenon, rei de Micenas – Xuan Che, via Wikimedia Commons

Séculos antes de se ouvir falar em Grécia e Roma, a civilização florescia no Mediterrâneo. Grandes impérios ocupavam a região, com domínio da escrita, exércitos organizados, estados bem estruturados, cidades fortificadas, luxuosos palácios e uma cultura sofisticada, com conquistas cada vez maiores nas artes, matemática e astronomia.

O interior da Anatólia e o norte da Síria eram controlados pelo Império Hitita. No Egito, os faraós do Novo Império começaram a erigir os famosos templos de Luxor, Karnak e Abu Simbel. Onde hoje é a Grécia, havia uma confederação de reinos ricos e cidades fortificadas – a chamada civilização micênica.

Mas, por volta de 1200 a.C., uma série de eventos catastróficos mudou para sempre a região. Escavações arqueológicas mostram que os grandes foram destruídos ou abandonados. O Império Hitita entrou em colapso e suas cidades foram destruídas e queimadas.

Com rotas comerciais abandonadas, o comércio foi reduzido ao mínimo. A região na foz do Nilo foi atacada, bem como o Levante (a região que vai da Palestina até a Síria). O Egito sobreviveu, mas entrou em declínio.

Culturas que antes erguiam monumentos e relatavam suas histórias por meio da escrita se tornaram sociedades de pastores e agricultores analfabetos. Não por acaso, o período de caos que se seguiu foi chamado pelos historiadores gregos da Antiguidade como Idade das Trevas.

Os pesquisadores contemporâneos preferem chamar de Colapso da Idade do Bronze. O que teria acontecido?

Destruição vinda do mar

Tudo o que se sabe é baseado em escritos encontrados em tabuletas de argila nas ruínas das cidades da Anatólia e da Síria e em monumentos e papiros do Egito. Diversos povos atacaram pelo norte e ficaram conhecidos como “os povos do mar” – termo que não era usado pelos antigos, mas foi criado em 1881 pelo egiptólogo francês Gaston Maspero.

Quem eram esses invasores? “As evidências sobre os povos do mar são poucas, embora haja muitas teorias a seu respeito”, afirmou o historiador Marcos Davi Duarte da Cunha.

Uma delas é que invasores do norte ou da Ásia Menor entraram na Anatólia e de lá seguiram para a costa da Síria, pilhando e queimando as cidades do continente e das ilhas até chegar ao Egito. Outros argumentam que eram povos sob jugo dos micênicos, que ganharam espaço para se rebelar após a Guerra de Troia.

As paredes do templo mortuário do faraó Ramsés III em Medinet Habu, perto de Luxor, são as mais antigas ilustrações conhecidas de cenas de batalhas navais contra os povos do mar. De acordo com essas inscrições, e também com os templos de Karnak e de papiros egípcios, alguns dos povos do mar já haviam servido como mercenários no exército de Ramsés II.

Ao que parece, constituíam grupos isolados que migraram para a costa do Mediterrâneo, provavelmente como resultado da perda de colheitas e da fome mais ao norte, onde hoje é a Europa. Nos textos mais antigos, não pareciam representar grande ameaça: estavam acompanhados de suas famílias em carros de boi e se instalaram a oeste, perto da fronteira com a Líbia.

Mas algo aconteceu no quinto ano do reinado do faraó Merneptah, entre 1236-1226 a.C. Esses povos, de cinco denominações diferentes, se aliaram aos líbios para atacar o Egito. Uma pedra de granito encontrada no templo de Merneptah, em Tebas, divide os povos do mar em cinco nações: Sherden, Lukka, Meshwesh, Teresh, Ekwesh e Shekelesh.

As tentativas de identificação associam Ekwesh aos aqueus, ao que se sabe, um dos povos que deu origem à civilização grega clássica. Os Teresh tem relação com os tirrênios, supostos antepassados dos etruscos, da península itálica. Lukka seria um povo litorâneo da Anatólia.

Os Sherden, possivelmente tem origem na ilha da Sardenha. Shekelesh viriam da Sicília e os Meshwesh, supõe-se, era uma tribo bérbere. Segundo os egípcios, os povos do mar provinham da Europa ou Ásia Menor, vindos tanto da terra como do mar. Tinham diferentes origens, apesar de serem retratados pelos egípcios com as mesmas características. As inscrições de Merneptah terminam com a vitória dos egípcios.

Mais ou menos 30 anos depois da batalha, por volta de 1177 a.C., o faraó Ramsés III ordenou a construção de seu templo mortuário e residência em Tebas, em cujas paredes foram registrados os eventos bélicos que ocorreram na época. De acordo com essas inscrições, os povos do mar voltaram depois da primeira invasão, desta vez para atacar a costa da Anatólia, Síria, Palestina e a ilha de Chipre.

Na sequência de destruição do Império Hitita, chegaram ao Egito por terra e por mar, sendo derrotados no delta do Nilo e no Levante. As inscrições dizem: “Os países estrangeiros fizeram uma conspiração em suas ilhas. Subitamente, as terras foram surpreendidas e dispersas em combate. Nenhum reino podia fazer frente a suas armas. Hatti, Kode, Karkemich, Arzaua e Alachia foram dizimadas”.

Terra arrasada

Ainda segundo o que está em sua tumba, Ramsés III preparou uma armadilha, permitindo que os inimigos penetrassem nas águas rasas do Nilo. Então, as galeras de fundo chato do faraó encurralaram os invasores perto do delta, tornando-os presa fácil dos arqueiros que atiravam de terra.

Os povos do mar não puderam reagir adequadamente porque dependiam de espadas e lanças, armas de curto alcance, mais adequadas ao combate corpo a corpo. Seus navios foram afundados e os sobreviventes, aprisionados.

Os egípcios venceram, mas a mesma sorte não tiveram povos mediterrâneos, o que demonstram documentos hititas encontrados nas cidades de Ugarit, centro de uma grande rede de comércio que se estendia por toda a Síria, e Hattusa, a capital dos hititas.

Hordas de invasores romperam as linhas de defesa e as fortificações do império e marcharam em direção das terras costeiras, destruindo ou subjugando os fenícios e outros povos cananeus, chegando enfim aos egípcios.

Em seu livro The End of the Bronze Age: Changes in Warfare and the Catastrophe ca 1200 B.C. O Fim da Idade do Bronze: Mudançasna Guerra e a Catástrofe, cerca de 1200 a.C., sem tradução), o historiador Robert Drew fala sobre as razões para o sucesso dos povos do mar por causa da estratégia de combate baseada em unidades de infantaria que rapidamente podiam se mover e mudar de contorno de acordo com a manobra inimiga.

Se fosse um ataque de tropas a pé, a formação se fechava numa muralha de escudos e alvejava os adversários com suas lanças. Se o ataque viesse com auxílio de carros de combate, as unidades se posicionavam de forma que entrassem no meio delas, para serem atacadas pelos lados.

Possuíam também armas perigosas forjadas com uma metalurgia avançada, nunca antes vista na região – o ferro. “Outro detalhe seria a tenacidade e capacidade de combate aliados à sua estatura possivelmente maior”, diz Duarte da Cunha. “Ao passo que um guerreiro do mar possuiria possivelmente 1,80 m, em média, o soldado egípcio comum teria 1,60 m. Num combate corpo a corpo isso contava muito.”

Em pouco tempo, os povos do mar dominavam a área que ia da Anatólia até a Palestina, mas não deixaram quase nenhum vestígio. Não se sabe o que aconteceu com eles depois disso – simplesmente não há menção de suas andanças ou de integração às populações locais.

A exceção foi na colonização de Canaã, onde os filisteus, apresentados nas figuras egípcias por capacetes com penachos, característicos dos grupos vindos de regiões do Mar Egeu, se fixaram com mulheres e crianças, fundando cidades como Gaza, Ashdod e Ashkelon.

Vencedores ou derrotados, os impérios enfrentaram a anarquia e dissolução. A Idade das Trevas duraria até cerca de 750 a.C., quando a escrita volta a se tornar comum e ressurgem entidades políticas sólidas no Mediterrâneo – é aqui que começa a história da Grécia e Roma clássicas, e também a chamada Idade do Ferro – como os gregos chamavam a era em que viviam, caracterizada pelo uso do ferro em vez do bronze em armas e utensílios.

Essa é a era das glórias de Grécia e Roma e dura até outros bárbaros destruírem tudo novamente, no início da Idade Média.

Tróia

Narrada na Ilíada e Odisseia, a Guerra de Troia é o conflito entre os gregos e os habitantes de uma cidade na Anatólia, por volta de 1200 a.C.. Era considerada uma narrativa mitológica até o início do século passado, quando escavações arqueológicas demonstraram que, pelo menos em parte, se referiam a eventos reais. Embora a coalizão de cidades-estados micênicas tenha sido vencedora, a guerra acabou contribuindo para seu declínio.

Muitos heróis perderam suas vidas nas batalhas e aqueles que sobreviveram passaram por dificuldades para reassumir sua liderança no retorno porque outros já tinham usurpado seus tronos. Seguiu-se um período histórico de incerteza que culminou com possíveis invasões dos dórios, que vinham da região central da Europa, em que todo o comércio, a escrita e o modo de vida anterior acabaram desaparecendo.

“Com o enfraquecimento dos povos que dominavam o mar, os minóicos e depois os micênicos, os protagonistas da Guerra de Troia, se apropriaram das rotas de navegação, tendo como consequência uma espécie de anarquia nos mares”, diz o historiador Duarte da Cunha. Assim, o conflito talvez seja a origem do colapso da Idade do Bronze. Descobertas recentes ainda apontam que ninguém menos que os troianos fossem os responsáveis.

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