Dez perguntas e respostas para entender o novo ensino médio

Gabriela com o filho Oliver, aluno do EDI Rachel de Queiroz, no Centro do RIo
Gabriela com o filho Oliver, aluno do EDI Rachel de Queiroz, no Centro do RIo Foto: Marcelo Theobald / Agência O Globo
Bruno Alfano

Oliver, de 4 anos, vai estudar o currículo do novo ensino médio. É verdade que ainda vai levar um tempo para o menino chegar lá, mas o destino dele está sendo decidido agora. O projeto ainda está tramitando e o que não faltam são dúvidas e polêmicas. Por isso, o EXTRA ouviu educadores que estão participando do processo para responder dez perguntas sobre como será essa etapa escolar no futuro.

O tema também será abordado nesta segunda-feira no Educação 360 Jovem, encontro com especialistas no assunto realizado por O Globo e Extra, com patrocínio master de Sesi, patrocínio de Fundação Telefônica e colégio pH, e apoio TV Globo, Futura, Unesco, Unicef, Instituto Inspirare e Companhia das Letras.

Tudo no novo ensino médio dependerá da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). A versão mais recente do documento foi finalizada pelo Ministério da Educação (MEC) este mês e enviada ao Conselho Nacional de Educação (CNE), que ainda poderá fazer mudanças até finalizar o documento.

Depois disso, as redes de ensino terão a liberdade de criar estruturas diferentes: um colégio poderá manter um currículo tradicional e outro poderá criar um sistema de módulos ou créditos, por exemplo. Os modelos variados estarão liberados desde que cada escola respeite a carga horária mínima de 3 mil horas e que 1.800 (60%) delas — equivalentes a uma média de três horas por dia durante os três anos — sejam do conteúdo obrigatório definido pela BNCC. O restante será escolhido por cada estudante.

— Não deverá ser fácil escolher. Mas acho importante ouvir mais o aluno — diz a designer Gabriela Moreno, 23 anos, mãe de Oliver.

Confira abaixo as respostas para as principais dúvidas sobre as mudanças.

1 – A BNCC do ensino médio é um currículo?

Não. O documento abandona a ideia de disciplinas (que é adotada pela BNCC do ensino fundamental) e adota o conceito de “áreas do conhecimento”. São quatro: Linguagens e suas Tecnologias; Matemática e suas Tecnologias; Ciências da Natureza e suas Tecnologias; e Ciências Humanas e Sociais Aplicadas. Cada umas dessas áreas tem algumas competências que os alunos devem adquirir, ao longo dos três anos, aprendendo algumas habilidades. Por exemplo: uma das três competências que o aluno deve adquirir nas Ciências da Natureza e suas Tecnologias é “construir e utilizar interpretações sobre a dinâmica da Vida, da Terra e do Cosmos para elaborar argumentos, realizar previsões sobre o funcionamento e a evolução dos seres vivos e do Universo, e fundamentar decisões éticas e responsáveis”. Para isso, são sete habilidades que ele deve aprender, como “elaborar explicações e previsões a respeito dos movimentos de objetos na Terra, no Sistema Solar e no Universo com base na análise das interações gravitacionais”. A BNCC também aponta métodos, para além das aulas tradicionais, como laboratórios, oficinas e incubadoras.

2 – O que são os “itinerários formativos” e como será a divisão dos três anos do ensino médio?

A BNCC define uma parte das habilidades que todos os estudantes devem adquirir ao fim dessa etapa escolar em cada uma das quatro áreas de conhecimento (veja quais são as elas na resposta 1). Esse conteúdo somado corresponde a 1.800 horas de aulas, divididas em três anos – uma média de três horas por dia. Nas escolas em horário parcial, isso significa 60% do tempo de aula. A base não indica em que momento cada habilidade deve ser ensinada aos alunos. Isso fica a critério de cada escola.A outra parte do conteúdo (40% do tempo de aula) será escolhida pelo aluno e vai compor os chamados “itinerários formativos”. Eles são cinco caminhos possíveis em que o estudante poderá se aprofundar de acordo com seus gostos. Poderá escolher uma das quatro áreas do conhecimento ou a Formação Técnica e Profissional. O conteúdo dos itinerários formativos não foram definidos na BNCC que o MEC propôs, deixando cada escola ou rede de ensino livre para defini-lo. O presidente da comissão que trata a BNCC do ensino médio no Conselho Nacional de Educação (CNE), Cesar Callegari, acredita que isso poderá sofrer alterações.

3 – Todas as escolas vão ter todos os itinerários? E o que acontece se o aluno mudar de escola, se cada escola pode definir quando, ao longo de 3 anos, vai ensinar cada habilidade?

A lei não obriga que todas as escolas ofereçam todos os itinerários formativos. As escolas, segundo a lei do novo ensino médio, também poderão fazer um “itinerário formativo integrado” — uma estrutura em que os itinerários formativos componham um formato parecido com o que existe hoje, com um pouco de todas as áreas do conhecimento. Essas decisões vão ficar a cargo dos colégios e das redes de ensino. Por isso, um problema que pode surgir é quando um aluno se transferir de uma escola para outra. O presidente do CNE, Eduardo Deschamps, afirmou que isso ainda deverá ser regulamentado. “As escolas vão poder funcionar com um sistema de módulos ou de créditos, como as universidade. Então, quando o aluno trocar de escola, ele pedirá a equivalência do que já estudou e cursará o que ainda falta. Mas isso ainda precisa ser regulamentado”, afirmou.

4 – O estudante pode mudar o itinerário formativo no meio do ensino médio?

A lei não define isso. Callegari afirma que “pelo jeito que as coisas estão tomando, isso vai ficar para ser decidido na hora que cada estado regulamentar as suas regras”. Eduardo Deschamps afirma que o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) está estudando essa questão. “As secretarias estão estudando isso. Elas que vão decidir com acompanhamento do CNE”, afirmou. A Secretaria estadual de Educação (Seeduc) do Rio afirmou que, assim como todos os outros estados brasileiros, está “acompanhando a homologação da Base Nacional Comum Curricular do Ensino Médio para planejar ações efetivas e que estejam alinhadas à Reforma do Ensino Médio”.

5 – Artes, Educação Física, Filosofia e Sociologia deixarão de ser obrigatórias?

Não. Essas disciplinas vão aparecer dentro de diferentes áreas do conhecimento. Artes e Educação Física estão dentro de Linguagens e suas Tecnologias. A primeira, segundo o texto da base proposta pelo MEC, “contribui para o desenvolvimento da autonomia criativa e expressiva dos estudantes, por meio da conexão entre racionalidade, sensibilidade, intuição e ludicidade”. Já a segunda está nessa área pois “a corporeidade e a motricidade são também compreendidas como atos de linguagem”. Já Filosofia e Sociologia estão dentro de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas. A proposta do MEC também sugere que o Inglês seja mantido como a única língua estrangeira obrigatória. Não há qualquer menção ao ensino religioso e nenhuma habilidade ligada ao debate de diversidade de gênero.

6 – Haverá diferença entre as escolas privadas e as públicas?

Pela lei, não. No entanto, há, entre especialistas, um temor de que, com a limitação do conteúdo obrigatório a apenas 60% da carga horária, as escolas particulares aumentem suas vantagens sobre as públicas. No Brasil, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) das escolas privadas é 5.3 (em escala de 0 a 10) nas escolas do ensino médio. Já o da rede estadual cai para 3.5, segundo dados de 2015, os mais recentes divulgados. Callegari observa que as escolas só oferecerão, por exemplo, mais de um itinerário formativo quando tiverem condições de infraestrutura e professores suficientes. Enquanto as particulares poderão oferecer vários, as públicas poderão ter mais dificuldades. “Isso vai agravar as desigualdades educacionais”, afirmou.

7 – Quando vai mudar? Ainda não há data. O Ministério da Educação (MEC) terminou a última versão da BNCC neste mês. No entanto, ela pode sofrer mudanças. O documento foi enviado para o CNE, que planejou cinco audiências públicas pelo Brasil até agosto. Cada uma será numa cidade de uma região diferente do país. Aprovado pelo CNE, ele será submetido à homologação do MEC e só a partir daí, passará a valer. O presidente do CNE afirmou que não há previsão de quando isso ocorrerá. Depois disso, as secretarias estaduais e redes particulares ainda terão dois anos para começar a implementar as mudanças. A conselheira do CNE e presidente do Conselho Estadual de Educação (CEE) do Rio, Malvina Tuttman, afirmou que é preciso esperar o documento pronto para começar os debates da implementação.

8 – Haverá mudanças no Enem?

Sim. No entanto, ainda não estão definidas. A ministra interina da Educação, Maria Helena Guimarães, afirmou em fevereiro que essas alterações devem acontecer até 2020. Ela afirmou que parte da avaliação abordará as habilidades obrigatórias da BNCC do ensino médio, e outra parte do exame será sobre o currículo flexível, abordando o conteúdo dos itinerários formativos. O conselheiro César Callegari, no entanto, critica esse modelo. Ele afirma que, se o texto da BNCC não for alterado, só as 1.800 horas comuns a todos os alunos poderão ser cobradas, já que os conteúdos dos itinerários formativos não são definidos por esta atual versão. A conselheira Malvina Tuttman concorda: “Se ficar da forma como está, como vou avaliar alguma coisa nacionalmente sem ter parâmetros para fundamentar essa avaliação?”, questiona.

9 – A aplicação da BNCC pelas escolas vai ser fiscalizada?

Sim. Eduardo Dechamps, presidente do CNE, afirmou que este é um trabalho que atualmente já é feito pelos conselhos estaduais e que estes órgãos continuarão com esta função.

10 – O que mudará para os professores?

Haverá uma ruptura do ensino fundamental para o médio: o primeiro trabalha com disciplinas (como Química ou História) e o segundo vai trabalhar com áreas do conhecimento (Ciências da Natureza ou Ciências Humanas). Por isso, a formação dos professores — hoje formados em licenciaturas divididas por disciplinas — pode precisar ser alterada. “Há uma descontinuidade muito grave na proposta do fundamental para o médio. Acho que trabalhar de uma maneira interdisciplinar é positivo, mas não podemos anular o que é próprio de cada disciplina”, afirma Callegaria. “Um professor de Biologia não necessariamente tem capacidade de desenvolver percursos de Química e de Física na área de Ciências da Natureza. Há uma escassez enorme de professores de ensino médio no país e ainda mais de professores que conseguem trabalhar por áreas de conhecimento”. Já Eduardo Dechamps diz que a formação de professores deverá ser impactada: “(No futuro) poderão ter essa formação por áreas do conhecimento, o que permitirá uma atuação mais flexível no ensino médio”, diz.

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