Dia do Auxiliar de Enfermagem resgata memória de Ana Nery e ressalta dedicação de profissionais

Gilson Jorge

Baiana de Cachoeira, Ana Nery nunca tinha saído do estado até os 51 anos de idade, quando seus três filhos, um militar e dois médicos, foram convocados para lutar na Guerra do Paraguai, em 1865.

Autorizada pelo então governador da Província da Bahia, Manuel Pinto, viajou ao Rio Grande do Sul, onde aprendeu com freiras noções de socorro a feridos e seguiu para o Paraguai.

Ergueu uma enfermaria-modelo e se dispôs a tratar igualmente de feridos brasileiros e paraguaios. Com o fim da guerra, em 1870, Ana retorna ao país sem um dos filhos, morto em combate, e com o título de “Mãe dos Brasileiros”.

Seu envolvimento com a recuperação de combatentes feridos e o sacrifício familiar fizeram com que a data da sua morte, em 20 de maio de 1880, fosse reconhecida nacionalmente como o Dia do Técnico e do Auxiliar de Enfermagem, encerrando a Semana da Enfermagem.

O Dia do Enfermeiro, 12 de maio, marca o nascimento na Itália de Florence Nightingale, cidadã britânica que foi voluntária na Guerra da Crimeia (1853-1856) e que posteriormente criaria a primeira escola de enfermagem do mundo.

Antes do conflito, pessoas acometidas por enfermidades eram enviadas a mosteiros, onde eram acompanhadas por religiosos. A guerra trouxe um novo jeito de oferecer cuidados aos enfermos. Mesmo contra a vontade dos militares, Florence liderou um grupo de voluntárias que se esforçavam para reduzir a mortalidade entre os combatentes.

Escola de enfermagem

No Brasil, a enfermagem começou a se estabelecer quando o médico sanitarista Carlos Chagas monta no Rio de Janeiro a Escola Nacional de Enfermagem Ana Nery.

A Escola de Enfermagem da Bahia, primeira no Norte e Nordeste, surge após a Segunda Guerra Mundial, em 1946, antes da fundação da Ufba.

A enfermagem começou no século 19 a partir da compaixão de mulheres animadas a salvar vidas, em meio a homens dispostos a matar pelo bem da economia. Atualmente, é uma das mais importantes, e sobrecarregadas, áreas profissionais, com três carreiras.

O enfermeiro, que passa por cinco anos de graduação, além do técnico e do auxiliar de enfermagem, que têm as mesmas atribuições. A diferença é que a função de auxiliar, em vias de extinção, é praticada por antigos profissionais que começaram a trabalhar sem qualquer formação antes da mudança na legislação.

Mais que aplausos

No que consiste a enfermagem? Essa é a única área da saúde pública que, em tese, mantém um profissional disponível ao paciente por 24 horas diárias. A profissionalização que se seguiu à criação dos estudos formais moldou uma nova visão do trabalho. Na definição da enfermeira e teórica americana Virgínia Henderson, trata-se de dar assistência ao indivíduo doente ou sadio no desempenho de atividades que contribuem para manter a saúde, recuperá-la ou, se for o caso, permitir uma morte serena.

A profissionalização permitiu ao enfermeiro, com o passar do tempo, concentrar-se em atividades vitais e administrativas, delegando aos antigos auxiliares de enfermagem atividades rotineiras, como o banho, o escovamento de dentes e o cuidado com os materiais.

Sob a orientação do enfermeiro, o técnico de enfermagem pode desempenhar atividades de menor complexidade, como avaliações e procedimentos em pacientes da unidade semi-intensiva. Esses procedimentos não podem ser feitos por auxiliares de enfermagem.

Com 25 anos de profissão, a enfermeira Monica Vasquez conhecia o conceito de pandemia dos livros e, nesse momento, vê tudo novo na profissão em que é veterana. Não é para menos. Desde que o coronavírus começou a circular, mesmo as atividades rotineiras como lavar as mãos, passar álcool em gel e usar máscaras ganharam um componente extra de tensão.

Sua colega de profissão Emanoela Oliveira acrescenta que é como uma guerra: “O fator de risco pode vir de qualquer lado”. Ela sempre quis trabalhar na área de saúde e optou por enfermagem quando o curso passou a ser oferecido em sua cidade natal, Vitória da Conquista.

Nenhum caso

Apesar do clima de estresse permanente, a unidade em que ambas trabalham, a Maternidade Climério de Oliveira, ainda não registrou nenhum caso de Covid-19. “Vamos sair disso mais fortalecidos”, aposta Monica.

Depois que o coronavírus chegou a Salvador, a superintendente da MCO, Sinaide Coelho, começou a receber mais interfonemas dos vizinhos do condomínio em que mora, com perguntas do tipo “está tudo bem?”, facilmente traduzíveis como “tem certeza de que não está contaminada?”. Mas também declara ficar emocionada quando ouve o som de panelas sendo batidas, ecoando em homenagem aos profissionais de saúde.

Perseverança move os profissionais, de acordo com Sinaide Coelho | Foto: Felipe Iruatã | Ag. A TARDE
Perseverança move os profissionais, de acordo com Sinaide Coelho | Foto: Felipe Iruatã | Ag. A TARDE

Sinaide espera que os aplausos e o reconhecimento sejam traduzidos, futuramente, em melhores condições de trabalho, equipamentos de proteção individual em quantidade satisfatória e menos pressão sobre os trabalhadores. “A perseverança e a certeza do nosso papel na sociedade nos movem a fazer sempre o melhor a cada dia”.

Às vezes o trabalho inclui a capacidade de conversa e convencimento com o paciente e sua família. Em 2002, o enfermeiro Giuliano Souza participou do atendimento a uma gestante. No processo, um exame detectou sífilis na mãe. O médico prescreveu o uso do antibiótico Bezentacil, mas ela afirmou que o companheiro se recusaria a usar o medicamento.

Guiliano Souza destaca o diálogo entre profissionais e pacientes | Foto: Felipe Iruatã | Ag. A TARDE
Guiliano Souza destaca o diálogo entre profissionais e pacientes | Foto: Felipe Iruatã | Ag. A TARDE

A equipe médica teve que se dirigir à zona rural de Vitória da Conquista para convencer o futuro pai a também se tratar, pois não adiantaria muito curar a mãe com a possibilidade de que ela voltasse a se contaminar. “ Foi uma hora e meia de conversa”, lembra.

Mercado

Uma pesquisa feita em 2018 pelo Conselho Federal de Enfermagem, em parceria com a Fiocruz, indica que 91,8% das pessoas que se graduaram na área no Brasil estão inseridas no mercado de trabalho. Há dois anos, havia 46.991 vagas ativas no país, de acordo com os dados mais recentes disponíveis. Era a segunda profissão de nível superior que mais tinha gente em atividade, atrás apenas de analistas de desenvolvimento de sistemas. Mas isso não é uma notícia a ser comemorada sem ressalvas.

“Há um subdimensionamento na contratação de enfermeiras. Se nos Estados Unidos e na Europa isso acontece por escassez de mão de obra, no Brasil há uma decisão no setor público e também no privado de não contratar”, afirma o professor doutor de enfermagem da Ufba Handerson Silva.

Para Handerson Silva, há subdimensionamento na contratação
Para Handerson Silva, há subdimensionamento na contratação

Estima-se que 85% dos cargos da área de enfermagem no país sejam ocupados por mulheres. “Mesmo sendo homem, me refiro sempre à categoria como enfermeiras. É uma questão política”.

A média salarial na Bahia de um enfermeiro está em torno de R$ 2.200, e não é difícil ver um profissional contratado por R$ 1.500 e tendo que trabalhar em três lugares distintos para compor a renda. Há técnicos de enfermagem recebendo um salário mínimo.

E muitas vezes o enfermeiro graduado precisa trabalhar como técnico de enfermagem por falta de vagas na sua carreira. Há 14 anos no setor, Marcelle Lima Silva recebeu o diploma de nível superior em 2018, mas ainda atua como técnica.

Presente

A festa de formatura de Marcelle teve um presente especial. Um anel dado por uma ex-paciente de quem se tornou amiga cinco anos antes, no Hospital Santo Amaro. “Ela estava sob os cuidados de uma colega e quando soube que ela passaria pela mesma cirurgia que eu tinha feito me aproximei dela”, conta.

As palavras de conforto que Michelle proferiu à paciente ganharam mais força. “Ela sabia que eu estava falando de algo que eu vivi”, lembra a técnica de enfermagem, que decidiu trabalhar na área de saúde depois de assistir a séries de TV como Plantão Médico. “Eu vi que queria ajudar pessoas em sua recuperação”, afirma.

Valdir Laranjeira não tinha tanta certeza do que queria fazer da vida. Apenas buscava uma formação profissional há 15 anos quando apareceu a possibilidade de um curso técnico em enfermagem.

“A certeza veio no primeiro estágio, em Jequié, quando vi que estava sendo útil a um paciente”, destaca. Mas ele assinala que é preciso em algum momento ter essa certeza para seguir na enfermagem. O salário apenas não segura a onda. Até hoje, por exemplo, ele se lembra com clareza do rosto de uma paciente que morreu em um atendimento após um enfarte. “O médico tentou de tudo, mas não teve jeito”.

A enfermagem tem, acredita, essa peculiaridade de acompanhar a chegada de uma nova vida ao mundo, os tratamentos, curas e também os momentos em que pessoas fecham os olhos pela última vez.

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