Do golpe militar à presidente guerrilheira

Cinco décadas depois, 1964 não acabou. Faltam respostas, muitas, esclarecimentos. O começo da história – há 50 anos, o 31 de março ? está sendo contada agora. 

Ayrton Maciel

Quase meio século depois do golpe, a presidente Dilma, ex-guerrilheira, passa em revista as tropas numa comemoração do 7 de Setembro. / Dida Sampaio/ABR

Quase meio século depois do golpe, a presidente Dilma, ex-guerrilheira, passa em revista as tropas numa comemoração do 7 de Setembro.

Cenário 1: Terça-feira, 31 de março de 1964. A deposição do presidente da República, João Goulart (PTB), está em andamento. Um dia antes, no Rio de Janeiro, Jango havia comparecido a seu último ato político, convidado de uma festa da Associação dos Sargentos e Suboficiais da Polícia Militar, no Automóvel Clube do Brasil. Tropas do general Olympio Mourão Filho, comandante da IV Divisão de Infantaria, em Juiz de Fora, Minas Gerais, rompem a madrugada de 31 em direção ao Estado da Guanabara, precipitando o golpe militar ainda em articulação nos quartéis. A quartelada tem o apoio dos governadores-conspiradores Magalhães Pinto, de Minas, Carlos Lacerda (RJ), do Rio, de São Paulo, Ademar de Barros.

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De volta a Brasília, dia 1º de abril, Jango escuta conselhos para que resista aos rebelados. O ex-ministro da Fazenda, San Tiago Dantas, revela informe de que a 4ª Esquadra dos Estados Unidos estava na costa brasileira, com ordens do presidente John Kennedy para intervir em apoio aos golpistas, caso houvesse resistência dos legalistas. O País poderia ser dividido, criando o Brasil do Norte e o Brasil do Sul. Jango segue para o Rio Grande do Sul, onde líder gaúcho Leonel Brizola (PTB) e o general-chefe do III, Ladário Teles, também sugerem resistir. Decidido a evitar um derramamento de sangue em uma guerra civil, Jango sai do País e pede asilo ao Uruguai.

Cenário 2. Quarta-feira, 1º de abril de 1964, Palácio do Campos das Princesas, Pernambuco. O governador Miguel Arraes (PST) havia virado a madrugada ao lado de secretários e auxiliares, como prefeito do Recife, Pelópidas Silveira (PSB), e o superintende da Sudene, Celso Furtado, acompanhando as notícias imprecisas de Brasília. Na manhã do dia 1º, a caserna cerca o Palácio da Princesas. Ninhos de metralhadores na Praça da República, fuzis e baionetas caladas no entorno do Teatro de Santa Isabel e os tanques nas pontes e ruas. O almirante Dias Fernandes, comandante do III Distrito Naval, e os coronéis de Exército Dutra de Castilho, Ivan Rui e Rui Vidal entram no Palácio às 11 horas.

Os oficiais apresentam ao governador a proposta do chefe do IV Exército, general Justino Alves Bastos: aderir ao movimento, o que lhe garantiria ficar no cargo, ou renunciar para não ser preso. Arraes rejeita. Os comandantes saem. Durante o dia, uma tentativa popular de apoio a Arraes acaba na execução dos estudantes Jonas Albuquerque e Ivan Aguiar. Antes das 16 horas, militares voltam ao Palácio, agora sem proposta. Comunicam a deposição e dão ordem de prisão a Arraes, que vai para o 14º Regimento de Infantaria.

Cenário 3. Sábado, 1º de janeiro de 2011. Quatro gerações depois de 64, uma mulher assume, pela primeira vez, a Presidência da República do Brasil. Exatos 25 anos da restauração da democracia, 21 da primeira eleição direta pós-Golpe, 46 da posse de Dilma Rousseff (PT) e 121 da Proclamação da República. A ex-militante da Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares), presa política torturada – de 1970 a 1972, na ditadura militar –, voltou à legalidade, forma-se em Economia e – com a anistia de 1979 e o fim do bipartidarismo, em 1982 – filia-se ao PDT gaúcho, ligada que está a Leonel Brizola, o político brasileiro mais detestado pelos militares.

A imagem de técnica austera do PDT em gestões do PT de Porto Alegre e estadual a levam ao governo Lula, o primeiro operário eleito presidente do Brasil em 2002. A disciplina adquirida na guerrilha urbana, a capacidade de comando e a objetividade tornam-se qualidades que fazem a Ministra de Minas e Energia e da Casa Civil obter a preferência do líder petista na sucessão. Em 2010 é eleita presidente.

Passadas as conspirações contra Jango, a quebra da hierarquia militar, a perda da autoridade do governo, o caos da ordem e o golpe, a linha do tempo do povo brasileiro acabou derrotando a ditadura de 64. Rejeitou a violência do regime e a alternativa armada, conquistou a democracia, restaurou os direitos civis e políticos, aprovou a sua “Constituição Cidadã” (1988) e elegeu a esquerda. Opção pela alternância no poder. Hoje, a ex-guerrilheira Estela passa em revista a tropa.

 

Fonte: JC

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