Donos de jegues revelam que animal vale bem mais do que pensa secretária de educação

Hélio Paixão diz que seu jegue não é vendido por menos de R$ 10 mil
Hélio Paixão diz que seu jegue não é vendido por menos de R$ 10 mil 
Ricardo Rigel e Elis Bartonelli

A sugestão da secretária de Educação, Cultura e Esporte e primeira-dama de Seropédica, na Baixada Fluminense, de mandar os professores da rede municipal irem trabalhar de jegue não causou revolta apenas na categoria. Na cidade, que faz parte da região de Itaguaí, muitos moradores acharam uma tremenda falta de respeito com os educadores. Mas até donos e criadores de jegues resolveram se manifestar. Além de acharem um absurdo o tratamento dado aos professores, eles dizem que a secretária Sônia Oliveira de Souza desvalorizou o animal, que chega a custar R$ 10 mil:

— Com uma única declaração, essa senhora conseguiu deixar os professores revoltados e os donos de jegues chateados. Um jegue ou uma mula minha não é vendido por menos de R$ 10 mil. Eu ando muito com os meus, mas só na roça. O bichinho não foi feito para ficar andando na cidade, não — comentou o operador de máquinas Hélio Paixão, de 65 anos.

O EXTRA perguntou a Hélio se ele daria uma carona para a secretária de Educação em seu jegue, mas o operador disse que só pessoas da confiança dele podem dar uma volta no lombo do animal.

— Aqui, o táxi é privado. Quem desrespeita professor não tem vez — brincou Paixão, brincando ao colocar a plaquinha no jegue.

Um cuidador de jegues e cavalos da Universidade Federal Rural do Rio, que também fica em Seropédica, disse que muitos animais são usados para o transporte de carga e alimentos em áreas rurais da região.

— O que essa secretária falou foi uma grande besteira. Mas se essas pessoas não respeitam nossos professores, o que esperar da atitude delas com animais? — comentou o funcionário que não quis se identificar.

A declaração da secretária foi feita no dia 18 de maio, durante uma reunião com diretores das escolas municipais. Ela disse que só teriam carona nos ônibus escolares os funcionários que auxiliassem as crianças: “Aquele que não quiser ajudar, não tem problema. Ele vai a pé! Ou então, ele aluga um jegue. Com R$ 200 você compra um”.

Ônibus escolar para unidades de difícil acesso em Seropédica
Ônibus escolar para unidades de difícil acesso em Seropédica Foto: Alexandre Cassiano / Extra

Depois que o caso ganhou repercussão, a secretária de Educação reconheceu que foi infeliz na sua declaração. Ela disse que sua reação foi consequência da reclamação de pais insatisfeitos com o fato de professores estarem ocupando o ônibus escolar: “Foi quase uma brincadeira. Não tive a intenção de magoar ninguém”.

Prefeitura diz que funcionário sabe localização das escolas quando faz concurso

A Prefeitura de Seropédica, através da Secretaria de Comunicação, reconhece que o transporte para escolas rurais da cidade é precário, mas alegou que “o funcionário sabe a localização das escolas quando presta o concurso”.

E é a pé que funcionários da Escola Municipal Professor Paulo Freire, no bairro Sol da Manhã, na zona rural de Seropédica, vão para o trabalho. Cercada por mato e com acesso por estrada de terra batida, sem qualquer proximidade de transporte público, a unidade sobrevive pela dedicação da equipe.

— Levo uma hora e meia andando de casa até aqui. E trago meu filho de 7 anos, porque o ônibus escolar não passa mais perto da minha casa — contou uma funcionária.

Segundo moradores, a região nunca teve acesso aos ônibus da cidade. A Escola Paulo Freire costuma ser rejeitada por professores convocados por concurso.

— Os R$ 160 do adicional de acesso que a prefeitura dá não são nada. Só um mototáxi do Centro da cidade até a escola custa R$ 20 — reclamou uma pessoa, sem se identificar.

Por causa da desistência de parte do corpo docente concursado, a escola recebeu professoras contratadas. Sem direito ao auxílio para transporte, elas pegam carona no ônibus escolar.

Este ano, um dos dois ônibus escolares quebrou e ainda não houve reposição. Além disso, o novo corpo docente está sendo contratado em regime de 22h30 semanais, o que acabou com as aulas em período integral.

A aproximadamente 9km da antiga Estrada Rio-São Paulo (BR-465), que dá acesso a Seropédica, a Escola Municipal Bananal tem apenas um ônibus que liga o bairro ao Centro da cidade.

Duas cozinheiras da escola que moram na Baixada pegam duas conduções e levam uma hora e meia para chegar. Elas precisam descer na Via Dutra e caminhar por 15 minutos.

— Gasto R$ 16 todos os dias, com Bilhete Único. O adicional de acesso não dura dez dias. E andar a pé aqui é perigoso — reclamou uma delas.

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