Dos horrores da Segunda Guerra ao renascimento da extrema-direita

Holocausto revelou histórias de mortes aterrorizantes, mas intolerância ainda persiste

POR MARINA GONÇALVES
Aos 86 anos, Nanette Konig relembra os horrores na Alemanha e recomeço no Brasil

Em letras garrafais, a manchete da edição extraordinária de 3 de setembro de 1939 anunciava: “Declarada a guerra”. Nanette Konig, 86 anos, tinha apenas 11 quando os alemães invadiram seu país, a Holanda, pouco tempo depois, no início de 1940. Paulatinamente, o cotidiano da jovem judia foi se transformando até virar completamente de cabeça para baixo. Primeiro, foi proibida de usar o transporte público e de frequentar parques. Logo, teve de trocar a escola comum, onde estudava, por uma só para judeus. E os alunos, assim como os professores, começaram a desaparecer.

— Ou estavam sendo deportados ou se escondiam. De repente, dos 30 alunos da minha classe, havia só 16. Em dois anos, 80% da população judaica holandesa foram deportados — relembra ela, por telefone, de São Paulo, onde vive desde a década de 1950.

Foi numa das escolas especiais — eram 25 no país, reservadas apenas a judeus — que Nanette dividiu a turma com uma jovem que se tornaria conhecida no mundo inteiro: Anne Frank, autora de um diário em que relatava o terror do Holocausto. As duas só se reencontrariam anos depois, num dos mais terríveis campos de concentração da Alemanha, o Bergen-Belsen. Anne morreu dias depois.

A crueldade extrema num dos mais terríveis símbolos da Segunda Guerra Mundial foi descrita em diversas reportagens do GLOBO na cobertura do conflito: “Mortas, de uma só vez, nas câmaras de gás, 800 mulheres”, denunciava uma reportagem de 1º de outubro de 1945. Segundo uma das vítimas, Helena Klein, polonesa de 21 anos à época, os algozes preferiam as torturas noturnas porque “os gritos das vítimas mantinham o resto dos prisioneiros despertos pelo medo”.

Nanette, que perdeu toda a família em Bergen-Belsen e sobreviveu por um milagre — “estava com tifo e pesando 31 quilos” — lembra a data exata de quando chegou ao “campo do terror”: 15 de fevereiro de 1944.

— Fui levada para lá com meu pai, que morreu em novembro daquele ano, além de minha mãe e meu irmão, deportados em dezembro. Com 15 anos, estava praticamente sozinha no mundo. As pessoas morriam pelas atrocidades cometidas no campo do horror.

Mas a força do Exército alemão, e a suposta invencibilidade de Adolf Hitler, começaram a ruir com a derrota em Stalingrado, em 1943. A invasão da Itália pelos Aliados, mais tarde naquele ano — quando o italiano Benito Mussolini, principal aliado de Hitler, foi derrotado — abriu espaço ao Dia D. Na manchete daquele 6 de junho de 1944, quando 160 mil soldados aliados desembarcaram na Normandia, apenas uma palavra: “Invasão!”.

“Protegidas por grandes forças aéreas e navais, tropas anglo-americanas iniciaram, na madrugada, o assalto em larga escala à Fortaleza da Europa”, dizia a reportagem de uma edição extra do jornal.

— Quando os ingleses chegaram, em abril de 1945, ficaram apavorados com as condições ali (no campo). Era uma situação inimaginável. Pilhas e pilhas de esqueletos — conta a sobrevivente. — Mesmo vivendo uma guerra, eles não estavam preparados para a situação que encontraram. Três semanas depois, esvaziaram o campo e queimaram tudo.

Prisioneiros do campo de concentração de Buchenwald, no Leste da Alemanha, onde estima-se que 56 mil pessoas morreram – Reprodução

Depois de passar três anos num sanatório, a holandesa acabou na Inglaterra, onde foi acolhida por uma tia. Lá conheceu o marido e, anos depois, mudou-se com ele para São Paulo. Só voltou a estudar quando já era avó. E, apesar das memórias sombrias, Nanette não se priva de contar seu passado.

— Quem esquece do Holocausto é cúmplice. Porque foi uma perseguição não só de judeus, mas de 17 milhões de poloneses, russos, testemunhas de Jeová. Trata-se de uma vasta lista de perseguidos, além dos quase seis milhões de judeus. E acredito que sejam mais. A comunidade judaica não é mais a mesma de antes da guerra. É uma comunidade traumatizadíssima, não é algo que passa rápido.

As denúncias das atrocidades do nazismo durante os seis anos de guerra percorrem as páginas do GLOBO. Ao contrário de muitos veículos brasileiros da época, o jornal sempre teve uma postura pró-aliados e pró-democracia, destaca o historiador Francisco Carlos Teixeira, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ):

— Mesmo havendo censura à imprensa (por parte do governo de Getúlio Vargas), editoriais e notícias publicados à época eram favoráveis às democracias ocidentais e antifascistas, diferentemente de (outros) jornais do período, como “Meio Dia” e “Gazeta de Noticias”, e das rádios.

O posicionamento fica ainda mais claro no fim da guerra. Na edição extra de 7 de maio de 1945, logo após a manchete que anunciava o fim dos combates, o título: “Vitória”.

Teixeira lembra, ainda, que muitos dos atuais conflitos — entre Ucrânia e Rússia e as Coreias do Sul e do Norte — são consequência direta da Segunda Guerra e da divisão e remanejamento de muitos territórios à época.

Outros fenômenos recentes na Europa remetem aos tempos de intolerância que marcaram a ascensão do nazifascismo nos anos 1920 e 1930, exemplificados pelo surgimento de legendas de extrema-direita na Europa, como a Aurora Dourada, na Grécia, e o Jabbik, na Hungria. Sem contar o Pegida, movimento anti-islâmico que vem ganhando força na Alemanha.

— São resultado de um processo incompleto de expurgar os elementos fascistas, principalmente por causa da Guerra Fria, quando novos inimigos surgiram. E, eu diria, da incapacidade das escolas em ensinar a Segunda Guerra de forma a impedir que aqueles ideais voltem a seduzir os jovens — diz o historiador.

Antes mesmo do início da Segunda Guerra, a infiltração do nazismo no Sul do Brasil era denunciada pelo GLOBO. Na última edição de 16 de setembro de 1937, o jornal apresentava um amplo inquérito sobre a colonização alemã no país e alertava para o uso de saudações a Hitler nas instituições de ensino.

“As escolas particulares alemãs que já ofereciam campo franco à germanização ultimamente se tornaram também o caminho da propaganda nazista”, contava o enviado especial do GLOBO a Blumenau, em Santa Catarina. “Os exercícios escolares de desenho, por exemplo, são na sua quase totalidade sobre temas alemães e particularmente nazistas. Os meninos são postos a copiar flâmulas, bandeiras nazistas”.

Fonte: O Globo

 

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