O ensaio chama-se “Como mudar sua mente”. Na época, ele acreditava que aquele seria “Um livro menor”, por se tratar de “uma questão muito marginal e estigmatizada”. O ensaio, hoje, se transformou na bíblia de uma filosofia científica, econômica, social e cultural nos EUA e um guia para pessoas que buscam respostas além dos tratamentos psiquiátricos tradicionais.
— Desde que meu livro foi lançado, as substâncias foram colocadas no centro da cultura. Tem a ver com o fato de estarmos em meio a uma crise de saúde mental, agravada pela pandemia, com índices vertiginosos de depressão e suicídio, principalmente entre os jovens. O ‘establishment’ científico, sobrecarregado com esse problema, recebeu meu trabalho melhor do que esperava. Eles sabem que as ferramentas que possuem não são muito boas. Os antidepressivos não funcionam mais, se é que alguma vez funcionaram — afirma o autor.
Pollan estava no Colorado para a conferência “Psychedelics Science”, que atraiu 12 mil participantes para discutir o presente e o futuro do “renascimento psicodélico” enquanto o país conta os meses até que a “Food and Drug Administration” (FDA) aprove o MDMA e a psilocibina (cogumelos) para uso terapêutico para tratar pacientes com estresse pós-traumático ou pacientes com câncer terminal.
O escritor disse que “uma dezena de pessoas” o pararam para lhe dizer que o seu ensaio, que foi traduzido em uma série de documentários para a Netflix, “mudou suas vidas”. Ele se sente orgulhoso de ter ajudado a espalhar a mensagem do uso dos psicodélicos para além dos homens brancos ricos, “o arquétipo dos psiconautas”, para mulheres, afro-americanos ou latinos.
O livro contou a história dessa nova corrente a partir da pesquisa científica em torno dessas substâncias (nas décadas de 1950 e 1960), durante a qual cerca de 40 mil americanos as tomaram em ambientes clínicos. Tudo acabou quando o LSD, molécula sintetizada em 1938 por Albert Hoffman, ou a psilocibina, experimentada por Timothy Leary em Harvard, acabaram tomando as ruas para fins recreativos e Richard Nixon os criminalizou, em 1970, na chamada “guerra contra as drogas”.
Os psicodélicos hoje em dia
Um grupo de psicólogos e exploradores psicodélicos, reverenciados hoje de forma heróica em reuniões como a de Denver, manteve a chama da pesquisa à margem da lei, até que ela lentamente voltou à tona no novo século. Pollan espera que “desta vez não sejam cometidos os mesmos erros de antes”, como “ignorar por pura arrogância ocidental os ensinamentos dos povos indígenas que usam essas moléculas há centenas de anos”. Questionado se acha que existe uma “bolha” psicodélica nos EUA, o escritor responde que sim.
— Mas não se esqueça que os experimentos que estão sendo feitos são otimizados para o sucesso. Os participantes são escolhidos com muito cuidado, e estão com muita vontade de fazer tudo dar certo. É preciso ver quando o foco é ampliado para outros pacientes — completa.
— É perigoso, no entanto, que as pessoas pensem que os psicodélicos podem resolver todos os problemas, mentais ou não, como ouvi dizer aqui. E estou preocupado, com a chegada da legalização, com os abusos de terapeutas clandestinos sem escrúpulos, que se aproveitam das pessoas e lucram, cobrando quantias exorbitantes para fornecer assistência psicodélica, já que a demanda é tão alta. O que as pessoas farão se algo der errado durante o processo? Eles vão ligar para o 911 ou vão se preocupar mais com as consequências legais? — explica o autor.
Por “processo”, Pollan quer dizer o ritual observado para esses tratamentos em lugares como o Centro de Pesquisa Psicodélica e da Consciência da Universidade Johns Hopkins, em Baltimore: uma sala silenciosa, máscara, um pouco de música, a presença de um terapeuta durante a “viagem” e sessões com um psicólogo antes e depois para se preparar para a experiência, que pode ser profundamente desestabilizadora, e para sua posterior assimilação. Parte do trabalho da FDA é estabelecer protocolos rigorosos e um sistema para treinar e credenciar novos praticantes da medicina psicodélica.
Para participar de um desses experimentos, você precisa ter um motivo: por exemplo, estar à beira de um câncer terminal.
Ópio, cafeína e mescalina: três experiências em novo livro
As explorações de Pollan seguem em seu novo livro, o recém-publicado “Sua mente sob o efeito das plantas”. Nele, ele estuda outras três substâncias: um “tranquilizante”, o ópio; uma “excitante”, a cafeína (“aquela droga poderosa escondida à vista de todos”); e outro “expansivo”, a mescalina (um psicodélico).
O resultado são três longos relatos nos quais, como sempre, Pollan conduz o leitor pelo processo de seu próprio aprendizado. No caso da cafeína, ele corta o hábito de tomá-la todos os dias para atestar como sente os efeitos: “dor de cabeça, cansaço, letargia, dificuldade de concentração, diminuição da motivação, irritabilidade, angústia intensa, perda de confiança e disforia, o oposto polar da euforia”.
— Muitas pessoas me disseram que pararam de tomá-lo depois de ler o livro. Digo a você que estava apenas tentando recalibrar meu relacionamento com o café e depois voltei a ele. Por que abrir mão desse grande prazer? — conta Pollan.
É interessante ler o texto do ópio à luz da crise do fentanil, um narcótico 50 vezes mais forte que a heroína, que assola os EUA. Na verdade, trata-se de uma adaptação de um artigo que o autor resolveu publicar censurado na década de 1990 para evitar problemas jurídicos.
— No final da década de 1990, havia meio milhão de viciados em heroína nos EUA. Em 2022, 110 mil pessoas morreram de overdose [dois terços delas, de fentanil]. É incrível como as coisas pioraram — diz.
Por outro lado, acrescenta, isso que a Drug Enforcement Administration (DEA) já considera a maior crise de drogas da história do país pode ser tratada com o “ressurgimento psicodélico”. A falta de conhecimento, no entanto, atrapalha essa possibilidade.
— Existem estudos que dizem que substâncias como a ibogaína são capazes de combater esse poderoso vício [em fentanil]. É difícil as pessoas acreditarem que uma substância é usada para matar outra, porque, afinal, pensam que são drogas, certo?
Como parte de sua nova vida de apóstolo lisérgico, o escritor, professor de não ficção em Harvard e jornalismo científico em Berkeley, também fundou o “Center for Psychedelic Science” nesta última universidade em 2020, voltado para pesquisa e divulgação do assunto.
Como parte dessa segunda missão, divulgou os resultados de uma pesquisa sobre a percepção da opinião pública americana sobre essas substâncias. Ela conclui que 61% das pessoas apoiam o uso terapêutico, que 56% aprovariam sua distribuição com receita e que 50% aprovariam a descriminalização de sua posse e consumo. Por enquanto, no Colorado eles já deram esse passo com os cogumelos alucinógenos, enquanto o Oregon se tornou este ano o primeiro estado americano a legalizá-los para uso terapêutico.