Em aceno a Trump, Meta elimina programas de diversidade

O chamado movimento anti-woke (reação conservadora que se opõe a inciativas para ampliação da representatividade corporativa de grupos minorizados) parece ter ganhado um novo protagonista, depois de uma sequência de decisões que redefinem o panorama das redes sociais e da cultura corporativa americana.

Trata-se de Mark Zuckerberg, CEO da Meta, dona do Facebook, Instagram e WhatsApp, que em menos de duas semanas eliminou a checagem de fatos em suas plataformas, anunciou uma doação de US$ 1 milhão para o fundo inaugural de Trump e, agora, encerra todos os programas de Diversidade, Equidade e Inclusão (DE&I) da empresa.

A série de medidas, que inclui ainda a promoção de executivos alinhados ao Partido Republicano, sinaliza uma guinada significativa da maior empresa de redes sociais do mundo em direção a posições tradicionalmente defendidas por correntes políticas conservadoras.

Desmanche com efeito imediato

A comunicação de que a Meta está eliminando imediatamente diversos programas focados em grupos minoritários, incluindo práticas de contratação diversificada, veio por meio de um memorando interno revelado na sexta, (10), pela Axios e Business Insider.

No documento, Janelle Gale, vice-presidente de RH, afirmou que as metas de representatividade também serão abandonadas. A empresa contextualizou a mudança dentro do cenário legal e político dos EUA, citando decisões recentes da Suprema Corte, mas evitou comentar como estas alterações se alinham com seus objetivos corporativos mais amplos.

De qualquer modo, o conjunto de “novidades” é uma guinada significativa e sinal dos novos ventos do Vale do Silício. A série de modificações estruturais na empresa de Zuckerberg vão além do encerramento dos programas DE&I. A eliminação do programa de fact-checking, seguida pela promoção do republicano Joel Kaplan a diretor global de assuntos e a inclusão de Dana White, CEO da UFC e próximo a Trump, em seu Conselho, demonstram um claro realinhamento estratégico.

Adicionalmente, a contribuição sem precedentes de $1 milhão para o fundo inaugural de Trump marca uma ruptura – talvez definitiva – com as práticas anteriores da empresa e sugere uma tentativa de reconciliação com um líder que já ameaçou seu CEO com prisão.

Suprema Corte pavimenta caminho do desmonte

Embora soprando mais forte no Vale do Silício, o movimento de redução dos programas de DE&I ultrapassou suas fronteiras e alcança diversos setores da economia americana. Gigantes do varejo como Walmart, do setor automobilístico como Ford, do fast-food como McDonald’s e do setor agrícola como John Deere, estão reduzindo suas iniciativas de diversidade.

E poucos casos o fizeram com sutileza, como a Amazon, cuja executiva de RH, Candi Castleberry, anunciou recentemente o encerramento de “programas e materiais desatualizados” até o final de 2024, focando em “programas com resultados comprovados”.

As mudanças são justificadas por um ambiente legal e político em rápida transformação. Especialistas apontam que a decisão histórica da Suprema Corte em 2023 contra ações afirmativas baseadas em raça nas universidades americanas criou um precedente que agora reverbera no mundo corporativo. Também a decisão judicial que impediu a Nasdaq de impor regras de diversidade em conselhos corporativos contribuiu para criar um novo ambiente regulatório.

E o próprio termo “DE&I” tornou-se politicamente carregado, sendo frequentemente interpretado como uma forma de tratamento preferencial, uma percepção que tem gerado crescente resistência nos círculos conservadores.

Depois do Black Lives Matter, uma reviravolta em três anos

O momento atual representa um dramático retrocesso nas iniciativas corporativas adotadas após os protestos de 2020, desencadeados pelo assassinato de George Floyd. Não é exagero afirmar que movimento avalizado atualmente pela Meta representa uma transformação fundamental na relação entre grandes empresas de tecnologia e questões sociais, numa sequência de decisões que sugere uma estratégia coordenada de alinhamento com correntes políticas conservadoras.

E as implicações dessas decisões são potencialmente transformadoras para o ambiente corporativo americano, mas influenciam o resto do mundo, potencializando o risco real de um efeito dominó que afetaria práticas de contratação, promoção e cultura organizacional em companhias de todas as nacionalidades e tamanhos.

Papel das empresas será reescrito?

O cenário atual sinaliza mais que uma simples reversão de políticas corporativas — marca uma redefinição do papel das empresas na sociedade. Se no início da década as corporações se posicionavam como agentes de transformação, agora retornam a uma postura que prioriza resultados financeiros sobre impactos sociais.

O movimento, que encontrou na Meta seu caso mais emblemático, sugere que o experimento das companhias como protagonistas de mudanças sociais pode ter chegado ao fim, ao menos neste ciclo.

À medida que programas de diversidade são reformulados ou eliminados, emerge uma nova filosofia corporativa que busca distância de questões consideradas polarizadoras, recalibrando a participação empresarial no debate público e sinalizando um retorno à visão mais tradicional do papel corporativo: focado em negócios, não em transformação social.

Para observadores do mercado global, o momento americano pode representar o início de uma nova era, onde o envolvimento privado em questões sociais será mais cauteloso e pragmático. Uma transformação que, ironicamente, pode ter consequências tão profundas quanto o movimento que pretende desmantelar.

Da revista Exame.

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