Por Thais Bilenky, do UOL – Ao tomar posse amanhã (1º) como ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski terá de se equilibrar numa balança com um peso-pesado da política nacional que é seu velho conhecido, Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal.
Com a Polícia Federal sob sua alçada, o novo ministro lidará com investigações das mais sensíveis sobre figuras que vão do deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ), alvo mais recente, até o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus filhos. Os inquéritos têm um denominador comum: a relatoria de Moraes no Supremo.
O ministro da Justiça não tem ingerência sobre investigações da PF, mas está hierarquicamente acima da corporação e deve zelar por seu pleno funcionamento.
Dias de alta voltagem na PF
Os últimos dias já serviram para começar a mudar as peças de lugar no tabuleiro. A Polícia Federal deflagrou operação de busca e apreensão em endereços do vereador carioca Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do ex-presidente. As ações foram autorizadas por Moraes.
Lewandowski não se pronunciou publicamente, e mesmo na cúpula da PF não se viram gestos claros do novo ministro em relação às investigações.
A postura que adotou até agora é diferente da de seu antecessor, Flavio Dino, que está prestes a tomar posse como ministro do Supremo.
Dino, enquanto à frente da Justiça, manteve relação próxima com a cúpula da PF, pediu instauração de inquéritos e equilibrava a influência de Alexandre de Moraes sobre a corporação.
Lula pediu que o novo ministro mantivesse o delegado Andrei Rodrigues na direção-geral da PF. Então caberá a Lewandowski encontrar um lugar nessa equação, ou as peças serão mexidas.
O protagonismo de Moraes, porém, vai além dos inquéritos que ele relata, e já esbarrou em Lewandowski antes mesmo da posse. Bastou vir a público a escolha do novo secretário nacional de Segurança Pública, Mário Luiz Sarrubbo, que Moraes foi mencionado.
Concluiu-se que Sarrubbo era indicação do ministro do Supremo pelo fato de os dois serem próximos há três décadas. Sem vocação para protagonista, Lewandowski não fez questão de alardear que também tem relações antigas com Sarrubbo e independentes de Moraes.
Os três vêm do meio jurídico paulistano, frequentam os mesmos gabinetes e circulam nos mesmos coquetéis.
Aluno e professor
O choque de estilos não é uma novidade na longeva relação entre Lewandowski e Moraes.
Tudo começou em 1986. Moraes tinha 17 anos e ingressou na graduação da Faculdade de Direito da USP, na turma ímpar do período diurno. Lewandowski, aos 37 anos e com doutorado concluído pela mesma universidade, era auxiliar do professor Dalmo Dallari na disciplina de Teoria Geral do Estado. Por substituir o titular inúmeras vezes em sala, Lewandowski deu aulas a Moraes ao longo daquele ano.
Depois, cada um seguiu o seu caminho.
Moraes se graduou, passou no concurso de promotor do Ministério Público de São Paulo e serviu em municípios do interior até voltar à capital. Fez doutorado e livre-docência na USP. E em 2002, aos 33 anos, foi nomeado secretário de Justiça do governo paulista.
Lewandowski foi conselheiro da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), presidente da Emplasa (Empresa Metropolitana de Planejamento da Grande São Paulo) e migrou da advocacia para a magistratura. Foi indicado pelo então governador Orestes Quércia ao extinto Tribunal de Alçada Criminal e depois promovido a desembargador no Tribunal de Justiça paulista. Concluiu a livre-docência pela USP e, em 2003, aos 55 anos, decidiu disputar na faculdade a vaga aberta de professor titular, o mais alto posto na carreira docente, na disciplina de Teoria Geral do Estado.
Era a mesma cadeira de Dalmo Dallari, seu mentor à época, que já tinha se aposentado. Lewandowski era o candidato favorito, pelo tempo de casa, currículo e articulação interna.
Mas na reta final apareceu um concorrente ávido. Alexandre de Moraes tinha 34 anos, e, apesar da carreira acadêmica mais curta e de ter sido aluno do candidato favorito, foi para a disputa. A atitude gerou ruídos, mas não deu frutos. Moraes ficou em quarto lugar na banca e Lewandowski, como esperado, foi aprovado.
Amigos em comum trataram de desanuviar o clima na faculdade, onde, a essa altura, ambos davam aulas, e o convívio ficou viável, embora escasso. Até que eles se reencontraram, quase quinze anos depois, em um ambiente absolutamente intenso.
Era 2016. O processo de impeachment da então presidente Dilma Rousseff tinha sido deflagrado, e calhou de Lewandowski ser, naquele tempo, o presidente do Supremo Tribunal Federal. Portanto, a tarefa de conduzir o processo contra Dilma no Senado Federal foi sua.
A população estava inflamada, Brasília pegava fogo. E Lewandowski fugia dos holofotes o quanto podia. Trocava festas e eventos agitados por jantares solitários em cantos de salão de restaurantes discretos.
Numa das sessões finais do processo, as galerias do Senado foram abertas ao público, e manifestantes como os hoje deputados federais Carla Zambelli (PL-SP) e Kim Kataguiri (União-SP) queriam estender faixas no mezanino do plenário contra a petista.
O chefe de segurança de Lewandowski entrou em parafuso. Deixava a manifestação correr livremente ou impunha restrições por precaução? Na dúvida, recorreu ao ministro. Lewandowski estava atribulado. “Eu cuido de 81 senadores, a Mesa Diretora, a presidente da República e o vice. Esse problema aí é contigo.” E esboçou um sorriso. “Ema, ema ema, cada um com seus problemas.”
Virou hit no gabinete. Toda vez que alguém aparecia com um pepino, a equipe de Lewandowski soltava: “Ema, ema, ema…”.
O perfil pouco personalista fez com que passasse sem grandes polêmicas pelo processo do impeachment. Senadores antipetistas, mesmo sabendo de sua ligação com Lula, que o havia indicado em 2006, viram nele um interlocutor confiável.
“Apesar de fazer oposição radical ao governo Lula, não posso deixar de reconhecer que tenho grande admiração pelo ministro Lewandowski”, disse o senador Ciro Nogueira (PP-PI), ex-chefe da Casa Civil de Bolsonaro. “No impeachment, ele cumpriu seu papel institucional. Não vou dizer que estava feliz com aquilo, mas mostrou sua grandeza de não tomar nenhuma medida que viesse a prejudicar o rito do processo democrático.”
Processo concluído, Dilma fora do Palácio do Planalto, o vice Michel Temer assumiu. Ato contínuo, convidou para o Ministério da Justiça o secretário linha-dura de Segurança Pública de São Paulo: Alexandre de Moraes. Ele ficou lá menos de um ano até ser indicado para o Supremo. Pôs a toga e encontrou seu velho conhecido Lewandowski no tribunal, em 2017.
A Lava Jato estava em curso, e as diferenças entre os dois voltaram a aparecer. Lewandowski mantinha posições garantistas, mesmo que fosse voto vencido e isolado em plenário. Moraes tinha uma tendência mais punitivista ao defender, por exemplo, a prisão após condenação em segunda instância —sem necessidade de aguardar o trânsito em julgado, como sustentado pelo colega e antigo professor.
Mas a Lava Jato foi se tornando mais e mais criticada pelos métodos heterodoxos que foram sendo revelados, e isso realinhou os astros em Brasília.
Com a eleição em 2018 e a posse de Jair Bolsonaro na Presidência, em 2019, o trabalho de juntar os divergentes foi facilitado -quem antes antagonizava com Lewandowski no Supremo agora estava do mesmo lado que ele contra os arroubos autoritários do presidente.
Quando chegou a eleição de 2022 a constelação era outra. Moraes era o presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), e Lewandowski, seu vice. Com o enfrentamento ao radicalismo bolsonarista, Moraes teve todos os holofotes voltados a ele, e Lewandowski quase não apareceu ao longo do processo eleitoral.
Numa entrevista que me concedeu em 2023, Lewandowski minimizou as diferenças entre os dois. “Não é uma questão de ser garantista ou punitivista, é, na verdade, o que um juiz precisa fazer é cumprir a lei. E, no nosso caso, cumprir a Constituição, a lei eleitoral e, de forma mais estrita possível. E eu acho que nós fizemos uma boa dupla.”
De fato não houve nenhum desentendimento público entre os dois no TSE, não durante as eleições.
Mas, no ano seguinte, silenciosamente, eles se desalinharam outra vez.
Moraes planejava pautar o julgamento de Bolsonaro por abuso de poder político no TSE em maio de 2023. Havia em plenário uma maioria formada para condenar o ex-presidente no caso da reunião com embaixadores no Palácio do Alvorada. Até que não havia mais: Lewandowski decidiu, sem combinar previamente com ninguém, antecipar sua aposentadoria para abril. A atitude abriria a vaga para o ministro Kássio Nunes Marques, indicado justamente por Bolsonaro e portanto com voto potencialmente favorável ao ex-presidente no julgamento.
Diante do novo cenário, adiou-se o caso até se formar uma nova composição de plenário que garantisse a condenação no TSE, o que ocorreu só no final de junho de 2023.
A saída de Lewandowski deu trabalho para o presidente do TSE, mas não foi de todo má. Moraes herdou o espaçoso apartamento funcional de Lewandowski em Brasília e o seu gabinete no Supremo Tribunal Federal
Agora é Lewandowski quem senta na cadeira que foi ocupada por Moraes no Ministério da Justiça. E vai precisar de bastante peso pra moldá-la à sua forma.