O governo israelense deu um prazo de 90 dias para que quase 40 mil migrantes africanos deixem o país, sob a ameaça de serem presos.
A medida, anunciada na terça-feira, é considerada controversa por organizações de direitos humanos e chama a atenção para o drama vivido, há quase uma década, por milhares de africanos não-judeus que entraram ilegalmente no país, em busca de asilo ou trabalho.
O plano de deportação do governo oferece passagem aérea e pagamento de US$ 3,5 mil (cerca de R$ 11,4 mil) para que eles saiam “voluntariamente” de Israel.
Os migrantes em questão – provenientes principalmente do Sudão e da Eritreia – têm a opção de retornar a seu país de origem ou se dirigir a “países terceiros” -identificados como Ruanda e Uganda por grupos de direitos humanos.
“Expulsamos cerca de 20 mil, e agora a missão é retirar o resto”, disse o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, que classifica a presença dos migrantes africanos como uma ameaça à identidade judaica.
Uma fonte do departamento de imigração de Israel informou à BBC que há atualmente cerca de 38 mil “infiltrados” em território israelense, sendo que 1,4 mil em centros de detenção.
Israel usa o termo “infiltrado” para se referir às pessoas que entraram no país sem cruzar oficialmente a fronteira.
Apesar do ultimato, o governo israelense afirma que a saída deles será humanizada e “voluntária”. E esclarece que a ordem não se aplica a crianças, idosos e vítimas de trabalho escravo ou tráfico de seres humanos.
“Depois do fim de março, aqueles que partirem voluntariamente receberão um pagamento significativamente menor e que encolherá cada vez mais, e medidas de aplicação da lei terão início”, explicou uma fonte do governo, referindo-se à prisão.
Falta de transparência
A agência de refugiados da Organização das Nações Unidas (ACNUR) e outros grupos de direitos humanos afirmam, no entanto, que o plano é controverso e viola leis internacionais e israelenses.
A ACNUR expressou recentemente “grande preocupação” com a segurança dos africanos deportados.
De acordo com a agência, a falta de transparência do governo dificulta o trabalho de monitoramento da implementação da política de deportação.
“Como parte da Convenção de Refugiados de 1951, Israel tem obrigações legais de proteger os refugiados e outras pessoas que precisam de proteção internacional”, afirmou Volker Türk, alto-comissário assistente da ONU para refugiados, em comunicado emitido pela agência em novembro.
Mas, conforme a BBC reportou em 2016, migrantes enviados para Ruanda e Uganda contam ter sido abandonados pelas autoridades israelenses assim que desceram do avião. Um deles se tornou vítima de tráfico humano, enquanto outro teve de se virar por conta própria sem documentos.
Um relatório de 2015 da organização Human Rights Watch mostrou, por sua vez, que, ao retornar para seu país de origem, muitos africanos enfrentaram tortura, detenção arbitrária e – no Sudão – acusações de traição por terem pisado em Israel.
O eritreu Teklit Michael, de 29 anos, que solicitou asilo em Israel, diz que a medida anunciada pelo governo é semelhante a “tráfico humano e contrabando”.
“Nós não sabemos o que nos espera (em Ruanda e Uganda)”, disse ele à agência de notícias Reuters por telefone.
“Eles preferem agora ficar na prisão (em Israel)”.
Asilo a conta-gotas
Grupos de direitos humanos acusam ainda Israel de lentidão para processar os pedidos de asilo.
Menos de 1% das solicitações realizadas até hoje foram atendidas, deixando a maior parte dos solicitantes no limbo, à espera de uma resposta.
Nos últimos anos, milhares foram deportados por meio de diferentes acordos. E muitos daqueles que permaneceram no país realizam trabalhos mal remunerados, desempenhando funções que muitos israelenses evitam.
Eles sofrem pressão de diferentes lados.
Em maio de 2017, por exemplo, foram implementadas novas regras fiscais, que obrigam o empregador a depositar parte do salário de funcionários migrantes africanos em um fundo, que o trabalhador só pode acessar se sair de Israel.
Nos últimos anos, foram noticiados ainda diversos casos de africanos agredidos por jovens israelenses – sendo que pelo menos um episódio terminou em morte.
Segundo Netanyahu, “residentes veteranos” – em uma referência aos israelenses – já não se sentem seguros diante da forte presença de migrantes africanos nos bairros mais pobres de Tel Aviv.
“Então, hoje, estamos cumprindo a nossa promessa de restaurar a calma, um senso de segurança pessoal e lei e ordem para os moradores do sul de Tel Aviv e em muitos outros bairros”, afirmou.
Em 2012, a ministra Miri Regev chegou a dizer que os migrantes africanos eram “um câncer”, afirmação que foi respaldada por 52% dos judeus israelenses, segundo o Índice de Paz, divulgado na época pelo Israel Democracy Institute (IDI ).
Como tudo começou
A maioria dos migrantes africanos chegou a Israel na segunda metade da década de 2000, atravessando a Península do Sinai, no Egito.
Para impedir o fluxo migratório, Israel concluiu em 2013 a construção de uma cerca de segurança de 245 quilômetros ao longo da fronteira com o Egito. Mas calcula que, antes disso, cerca de 55 mil pessoas tenham entrado no país.
A maior parte foi para Israel em busca de asilo, após fugir da perseguição e do conflito em seus países, mas as autoridades israelenses os tratam como migrantes “econômicos”.
O ultimato dado por Israel nesta semana é um desdobramento do “Programa de Partida Voluntária”, lançado pelo governo em dezembro de 2013.
O plano ganhou força nos últimos meses, quando o Supremo Tribunal de Justiça aprovou, no fim de agosto, a controversa política de deportação forçada de migrantes africanos para “países terceiros”, apesar do apelo de grupos de direitos humanos.
A decisão do tribunal prevê, no entanto, que as autoridades israelenses garantam que os países de destino dos migrantes sejam seguros. E limita em 60 dias o tempo de prisão para quem se recusar a deixar o país.
* A BBC usa o termo migrante para se referir a todas as pessoas em deslocamento que ainda não completaram o processo legal de reivindicação de asilo. Este grupo inclui aqueles que fogem de países devastados pela guerra, como a Síria, que provavelmente receberão o status de refugiados, assim como quem procura emprego e busca uma condição melhor de vida, mas que os governos costumam classificar como migrantes econômicos.