As rajadas de tiros registradas em um confronto entre integrantes dos grupos criminosos Comando Vermelho (CV) e Bonde do Maluco (BDM) no Engenho Velho de Brotas foram mais um capítulo da violência na capital baiana. Em vídeo que circulou nas redes sociais na noite de terça-feira (5), um homem narra: “Acabou Salvador, eu nunca vi isso”. O medo de quem registra à distância só não é maior do que o que sentem os moradores do bairro. Para eles, no entanto, a cena não é nova, já que o Engenho Velho é objeto de uma disputa histórica de facções. Em 2023, por exemplo, isso já se repetiu duas vezes, de acordo com o Instituto Fogo Cruzado.
Por lá neste ano, houve outros quatro tiroteios: um em ação policial, outro em um homicídio e dois que não tiveram a razão identificada pelo instituto. Um morador, que não se identifica, diz que a maioria dos casos tem o mesmo motivo: guerra entre traficantes pelo território. “Se tem tiro, a gente já imagina sempre que é uma facção brigando com a outra. Toda vez que eu ouço, pelo menos, é a primeira coisa que me vem à cabeça”, relata ele, que é nascido e criado no bairro. Outros moradores afirmam que os confrontos como o que houve na Vila Paraíso na noite de terça são históricos e se repetem ao longo do tempo.
A facção que permanece na área é o BDM, que tenta resistir a ataques de membros do CV, assim como ocorre na região do Alto das Pombas e do Calabar. A razão para os ataques, inclusive, seria semelhante ao que se tem na região da Federação, de acordo com o professor de estratégia e gestão pública Sandro Cabral, que atua no Insper e na Ufba e tem estudos na área de segurança. Ele aponta a geografia em que está inserido o Engenho Velho de Brotas como um atrativo que facilitaria as atividades criminosas das facções que, além do tráfico de drogas, são responsáveis por homicídios, sequestros, roubos a bancos e uma diversidade de outros crimes.
“A dinâmica é a mesma [do Alto das Pombas e do Calabar]. Você acaba tendo no Engenho Velho de Brotas uma geografia que permite o escoamento com as avenidas no entorno. Além disso, o território é formado por muitas vielas, ladeiras e becos, o que acaba sendo interessantes para os grupos criminosos. Mais uma vez tem uma questão da implicação econômica e também a implicação simbólica que a conquista de um território como esse representa para a consolidação do poder dessas facções”, explica Cabral.
Se na região da Federação, o destaque são os bairros ao redor que podem se converter em um mercado consumidor do CV, no Engenho Velho de Brotas as vias são o que mais chamam a atenção dos criminosos. Do bairro, as facções têm acesso a saídas para duas das principais avenidas da cidade: Ogunjá e Vasco da Gama, na região da divisa do bairro com a Federação e nas margens do Dique do Tororó. Nas duas vias, inclusive, há acesso rápido para a Avenida Bonocô.
As características que facilitariam a logística do crime são a razão de uma guerra que se arrasta há anos, como conta uma moradora que tem medo de se identificar. “Esse problema já é antigo, só mudou quem faz a guerra acontecer mesmo. Antes, era o CP [Comando da Paz] que atacava. Só trocou uma letra na sigla, mas o terror continua com os caras do Comando Vermelho que tentam entrar aqui. Ontem [terça-feira], vários deles estavam por aqui e novamente tentaram tomar a área, mas ainda não conseguiram”, falou ela.
O Comando da Paz, facção que fazia frente ao BDM, foi anexado pelo Comando Vermelho quando o grupo criminoso, que tem origem no Rio de Janeiro, chegou à Bahia. Por isso, os homens que invadem o bairro em 2023 podem ser os mesmos que fizeram ataques anos atrás antes da sigla da facção ‘trocar o P pelo V’.
No caso de terça-feira, moradores relataram que um membro do BDM foi morto depois de tentar se esconder na própria casa. Procurada pela reportagem, a Polícia Militar da Bahia confirmou a morte na localidade. “Policiais militares da 26ª CIPM e do Batalhão Gêmeos foram acionados na noite de terça-feira (5) para averiguar a denúncia de disparos de arma de fogo. […] Durante as incursões, foi encontrado o corpo de um homem, com marcas de tiros, em um imóvel situado no local”, diz a corporação, em nota.
O DPT foi acionado para a realização de perícia e a Polícia Civil investigará a autoria e a motivação. Ainda segundo a PM, o policiamento está reforçado na região com guarnições da 26ª CIPM, da Companhia Independente de Policiamento Tático (CIPT)/ Rondesp Atlântico e unidades de policiamento especializado. Tudo para evitar que os momentos de horror voltem a se repetir nas ruas do bairro.