Entre variantes e variáveis, volta do público aos estádios é dilema até entre infectologistas
A onda de liberação de público nos estádios Brasil afora permitiu à CBF e aos clubes, nesta terça-feira (28), anunciarem que as torcidas poderão voltar às arquibancadas na Série A do Brasileirão. Contudo, o jogo entre Bahia e Ceará, inicialmente marcado para o próximo sábado (2), teve de ser adiado, porque o governo baiano foi o único que não afrouxou tal medida até o momento. Com o avanço da variante delta da Covid-19 no estado, infectologistas apontam variáveis que geram uma série de dilemas até mesmo entre eles, especialistas na área.
“A gente planeja com base no que está acontecendo hoje. Eu não sei se a variante Mu, que está na Colômbia, de fato é resistente a anticorpos. Se for, um abraço, zera o jogo. A vacinação está perdida. A OMS ainda não bateu o martelo. Não podemos garantir que depois da Delta não teremos a Mu entre nós. Toda decisão é provisória até que se prove o contrário. Inclusive a de não fazer”, afirma o infectologista Adriano Oliveira, que concorda com a postura do governador Rui Costa de postergar a liberação.
“O governador está sendo prudente. Ele aventou a possibilidade há uma semana. Estávamos com 2 mil casos. Essa semana estamos com 2.700. Ele simplesmente vai dizer ‘agora dá para abrir’? Precisa de coerência. Eu entendo. Tem uma pressão, que é legítima, porque são pessoas que estão passando dificuldade. Eu sei que elas precisam, e eu sei que não ter o que comer também é uma forma de adoecimento, mas é preciso ser prudente”, completa.
Apesar do número de casos ativos ter aumentado de uma semana para outra, o índice de ocupação de leitos de UTI para pacientes Covid-19 em Salvador permanece estável – na casa dos 30%. Esse é um dos principais dados utilizados pelos governantes para tomar decisões durante a pandemia. Inclusive, o prefeito da capital baiana, Bruno Reis, acredita que “já há condição para retorno” do público aos estádios.
Nesta terça, diante de uma queda do número de casos ativos, Rui afirmou que pode afrouxar as restrições relacionadas aos estádios na próxima semana, mas voltou a destacar que somente os “totalmente vacinados” poderão frequentar as arquibancadas. Ou seja, com o esquema vacinal completo.
“Eu acho que é um momento oportuno, sim. Mas o trabalho que tem que ser feito é continuar medindo. Liberar jogo de futebol e ver se vai aumentar ou não. 30% é um número que nós [o Sistema de Saúde] temos capacidade de atender. É um momento que aspira a necessidade de afrouxamento de protocolos porque há necessidade de melhoria na educação, econômica, que é necessária para o equilíbrio do país”, opina o infectologista Igor Brandão.
Para Adriano Oliveira, por outro lado, não é momento de ter “coragem inocente”. “Quando a primeira-ministra da Nova Zelândia, Jacinda Ardern, tinha um caso na capital ela mandava fechar tudo. Lockdown. Acabou, não apareceu caso nenhum, abre de novo. Um governante de um país organizado não está preocupado se você vai morrer ou não. Está preocupado se você vai adoecer ou não. O governante brasileiro está preocupado se vai ter gente morrendo na porta do hospital. Porque isso tira voto. Se o cara morrer no leito hospitalar, ele vai dizer ‘fiz o que eu podia’. Como perde voto? Se acontecer o que aconteceu em Manaus (…) A gente tem que medir o número de casos, mesmo, não o de leitos”, pontua.
E OS PROTOCOLOS?
O governo da Bahia pretende liberar acesso aos estádios apenas para quem já está com o esquema vacinal completo, como dito acima. Nos outros estados, porém, pessoas que possuem apenas uma dose da vacina contra a Covid-19 estão sendo liberadas, desde que apresentem um teste PCR negativo, feito 48 horas antes do jogo, ou um teste de antígeno, realizado 24 horas antes. Além disso, em todos as unidades federativas, só será permitido torcida em uma capacidade reduzida do estádio, o uso de máscara será obrigatório e haverá fiscalização para o cumprimento do distanciamento social.
De acordo com Igor Brandão, “nenhum protocolo é perfeito”, mas o mais “ideal” é o proposto por Rui Costa. “É um protocolo que é conservador, um bom protocolo, mas mesmo com todas essas medidas, existe risco para quem vai para o estádio. É importante dizer isso. O governo faz o protocolo, fala ‘é seguro’. Isso não significa 100% seguro. Ele aumenta a segurança”, alerta.
O médico também afirma que pessoas maiores de 70 anos e/ou com comorbidades que podem agravar o quadro de Covid-19 devem optar por se manter longe dos estádios neste primeiro momento, caso a restrição venha a ser afrouxada.
Uma das principais brechas possíveis dentro desses protocolos, avalia Adriano, é o momento em que os torcedores não estão nas arquibancadas. “A chance de alguém tentar burlar o sistema é razoável. Isso aconteceu na final da Copa América, em que pessoas falsificaram exames. E qual vai ser o controle? Se botar 30% da lotação, tem como manter um distanciamento social, mas isso com o cara sentado. E nos corredores, nas filas, vai ser assim? São questões importantes que quem decidir liberar terá que se preocupar”, aponta, reforçando também que permitir o acesso ao espaço para quem só tem uma dose de vacina no braço não é uma medida prudente.
“A delta não respeita a dose única. Um estudo que foi feito na Inglaterra mostrou que dose única de Pfizer e Astrazeneca tem cobertura de no máximo 30% com a delta. Se for fazer abertura, como o prefeito fez, fazer evento-teste aceitando dose única, tem que ver qual é a mensagem que transmite para a sociedade. A gente está passando para o povo que dá pra relativizar as coisas. ‘Se com dose única eu fico bem, não preciso tomar a segunda dose’. A mensagem da prefeitura é você pode negligenciar. Com todo o respeito que tenho, e isso não tem nada a ver com ideal político, a prudência do governador me causa uma melhor impressão”, opinou.
O estudo a que se refere o infectologista foi publicado na revista New England Journal of Medicine, da Inglaterra, e aponta que os imunizantes da Pfizer, com 88%, e da AstraZeneca, com 67%, são eficazes contra a delta, mas só após a segunda dose. Com a primeira, a Pfizer atingiu 36%, e a AstraZeneca 30%. (BN)