‘Equador temia virar Venezuela e agora parece Colômbia dos anos 1980’
A violência era um dos temas da agenda eleitoral no Equador. Mas após o assassinato do candidato Fernando Villavicencio, nesta quarta-feira (9/8), ela dominou o debate de campanha rumo às eleições presidenciais de 20 de agosto.
Villavicencio foi morto a tiros após um comício em Quito, pouco antes de entrar em seu veículo.
A possibilidade do crime não aparecia em nenhum dos cenários eleitorais previstos por analistas, apesar do crescimento exponencial da violência e do discurso do próprio Villavicencio, que garantia que o país havia se tornado um “narcoestado”.
Villavicencio afirmou publicamente que recebera ameaças de morte de “grupos criminosos”.
“A franqueza de Villavicencio pisou nos calos de muitos envolvidos com o crime organizado e seus elos com o Estado”, afirma Luis Córdova, diretor do programa de Pesquisa, Ordem, Conflito e Violência da Universidade Central do México, em entrevista à BBC Mundo, o serviço em espanhol da BBC.
Ele descreve uma sequência lógica na escalada da violência.
Se em 2021 a taxa de homicídios era de 13 por 100.000 habitantes, em 2022 subiu para 22,6 e, pela tendência que o país apresenta, espera-se que em 2023 chegue a 40 por 100.000 habitantes.
O episódio desta quarta-feira, no entanto, não foi um homicídio comum e traz um recado.
“Esse assassinato é uma mensagem política da irregularidade, do medo”, diz Pedro Donoso, analista político e diretor-geral da consultoria Icare Inteligência Comunicacional.
Para Córdova, mostra “não só a influência do narcotráfico, mas das economias criminosas, muito mais diversificadas no país”.
‘Criminosos não operam sozinhos’
O assassinato de Villavicencio é o último de uma série de ataques contra políticos no país que, segundo Donoso, começou em 2020, com o assassinato de Patricio Mendoza, candidato às eleições legislativas do ano seguinte.
O ano de 2023 está sendo mais sangrento.
Em maio, Luis Chonillo, prefeito de Durán, sofreu um atentado. E, há apenas algumas semanas, o prefeito de Manta, Agustín Intriago, político mais bem avaliado do país e, segundo analistas, com grande potencial político futuro, também foi assassinado.
“Com o primeiro assassinato (de Patrício Mendoza), lembro de pensar que o país estava saindo do controle. Dizíamos que íamos virar a Venezuela e isso não vale mais, porque já somos a Colômbia dos anos 1980 e 1990”, diz Donoso.
O especialista se refere à mensagem recorrente de medo de alguns setores políticos de que o Equador possa acabar em uma crise tão profunda quanto a vivina na Venezuela há anos, algo que se repetiu em campanhas eleitorais em muitos outros países – incluindo o Brasil.
Segundo Donoso, a violência atual é mais ou menos semelhante à que a Colômbia experimentou por causa dos narcotráfico há 40 anos.
A situação no país escalou violentamente em 23 de julho, quando Intriago foi morto a tiros.
“Não demos ao assassinato do prefeito de Manta a importância política que merece. É o assassinato de um representante do Estado.”
O problema se estende por todo o país, principalmente na costa e na região de Guayaquil.
“Os criminosos não agem sozinhos, mas com a conivência de agentes de segurança de todos os níveis”, aponta Luis Córdova.
Para o especialista em segurança, o assassinato de Villavicencio é “o produto da guerra tola e vã contra as drogas, na qual a segurança pública continua militarizada, e narcotraficantes estão infiltrados nas forças de segurança do Estado, juízes, promotores…”.
Expansão do narcotráfico
A relevância crescente das quadrilhas criminosas associadas ao narcotráfico no Equador se deve a vários fatores.
Uma delas é a mudança na “geopolítica da cocaína” após os acordos de paz na Colômbia em 2016 que, junto à falta de uma política conjunta com o Equador a esse respeito, “fez com que a guerrilha e as FARC penetrassem no Equador”, diz Córdoba.
Para o analista, também influenciam a degradação institucional e policial no país. “A degradação do poder e a instrumentalização das forças de segurança do Estado facilitaram a criação de redes de extorsão para privilegiar certas organizações do narcotráfico em troca de informações”.
Entre 2013 e 2017, uma quadrilha conhecida como Los Choneros ganhou força no país.
Mas o assassinato de seu líder, Jorge Luis Zambrano González, vulgo “Rasquiña”, fez com que quadrilhas criminosas se fragmentassem, o que influenciou na expansão da violência.
“Outro motivo é a política de desinvestimento e desmonte do Estado, onde se reduz o orçamento das prisões, por exemplo, e isso aumenta a violência”, comenta Córdova.
“Estamos em um ecossistema homicida que facilita essa escalada de violência criminal. Não pode haver convivência pacífica na sociedade se os recursos estatais não forem usados para a inclusão”.
Por fim, ele aponta que atualmente existe “uma fórmula absurda na guerra contra as drogas e essas quadrilhas, mas os fluxos de dinheiro sujo que os narcotraficantes movimentam não são cortados. E se isso não for cortado, nada se resolve”.
Consequências na campanha eleitoral
Os especialistas concordam que ainda é cedo para saber como o assassinato de um dos candidatos afetará a campanha presidencial.
“Antes me perguntavam o que poderia fazer tudo mudar radicalmente e eu não tinha condições de visualizar um acontecimento como esse. Mas é sem dúvida um ponto de inflexão e as pesquisas feitas até agora se tornaram inúteis. Isso muda absolutamente tudo”, diz Donoso.
“A violência é um grande eleitor que não está nas urnas”, diz.
Até agora, pesquisas apontavam um alto índice de indecisos, 40%, que podem pender para um lado ou para o outro do espectro político dependendo dos últimos acontecimentos.
De acordo com as pesquisas realizadas até agora, no topo das intenções de voto aparece Luisa González (Movimiento Revolución Ciudadana), candidata do movimento liderado pelo ex-presidente Rafael Correa (2007-2017), seguida por Otto Shoneholzner, que foi vice-presidente no governo de Lenín Moreno, o candidato indígena Yaku Pérez, o finado Villavicencio, e o empresário Jan Topic.
“Um ato de violência como este em Quito, onde nunca ocorreram episódios neste nível, pode causar medo nas classes médias e fortalecer propostas ‘bukelistas’, porque pode posicionar no eleitorado a ideia de que um candidato linha dura deve ganhar a presidência”, diz Córdova.
O especialista faz alusão a Topic, um outsider nesta disputa que tem mantido um discurso centrado na insegurança ao estilo do presidente de El Salvador, Nayib Bukele.
Os analistas não são tão claros sobre como isso pode beneficiar ou prejudicar González.
“O Revolución Ciudadana é capaz de enquadrar habilmente em sua mensagem política a ideia de que ‘esta violência, conosco, no correísmo, nunca aconteceu’”, diz Donoso.
Mas ele também aponta outro cenário em que esse episódio pode prejudicá-los: “Fernando Villavicencio foi a voz mais radical do anticorreísmo”.
Luto
Para Donoso, há um claro desafio após este “episódio nefasto”: compreender a multidimensionalidade da violência no Equador no contexto da degradação da sociedade.
“O tecido social do Equador está quebrado e a violência é o caminho escolhido, porque o Estado não administra as tensões sociais. Isso permeia a violência.”
O presidente Guillermo Lasso decretou 3 dias de luto pelo assassinato de Villavicencio, mas manteve a data de 20 de agosto para as eleições.
Donoso aprova que a campanha não seja interrompida:
“A resposta do Estado não pode ser a paralisia. Isso não pode mudar o curso da democracia. Fazer isso é concordar com os violentos”.