Escritório de ministro do CGU defende empreiteira com a qual ele revê acordos de leniência

Do Estado de S. Paulo — O escritório de advocacia do ministro da Controladoria-Geral da União (CGU), Vinícius Marques de Carvalho, presta serviços para a Novonor, antiga Odebrecht, ao mesmo tempo em que o órgão do governo federal renegocia os acordos de leniência firmados no âmbito da Operação Lava Jato.

Neste ano, Vinícius já sentou na mesa com advogados da Novonor e de outras sete empreiteiras para rediscutir os acordos. Publicamente, o ministro tem dado declarações dizendo que os acordos não podem prejudicar as empresas financeiramente, argumento que favorece a defesa das companhias. O ministro diz que está licenciado do escritório desde que assumiu o cargo no governo no início de 2023 e evita atuar em situações que configurem conflito de interesse.

Batizado de VMCA Advogados, sigla com as iniciais do nome do ministro, o escritório atualmente é comandado pelas advogadas Marcela Mattiuzzo, esposa de Vinícius, e Ticiana Lima. Para indicar que se desvinculou da empresa, o ministro da CGU formalizou um pedido de licença da banca advocatícia no dia 10 de janeiro de 2023, logo após tomar posse como integrante do primeiro escalão do governo do presidente Lula (PT).

Vinícius Marques de Carvalho toma posso como ministro do CGU

No final de janeiro do mesmo ano, no entanto, Vinícius enviou à Comissão de Ética Pública (CEP) uma consulta. Perguntou se poderia seguir recebendo os dividendos do escritório – que tem uma carteira com mais de 130 clientes –, apesar de ter se licenciado.

Vinicius de Carvalho alegou que, apesar de afastado das atividades da banca, ainda é seu “sócio patrimonial”. Portanto, gostaria de receber o aval da Comissão de Ética para receber os lucros resultantes da atividade desenvolvida pela VCMA.

A CEP analisou o caso e considerou que não haveria problemas no recebimento dos dividendos pelo ministro, sem levar em conta que escritório está atuando para clientes junto ao governo. No caso da Novonor, a VCMA cuida de processo sobre acordo de leniência no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). A mesma Novonor também trata de leniência na CGU, mas ali, não há registro de atuação do escritório.

Procurado, o ministro da CGU afirmou, em nota ao Estadão, que desistiu de receber qualquer dinheiro do escritório enquanto estiver no serviço público, mesmo tendo consultado a CEP justamente para isso. Não esclareceu, no entanto, como os lucros do escritório estão sendo divididos atualmente. Ou seja, se sua parte está indo para sua esposa ou é mantida no caixa do escritório ou ainda repassada a outros advogados vinculados à banca.

A CGU é responsável pelo controle interno do Executivo

O VMCA Advogados atende empresas nacionais e internacionais, com faturamentos bilionários, em processos nas áreas de antitruste, compliance e regulamentação. Fundado em 2017, o escritório concentra sua atuação no Cade, órgão que foi presidido por Vinícius entre 2012 e 2016.

A banca tem sede em São Paulo, cidade de residência do ministro. Em março deste ano, foi inaugurada uma nova unidade em Brasília que, segundo o próprio escritório, terá como foco a consolidação da atuação em policy e advocacy, atendendo “clientes com demandas em autoridades na capital federal, em especial no Congresso”.

Um contrato com essas empresas chega facilmente à casa dos milhões de reais. Em novembro de 2017, por exemplo, os Correios pagaram R$ 400 mil ao VMCA para atuar num processo do Cade. No ano seguinte, a Eletrobras contratou o escritório por R$ 660 mil para “serviços de assessoramento jurídico”. Como ministro da CGU, Vinícius Marques de Carvalho recebe uma remuneração bruta mensal de R$ 44 mil.

O VMCA Advogados presta serviços para a Novonor há pelo menos seis anos. O Estadão teve acesso a seis procurações de substabelecimento assinadas entre julho de 2018 e abril de 2021 por representantes da construtora em favor do escritório, no âmbito de inquéritos e processos no Cade e no Ministério Público Federal (MPF). Ao assumir a Controladoria-Geral da União, em janeiro de 2023, após a posse de Lula, Vinícius de Carvalho, além de se licenciar do escritório, renunciou aos poderes que lhe foram outorgados pela empreiteira.

VMCA é especializado em concorrência, regulação econômica, tecnologia e compliance

O escritório, no entanto, segue atuando para a Novonor e outras empresas. A mais recente procuração diz que o VMCA pode, inclusive, negociar acordo de leniência ou termo de compromisso de cessação em favor da empresa perante o Cade e o Ministério Público.

No último dia 12 de março, advogados da Novonor e de mais sete construtoras (Andrade Gutierrez, Braskem, Camargo Correa, Coesa Engenharia, Engevix, OAS e UTC Participações) participaram de uma reunião na CGU para renegociar os acordos de leniência assinados na Lava Jato. A conversa durou cerca de duas horas. Os trabalhos foram abertos pelo ministro, que afirmou desejar que o acordo seja “bem-sucedido”. Em seguida, deixou o encontro, passando a ser representado pelo Secretário de Integridade, Marcelo Vianna.

Segundo dois participantes da reunião, os membros da CGU indicaram que as companhias vão poder usar o prejuízo fiscal para abater valores da multa a ser paga para a União nos acordos, conforme mostrou a Coluna do Estadão. Na prática, isso significa que empresas poderão usar crédito tributário existente para quitar parte da multa.

Representantes das empresas relataram também que sentiram grande disposição da Controladoria em encontrar uma fórmula de conciliação com as empreiteiras.

Renegociação atende pedido do Supremo Tribunal Federal (STF)

A renegociação atende pedido do Supremo Tribunal Federal (STF). Em 1º de fevereiro, o ministro Dias Toffoli reconheceu um pedido da Novonor, que afirma ter sido pressionada a fechar o acordo para garantir sua sobrevivência financeira e institucional, e suspendeu o pagamento da multa, estipulada originalmente em R$ 3,8 bilhões. “A declaração de vontade no acordo de leniência deve ser produto de uma escolha com liberdade”, escreveu.

Segundo estimativas das autoridades responsáveis pela negociação, homologada em 2016, o valor corrigido pela taxa Selic chega a R$ 8,5 bilhões no fim das parcelas. Depois disso, o ministro André Mendonça estabeleceu um prazo de 60 dias para revisar as leniências da Lava Jato.

Vinícius também tem dado declarações públicas que favorecem as empresas. Em entrevista ao jornal O Globo, publicada na quinta-feira, 4, o ministro da CGU afirmou que os acordos de leniência não devem ser usados para “deixar as empresas numa situação pior, gerar pedidos de recuperação judicial ou falência”. “Há empresas estrangeiras que se envolveram em corrupção, fizeram acordos em seus respectivos países e hoje estão fazendo obras no Brasil. E as empresas brasileiras com as dificuldades que vemos. A sociedade tem que fazer esse debate”, disse o ministro.

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