Estudantes denunciam sucateamento das residências universitárias da Ufba

Mofo, infiltração, buracos no teto e falta de móveis estão entre os problemas

Maysa Polcri

Cômodos da Residência Universitária 1 estão sem utilização por conta do mofo. Crédito: Marina Silva/CORREIO

Quando souberam que a Residência Universitária 1 da Universidade Federal da Bahia (Ufba) seria reformada, em 2019, estudantes que dependem da moradia para viver em Salvador comemoraram. Quatro anos depois, no entanto, a sensação é de abandono com o avanço da precariedade do local, onde moram, atualmente, 28 alunos. A obra seria realizada nos três pavimentos, mas ficou restrita ao térreo e nunca foi entregue oficialmente. Os moradores cobram melhorias estruturais e exigem que a casa seja tombada para que não ceda às pressões da especulação imobiliária.

Em uma das áreas mais nobres de Salvador, o Corredor da Vitória, faixas instaladas na frente de um casarão antigo chamam atenção. “Fim dos mofos nas casas” e “Reforma já” são alguns dos dizeres inscritos na fachada da primeira residência da Ufba, adquirida em 1951. Um ‘troféu’ foi instalado em frente à escada que dá acesso à casa. A frase escrita em uma placa de isopor explica: “prêmio sucateamento da assistência estudantil”.

Protestos dos estudantes da R1, no Corredor da Vitória. Crédito: Marina Silva/CORREIO

Dentro do imóvel, o mofo nos quartos adoece moradores, e buracos no forro de madeira molham o casarão quando chove. Janelas estão quebradas, a pintura da casa precisa ser refeita e há móveis abandonados no terreno. A situação se repete na unidade vizinha.

A menos de um quilômetro da R1, o casarão que abriga a Residência Universitária 2 (R2), no Largo da Vitória, sofre com infiltrações. Uma enorme mancha de mofo causa problemas respiratórios nos estudantes. Partes do teto cederam, e vigas estão à mostra em praticamente todos os cômodos. Móveis quebrados estão espalhados por quartos e aguardam recolhimento da universidade.

A infiltração e o mofo pioram nos períodos de chuva. Crédito: Marina Silva/CORREIO

“Logo acima da escada fica um reservatório de 4 mil litros de água, e pedaços do teto já caíram várias vezes, tanto que as vigas estão expostas. Dá medo que alguém seja atingido”, diz Kaico Damacena, 27, estudante de gastronomia e morador da casa desde 2016. A última vez que a R2 passou por reformas foi em 2013, como indica uma placa metálica instalada na entrada da residência.

Em março deste ano, funcionários da Superintendência de Meio Ambiente e Infraestrutura da Ufba (Sumai) elaboraram um relatório com as reformas mais urgentes. Os moradores também enviaram uma lista com as demandas cruciais, mas nenhum reparo foi feito desde então. “Já pedimos mil vezes que a Ufba venha resolver o problema de infiltração, mas temos um grande problema de comunicação porque não temos contato direto com eles”, denuncia Kaico.

Em nota (íntegra abaixo), a Ufba informou que reparos na R2 devem começar neste mês. “A Sumai prevê o início dos trabalhos na Residência 2, para o mês de novembro, quando serão realizados serviços de manutenção civil, elétrica e hidráulica, pintura, revisão hidráulica geral, verificação de infiltrações e revisão elétrica”, disse a universidade.

Assim como a primeira residência, a pintura da R2 está deteriorada. Crédito: Marina Silva/CORREIO

Mesmo a Residência Universitária Frederico Perez Rodrigues Lima, na Av. Garibaldi e inaugurada em 2012, amarga com problemas estruturais. O prédio é o único que foi construído com o propósito de abrigar estudantes e, durante a pandemia, recebeu um contingente de mais de 100 alunos. Com a intensificação de problemas respiratórios dos moradores, houve o congelamento de novas vagas.

“O problema de infiltração resultou em muito mofo e bolor, que geraram problemas de saúde para os residentes. Então optamos por não receber mais estudantes até que isso fosse resolvido”, explica Anna Ribeiro, 23, que mora na residência desde 2019. O prédio abriga, atualmente, 170 alunos. Em agosto, a Ufba deu início à reforma em duas alas de apartamentos, que deve ser finalizada neste mês. “Eles agiram rápido aqui, e nossa luta agora é para que a R1 e a R2 também sejam reformadas”, diz a estudante.

As residências da Ufba em Salvador são geridas pela Pró-Reitoria de Ações Afirmativas e Assistência Estudantil (Proae/Ufba). As vagas são destinadas a alunos em situação de vulnerabilidade socioeconômica, e o período de permanência é equivalente até ao tempo máximo do curso. Quem mora nas unidades precisa comprovar que não teria como permanecer na universidade sem a moradia gratuita no início de cada semestre letivo. Hoje, 288 alunos residem nesses espaços.

Esvaziamento

Na R1, no Corredor da Vitória, havia a expectativa de que os problemas fossem resolvidos com a reforma anunciada em 2019. A obra contemplaria os três andares, fachada e telhado, além das partes elétricas, hidráulicas e de cabeamento. Mas, há quatro anos, os alunos foram surpreendidos com a paralisação da reforma.

“Soubemos que o contrato foi judicializado pela empresa que ia realizar a obra. Por isso o serviço parou”, afirma a estudante Débora da Cruz, 24, integrante da Comissão de Infraestrutura da R1. Somente o térreo do casarão, que mais sofre com a umidade, teve o forro de gesso instalado e o piso modificado.

Além do casarão principal, o terreno que abriga a R1 também possui sete quartos geminados. Crédito: Marina Silva/ CORREIO

A primeira residência universitária da Ufba já chegou a abrigar 80 estudantes, mais do que o dobro da quantidade atual. Os problemas de infraestrutura refletem no esvaziamento da casa. “Deixamos de receber moradores novos em 2019 para poder garantir que a reforma fosse realizada sem precisar tirar ninguém da residência”, afirma Débora Cruz. Quando se deram conta que a obra não seria finalizada, os alunos voltaram a receber colegas e, neste ano, quatro pessoas entraram na casa.

Na Residência Universitária 2, apenas 11 das 30 vagas estão ocupadas. Por lá, os problemas de infiltração e falta de móveis impossibilitam a moradia em alguns cômodos. “Uma das nossas reivindicações é impedir a entrada de estudantes sem que seja oferecido o básico, como um colchão e espaço para estudar”, pontua Kaico Damacena.

Estudantes temem fechamento

A vegetação nativa de um terreno localizado na Av. Araújo Pinho, no Canela, quase é suficiente para esconder os estragos que o tempo e a falta de manutenção causaram no casarão que já abrigou a Residência Universitária 3. As condições precárias de moradia fizeram com que a Ufba transferisse os estudantes para dois imóveis alugados na R. Barão de Loreto, na Graça, em 2009. Desde então, nenhuma reforma foi realizada na antiga R3.

“Cada aluguel de um estudante na Graça custa cerca de R$ 2 mil, ou seja, têm pessoas lucrando com o sucateamento das residências universitárias enquanto que nenhuma reforma é realizada”, afirma Débora Cruz. Moradores da R1 e da R2 temem que o esvaziamento e os problemas de infraestrutura sejam motivos para que os terrenos que abrigam os casarões cedam à especulação imobiliária. Daí a reivindicação que os espaços sejam tombados como forma de proteção.

Questionada, a Ufba informou que após o fechamento da residência universitária do Canela (antiga R3), o Conselho Universitário autorizou a requalificação do imóvel para um centro cultural da Ufba, não mais retornando, portanto, a ser residência. “A reforma desta casa ainda não foi realizada, em função dos cortes orçamentários sofridos pela universidade”, pontua.

A atual situação das residências contrasta com o período em que recebiam estudantes de famílias abastadas do interior do estado. O casarão da R1 foi adquirido pela Ufba em 1951, na gestão do reitor Edgard Santos e era chamado de “Casa do Universitário”. Na época, apenas homens eram aceitos e a moradia não era gratuita. Quem quisesse espaço em um dos quartos precisava pagar 180 contos de réis por mês. A residência, que possui acesso ao mar na parte dos fundos, chegou a ter um píer e academia nos tempo áureos.

Um dos cômodos da R1 abriga os aparelhos de ginástica utilizados pelos antigos moradores. Crédito: Marina Silva/CORREIO

O que diz a Ufba

Entre outubro de 2022 e setembro de 2023, a Ufba investiu um montante de R$ 242.142,39 na Residência 1, localizada no Corredor da Vitória. Segundo a universidade, R$ 128.265,75 foram destinados para obras civis e hidráulicas, e R$ 113.876,64 para reparos elétricos. “Atualmente, a Sumai está trabalhando no restaurante da R1 e permanecerá na unidade executando os serviços necessários”, informa.

A Ufba não respondeu aos questionamentos da reportagem sobre a paralisação da obra na R1, em 2019, mas culpou os cortes orçamentários recentes pelos problemas enfrentados nas residências. “Temos, principalmente, a perspectiva de um horizonte mais favorável às instituições federais de ensino, para os próximos anos, o que permitirá a conclusão de obras inacabadas e a retomada de investimentos na infraestrutura, para continuar realizando pesquisa, ensino, extensão e assistência estudantil”, afirma.

Confira a íntegra do posicionamento da universidade:

Em resposta às questões levantadas, a Universidade Federal da Bahia informa que:

A Superintendência de Manutenção e Meio Ambiente da UFBA (Sumai) mantém serviços regulares na Residência Universitária 1. De outubro de 2022 e setembro de 2023, foi investido na R1 um total de R$242.142,39, sendo S128.265,75 em obras civis e hidráulicas, e $113.876,64 em elétrica. Estes valores significam que o primeiro andar da residência está em perfeitas condições de uso. Atualmente, a Sumai está trabalhando no restaurante da R1e permanecerá na unidade executando os serviços necessários.

A UFBA tem, atualmente, 288 residentes, sendo 28 destes na Residência da Vitória (R1). Todos recebem um auxílio alimentação, para o café da manhã e ceia. O almoço e jantar é feito no Restaurante Universitário de Ondina ou em um dos pontos de distribuição (Canela e São Lázaro).

A Sumai prevê o início dos trabalhos na Residência 2, para o mês de novembro, quando serão realizados serviços de manutenção civil, elétrica e hidráulica, pintura, revisão hidráulica geral, verificação de infiltrações e revisão elétrica.

Em 2011, após o fechamento da residência universitária do Canela (antiga R3), o Conselho Universitário da UFBA autorizou a requalificação do imóvel para um centro cultural da UFBA, não mais retornando, portanto, a ser residência. Para tal, foram concluídas as obras da residência universitária de Ondina, prédio planejado especificamente para esse fim. A reforma desta casa ainda não foi realizada, em função dos cortes orçamentários sofridos pela universidade.

A propósito, lembramos que após anos de defasagem orçamentária, que impuseram à UFBA, em 2022, um dos mais adversos cenários orçamentários de sua história recente, com a menor disponibilidade de recursos desde o ano de 2014, o orçamento de 2023 já permitiu algum equilíbrio. Temos, principalmente, a perspectiva de um horizonte mais favorável às instituições federais de ensino, para os próximos anos, o que permitirá a conclusão de obras inacabadas e a retomada de investimentos na infraestrutura, para continuar realizando pesquisa, ensino, extensão e assistência estudantil com a qualidade que historicamente distingue a Universidade Federal da Bahia.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *