A vocação para a fruticultura na Bahia é maior do que a limitação de 85,6% do território situado na região de clima semiárido. Seleção de variedades resistentes, produtivas e saborosas, bem como estudos sobre sistemas de produção econômicos são algumas das atribuições das pesquisas, balizadas principalmente pela Embrapa Mandioca e Fruticultura, sediada em Cruz das Almas, e a Embrapa Semiárido, com sede em Petrolina (PE).
De acordo com a pesquisadora-chefe geral da Embrapa Semiárido, Maria Auxiliadora Coêlho de Lima, o trabalho da equipe está focado em diversas cadeias produtivas dos estados com ocorrência de muito calor e pouca precipitação pluviométrica, e tem três pilares principais: agropecuária dependente de chuva; agricultura irrigada; e recursos naturais.
A unidade da Embrapa completa 50 anos em 2025 e conta atualmente com 65 profissionais de diversas áreas técnicas. A expectativa da gestora é aumentar este número com o próximo concurso federal para 90 pesquisadores e reforçar a atuação nas variadas frentes de estudos para consolidar as iniciativas de convivência da população com o clima seco.
As principais culturas trabalhadas na região são manga e uva irrigadas para o mercado nacional e internacional. Vale destacar que, ao aproveitar as chuvas concentradas entre novembro e abril, bem como temperaturas altas a maior parte do ano, os fruticultores conseguem programar as floradas e o tempo de colheita, favorecendo a oferta das frutas frescas nos 12 meses do ano.
Entre os principais desafios, Auxiliadora destacou a necessidade de adaptação dos sistemas produtivos para as mudanças climáticas no planeta, notadamente nesta região que é mais vulnerável e tem locais que já caminham para uma classificação de terras áridas. “Com essas limitações, precisamos reduzir riscos de perda de safras”, diz.
Para a pesquisadora-chefe, os estudos devem aprofundar os conhecimentos sobre o bioma caatinga, “que tem uma riqueza fantástica no ambiente semiárido, com plantas que toleram a escassez hídrica e altas temperaturas através de uma genética específica”, avaliou. Ela acrescentou que a Embrapa e outras instituições conduzem os trabalhos neste sentido.
Demandas mundiais
Também a equipe de pesquisadores da Embrapa Mandioca e Fruticultura, única unidade da Embrapa com sede na Bahia, tem como grande desafio acompanhar as demandas mundiais de maior produção com menor impacto, atendendo os anseios da sociedade através da pesquisa. Atualmente há 63 pesquisadores ativos e, conforme o chefe-adjunto de Pesquisa e Desenvolvimento, Eduardo Chumbinho de Andrade, a expectativa é reforçar a equipe com o próximo concurso.
A unidade de Cruz das Almas como Embrapa foi criada em junho de 1975. Antes, o local abrigou o Instituto Agronômico do Leste (IAL), construído na década de 1950. Foi também denominado Instituto de Pesquisa e Experimentação Agropecuária do Leste (Ipeal), com foco principalmente na cultura de citros.
Nas últimas décadas, na área das frutas, as atenções também estão voltadas para as culturas de mamão, abacaxi, banana e maracujá. Com participação de produtores e outras instituições, a atuação se dá através de Núcleos Tecnológicos abrangendo os locais de produção. Recentemente, as frutas acerola, goiaba e manga foram incorporados nas pesquisas para produção orgânica.
Segundo Andrade, são pesquisadas especificamente variedades e sistemas de produção, priorizando os maiores entraves de cada cultura. Ele explicou que, neste contexto, “são elaborados planos estratégicos de trabalho para impactar positivamente toda a cadeia”.
“Temos também situações transversais”, disse, citado como exemplo a produção de fruteiras orgânicas, as pesquisas de insumos e o manejo para estresse hídrico, doenças e pragas. “Cada cultura tem suas equipes específicas”, ressaltou, pontuando que outro trabalho importante está voltado para a área da agricultura digital, com desenvolvimento de aplicativos que facilitam o acesso às informações técnicas por parte dos produtores.
Agroecológicas da Chapada
Presidente da Cooperativa dos Produtores Rurais da Chapada Diamantina (Coopchapada), Cristiano Sousa Rocha mora na zona rural de Mucugê. É produtor de morango há nove anos e de amora, há dois. As duas frutas têm grande procura para consumo in natura e congeladas, bem como em forma de geleias, licores e doces.
Cristiano é um dos 67 produtores familiares associados da cooperativa, organização que atua em defesa do grupo, tanto na promoção de oficinas e cursos quanto no incentivo às pesquisas e na comercialização. Além das frutas citadas, também produzem maracujá, framboesa, mirtilo, tomate, dentre outras culturas.
A produção do grupo se baseia nos modelos agroecológicos, com tratos culturais diferenciados e livres de agroquímicos. Cristiano lembrou que a altitude da região proporciona, em geral, um clima mais ameno, o que é salutar para a cultura. Além de trabalhar com variedades selecionadas, Cristiano citou que os produtores foram capacitados, tiveram assistência técnica e receberam apoio para a implantação de uma unidade de beneficiamento e equipamentos para preparar e embalar os frutos para comercialização.
Através da organização dos fruticultores de Boninal, Ibicoara e Mucugê, a cooperativa tem participado nos últimos anos de exposições e feiras da agricultura familiar, tanto na região da Chapada Diamantina quanto em Salvador e Feira de Santana.
“Não falta mercado”, afirmou, salientando que além da capital e outras grandes cidades da Bahia, “como Feira, Barreiras e Luís Eduardo Magalhães”, eles também vendem para outros estados do Nordeste, como Rio Grande do Norte, Pernambuco e Paraíba. Entretanto, ele ressaltou que nos últimos anos o clima mais quente tem afetado a produção, que é toda irrigada através da água dos rios como o Paraguaçu e seus afluentes, bem como de poços artesianos.
“Tivemos uma redução da produção, mas está voltando à normalidade”, ponderou, asseverando a importância do aprimoramento dos tratos culturais para reforçar a produtividade.
Olhar especial para práticas sustentáveis na produção
As pesquisas desenvolvidas têm um olhar especial para a sustentabilidade do planeta e o aumento da produção de alimentos diante da crescente população mundial e da limitação de espaços disponíveis para implantação das lavouras. Dos 417 municípios baianos, 283 fazem parte da região de clima semiárido, onde a produção tem suas peculiaridades e a pesquisa tem sido fundamental.
Dentre as tecnologias desenvolvidas pelas equipes da Embrapa Semiárido estão os sistemas voltados para a produção de mangas, para além da seleção de cultivares mais adaptadas e de melhores resultados. O trabalho envolve o aprimoramento dos sistemas de produção, com uso de tecnologias modernas que favorecem a economia de água, bem como a nutrição adequada, manejo da copa, colheita e pós-colheita.
Outra cultura com destaque nas pesquisas da Embrapa Semiárido é a uva, com adaptação de variedades às condições de clima e solo, recomendações para manejo, de controle de pragas e doenças, bem como o pós-colheita e processamento para a comercialização. A unidade é uma das principais articuladoras do programa de Produção Integrada (PI) para as culturas da manga, uva e melão, as três mais produzidas no Sub Médio São Francisco.
Já a banana é uma das frutas pesquisadas pela Embrapa Mandioca e Fruticultura, com principal polo produtivo na região do Médio São Francisco, em Bom Jesus da Lapa e no Vale do Rio Grande, entre Barreiras e Riachão das Neves. Dentre outras ações, as pesquisas desenvolveram e continuam trabalhando com cultivares resistentes às principais doenças, como a chamada de Mal do Panamá.
O abacaxi, que no estado tem a sua maior produção na região de Itaberaba, na Chapada Diamantina, há décadas merece atenção dos pesquisadores para chegar aos melhores sistemas de cultivo. Também há grande busca por variedades resistentes ao fungo que causa a fusariose para reduzir as perdas na lavoura e o uso de fungicidas, impactando no meio ambiente.
A citricultura, foco das primeiras pesquisas realizadas com os estudiosos na unidade de Cruz das Almas, continua a receber a atenção da equipe. Para chegar a cultivares resistentes e de alto valor comercial, o trabalho se volta a novos porta-enxertos e variedades que tenham plantas vigorosas, notadamente para laranjas e limões.
O trabalho conjunto entre os principais elos da cadeia da fruticultura valoriza as aptidões regionais e chama atenção para a atuação baiana e brasileira no cenário mundial.
“Temos a necessidade de trabalhar o conceito de descarbonização, com modelos que tenham práticas de produção de carbono neutro e sistemas que consigam acumular carbono. Essa demanda vale para todos, em irrigação ou não”, pontua a pesquisadora-chefe da Embrapa Semiárido, Maria Auxiliadora Coêlho de Lima.