Como primeira capital do Brasil e uma das cidades de maior notoriedade histórica no país, não é muito difícil mergulhar no passado de Salvador — seja em museus, arquivos ou mesmo pela internet, a cidade tem uma boa dose de fontes para quem quer se aprofundar nos seus quase 500 anos de história. Pois ao longo dos próximos meses, quem estiver na capital baiana, poderá dar um passeio por suas metamorfoses a partir de elementos um tanto inesperados: cartões postais.
Essa é a proposta da exposição Salvador em Postais, em exibição no Museu Carlos Costa Pinto, no Corredor da Vitória, até o início do mês de novembro.
Com entrada gratuita, a mostra reúne cerca de 300 postais que resgatam quase um século inteiro de mudanças e cenários soteropolitanos, cobrindo desde os primórdios do século XX até a década de 1970. Dentre as fotografias contidas nos postais, destacam-se obras de artistas como Pierre Verger, Rodolpho Lindemann e J. Mello.
Por trás da exposição, destacam-se dois nomes: o administrador de imóveis Marcos Sampaio, dono da coleção com mais de 2 mil postais que originou a mostra, e o historiador Javier Angonoa, curador que teve a árdua tarefa de selecionar, entre os milhares de itens disponíveis, aqueles que seriam de fato exibidos ao público.
“Escolher apenas 300 cartões postais entre 2 mil não foi tarefa fácil, porém na diagramação da exposição eu já tinha uma visão de como queria apresentar o trabalho”, conta Javier.
“A mostra está dividida por áreas, como Campo Grande e Vitória; Mercês, Piedade e Dois de Julho; São Bento e Praça Castro Alves, entre outras. A grande maioria dos postais é dos primeiros anos do século XX, inclusive com fotografias do século XIX”, complementa o curador, que destaca a importância da exposição para soteropolitanos — de nascença ou de coração — de todas as idades.
“Eu sou formado em História e sou apaixonado por Salvador”, conta Javier. “Quando meu amigo Marcos me mostrou a coleção e me contou sobre a história de vários locais ali retratados que já não existem mais, então pensei que isso devia ser divulgado, que Salvador devia ter resgatada parte de sua memória através desses retângulos de história, que as gerações mais jovens devem conhecer o passado arquitetônico e cultural da cidade, e os mais idosos podem lembrar de como era a ‘Cidade Mágica’, continua.
Javier, que nasceu na Argentina, explica que seu olhar de estrangeiro também influenciou na iniciativa de montar a exposição e na seleção dos postais.
“Eu conheci Salvador em 1998, numa viagem de turismo, e me fascinou o lugar e suas pessoas. Em 2001 já estava morando na cidade. O olhar sempre foi de respeito e admiração pela rica cultura baiana, porém com a tristeza de ver como os prédios vão se deteriorando com o tempo e a especulação imobiliária, como o acervo histórico se perde para sempre por descaso de autoridades e falta de iniciativa privada”, opina o curador.
“Se pensamos que a Salvador colonial foi uma cidade planejada e hoje vemos o crescimento sem controle, sem plano urbanístico, acredito que temos que rever nosso passado para poder planejar o futuro. Mostrar que Salvador tinha há cem anos prédios comparáveis com as maiores cidades europeias e hoje a maioria foi demolida ou está oculta por outros empreendimentos é mostrar para as novas gerações que Salvador teve um passado arquitetonicamente glorioso, que deve ser trazido para o presente”, conclui.
Memória afetiva
Marcos, por sua vez, explica que a coleção de postais foi iniciada por seu pai, quase nove décadas atrás. “Ele nasceu em Itabuna, em 1916, e começou a colecionar os postais aos 19 anos”, conta o dono da coleção. “Em 1951, ele começou a trabalhar na capital, no setor de moedas estrangeiras do Banco do Brasil, e passou a pedir aos clientes que fossem à Europa ou a qualquer outro lugar que trouxessem postais de Salvador. Isso foi se acumulando até chegarmos a quase 2,3 mil postais”, completa Marcos, notando que seu pai lhe repassou a coleção antes de falecer, em 1999.
O administrador não esconde sua preferência entre a montanha de cartões postais reunidos por seu pai ao longo de tantas décadas. “Os que eu mais gosto são os postais da Barra, porque houve aquela transformação urbana demasiada, foram destruídos todos aqueles casarões antigos”, afirma Marcos. “E também os do Corredor da Vitória, porque foram derrubados quase todos os palacetes da época”.
Javier, por sua vez, também destaca alguns itens favoritos entre aqueles selecionados para a exposição, como um postal, o mais antigo da coleção, que retrata o Desfile Cívico-Militar do Campo Grande em 1901. Também são notáveis, de acordo com ele, três cartões postais de diferentes épocas que comparam as modificações do Palácio dos Governadores (atual Palácio Rio Branco) ao longo das décadas – o prédio, na Praça Municipal, foi reconstruído após o bombardeio ordenado pelo presidente Hermes da Fonseca, em 1912.
O curador, por fim, nota também as representações culturais e sociais contidas em alguns dos itens em exibição. “As fotografias que retratam as pessoas, todas negras, e seus trabalhos, no final do século XIX e princípios do século XX”, destaca Javier. “Embora sejam vistas como exotismos, implicitamente estavam ‘exportando cultura’, mostrando uma realidade diferente, inclusive respeitosa, das ‘crioulas’ e ganhadeiras, com seus trajes e joias”, afirma.
Com realização da ONG Motirô BA e patrocínio da Secretaria de Cultura de Salvador (SECULT), a exposição Salvador em Postais pode ser visitada gratuitamente às segundas, quartas e sextas, das 14h30 às 18h, no Museu Carlos Costa Pinto. A mostra segue no espaço até o próximo dia 11 de novembro.