Familiares de pacientes são alvos de golpe em hospitais

Anderson Sotero

  • Hospital da Bahia lançou panfleto onde avisa familiares de pacientes sobre extorsão e dá dicas para - Foto: Luciano da Matta | Ag. A TARDE

    Hospital da Bahia lançou panfleto onde avisa familiares de pacientes sobre extorsão e dá dicas para

O telefone da assistente social Sandra* tocou logo após ela ter saído do Hospital da Bahia, onde a mãe está internada na UTI. O número estava privado. Ao atender, um homem se identificou como médico, relatou o caso da paciente e disse: “Ela precisa fazer exames extras de imagens”.

Sandra estranhou. Desconfiou que poderia ser um golpe e disse que voltaria para o hospital. Ele respondeu que não seria necessário, que tudo seria feito por telefone. Mas a ligação só terminou quando Sandra afirmou: “Estou passando pela frente da 16ª Delegacia de Polícia da Pituba. Vou parar e pedir para rastrear o seu número. Depois, a gente continua a conversa”. Ele desligou o telefone.

Casos assim, em que um falso médico procura familiares de pacientes e pede pagamentos por serviços extras, como exames, têm ocorrido em todo o país. Em Salvador, hospitais da rede privada – como Português, da Bahia, Santo Amaro, Aliança e São Rafael – publicaram um alerta nos respectivos sites.

Somente no Português, único hospital que informou quantitativo, foram registradas 12 ocorrências, nos últimos 12 meses.

No caso citado acima, o rapaz se identificou como “dr. Rodrigo Oliveira” e perguntou à assistente social se ela era parente da paciente. Ele se disse cardiologista e detalhou o quadro clínico: “Ela está com um quadro de infecção pulmonar, com coágulos. A senhora não é a responsável pelo convênio médico dela? Podemos resolver tudo por telefone”.

O episódio ocorreu no último 26 de agosto, e Sandra suspeita que o sistema foi hackeado ou que houve participação de alguém do hospital. “Ele não pediu para eu depositar algum dinheiro porque não lhe dei tempo para isto. Fiquei espantada como eles tinham tanta informação”, ressaltou a assistente social, que não registrou a tentativa de estelionato na polícia.

O Hospital da Bahia já havia divulgado, em folders, dicas para que as pessoas não se tornem vítimas. “A orientação é que elas não aceitem qualquer tipo de oferta feita por telefone e jamais faça depósito sem antes checar com o hospital”, destaca, no panfleto.

Eles costumam pedir dinheiro para honorários médicos, depósito para agilizar procedimentos de urgência, para descontos em medicamentos caros e pagamento de exames não liberados pelo plano, com promessa de posterior ressarcimento.

Coordenadora do serviço de psicologia do Hospital da Bahia, Karine Sepúlveda contou que os criminosos exigiam pagamentos de R$ 1,5 mil a R$ 3,5 mil. Por conta da prática, o hospital passou a entregar, na admissão do paciente, um documento onde ressalta que não realiza tratativas por telefone nem pede depósito, além de fazer um acompanhamento das vítimas.

Sobre os dados que os criminosos utilizam para tentar convencer familiares, a psicóloga disse que “há uma malha muito grande por onde passam essas informações dos pacientes”. “Os dados são os convênios e hospitais que têm. A gente não sabe de onde está partindo essa fragilidade”, disse.

Hospitais da rede privada publicaram um alerta nos respectivos sites (Image: Reprodução)

A TARDE procurou a Associação Brasileira de Planos de Saúde, mas não obteve resposta.

Dados

A Associação de Hospitais e Serviços de Saúde do Estado da Bahia (Ahseb) não tem dados de quantos casos já ocorreram, mas informou que hospitais têm levado as ocorrências à polícia.

A família da administradora Laura Lima, 31, também foi vítima. O caso ocorreu em junho deste ano, mas eles também não registraram na polícia. O sogro dela estava em casa e recebeu uma ligação no telefone fixo. Um homem disse que era médico e pediu que ele depositasse R$ 2 mil na conta de uma mulher.

O valor seria utilizado para fazer um procedimento que o plano não cobriria. “Minha sogra estava internada no Hospital Português. Meu sogro chegou a juntar o dinheiro, mas, ao falar com minha cunhada, ela achou melhor ligar para o hospital, que negou”, destacou.

O DDD do número que ligou era de Goiás. “Os golpistas tinham todas as informações, como nome completo, onde minha sogra estava, o plano de saúde. Falaram que ela precisava de uma cirurgia de urgência, o que coincidia com o estado de saúde dela”.

Ao chegar ao hospital, a família dela se deparou com outra que já havia feito um depósito no valor de R$ 3 mil. “Eles estavam desesperados”, contou.

* nome fictício

Registro de casos é necessário para iniciar investigação policial

O registro de casos em uma delegacia é importante, segundo o titular da unidade de Repressão ao Estelionato e Outras Fraudes (Dreof), Marcelo Tannus, para que se possa dar início à investigação. Embora combata este tipo de crime, a Dreof não tem qualquer ocorrência atualmente sobre estelionato em hospitais porque não faz novas ocorrências.

Por tempo indeterminado, a unidade trabalhará apenas em regime de mutirão para reduzir um passivo de inquéritos. As ocorrências devem ser feitas nas delegacias de bairro.

Tannus ressalta que é preciso cautela. A vítima deve, antes de fazer qualquer depósito, procurar a direção do hospital, o plano de saúde ou os médicos da unidade hospitalar. “Nunca, de imediato,  desesperar-se e ir pagar. O paciente que está internado no hospital está com assistência”, afirma.

Os casos recentes em hospitais são, ressalta o delegado, semelhantes a outras ocorrências de estelionato, como uma ligação simulando um falso sequestro ou bilhete premiado. Muitas dessas ligações são feitas de dentro de presídios, diz Tannus. “Às vezes, a própria vítima dá dicas. O homem diz ‘estou com sua filha’ e ela diz o nome”, exemplifica.

Assim como o delegado, o conselheiro do Cremeb-BA José Abelardo Meneses reforça a necessidade de se certificar da validade da ligação: “As pessoas que fazem o golpe são bem treinadas para criar um clima de desespero para o familiar, mas é importante saber que o paciente internado está sendo assistido”.

Comunicação

Presidente da Associação de Hospitais e Serviços de Saúde do Estado da Bahia (Ahseb), Mauro Adan afirma que os hospitais associados têm reforçado a comunicação com os clientes de que não solicitam qualquer verba por telefone à família.

“Esse procedimento é feito com o convênio médico, que é, praticamente, 95% dos casos de pacientes internados. Nos particulares, não é feita cobrança por um único procedimento. É feito de forma global, ou em contas parciais”, destaca Adan.

Sobre os criminosos obterem informações restritas dos pacientes e contatos das famílias, o presidente da Ahseb afirma que “não sabemos se eles conhecem  o quadro ou se inventam”. “Tem que ser fruto de uma investigação policial, que é o que vai nos dizer o que está acontecendo. Por enquanto, tudo é mera especulação”, diz.

Em todos os casos que chegaram à associação, segundo Adan, não houve depósito por parte de familiares: “Foram só tentativas, o que já é muito desagradável”.

Fonte: A Tarde

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