Fernando Figueira 100 anos: o homem, o médico e o mestre

Crianças e famílias pobres eram o ponto central da atenção de Figueira

Crianças e famílias pobres eram o ponto central da atenção de FigueiraFoto: Museu Imip

Determinação: o passo da realização

Em 4 de fevereiro de 1919, na rua da Fonte, Figueira da Foz, Portugal, nasce Fernando Jorge Simão dos Santos Figueira, filho de Joaquim Figueira e Maria Alice Pedrosa dos Santos Figueira. Em abril do mesmo ano, a família muda-se para o Recife. Na infância, Fernando e a família dividem-se entre a Capital e a cidade de Garanhuns, no Agreste, onde ele conclui o Ensino Médio. Aos 16 anos, presta exames e ingressa na Faculdade de Medicina do Recife, atual Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Aos 21 forma-se médico, sendo um dos mais jovens de sua turma. Isso era só o começo da carreira meteórica do então rapaz, que escolheu a população pobre como ponto nevrálgico do cuidado em saúde, muito antes de o SUS existir.

“O exercício da medicina não deve se subordinar à crueza das leis econômicas. Deve ser regido pelas necessidades sociais de um povo em determinado momento histórico”, Fernando Figueira.

Determinado.” É assim que a maioria das pessoas que conviveram mais intimamente com o doutor Fernando o descrevem. Este também é o principal adjetivo dado pela viúva dele, dona Nancy Figueira, 86 anos, com quem viveu quase 50 anos e teve oito dos nove filhos. “Era sua marca. Quando queria fazer uma coisa, tinha que fazer de todo jeito, doesse em quem doesse”, disse, com ar nostálgico. Entre risos, relembrou que essa foi, inclusive, sua primeira impressão daquele homem 14 anos mais velho que, num piscar de olhos, tornou-se seu marido depois de conhecê-lo no parto da irmã, em São Paulo. Na capital paulista, Figueira atuou no início da carreira. “A gente se conheceu no ato médico. Conheci Fernando em julho e casei em outubro. Tudo com ele era ligeiro. Assim que ele chegou em casa disse à sua funcionária Rosa: “Agora eu me caso’”, divertiu-se Nancy.

No ano seguinte ao matrimônio, decidiu retornar ao Recife com a esposa e o primeiro filho, depois de proposta para abertura de um consultório particular de pediatria. Inquieto e estudioso, em 1958 foi aprovado no concurso para livre docência de puericultura e clínica da 1ª infância e começa a lecionar no Hospital Pedro II. Foi ali que seria plantado o sonho de criar um modelo voltado exclusivamente para as crianças pobres. “Naquele tempo, a criança era atendida junto com o adulto, não tinha seu espaço. O professor Fernando Figueira começou a fazer esse serviço de pediatria com local específico no Pedro II, com uma pequena enfermaria. Depois, começou a construção do Imip, em 1960”, relembrou João Guilherme Alves, atual diretor de Ensino do Imip, e antigo aluno de Figueira.

Imip: o divisor da história

Inaugurado como Instituto de Medicina Infantil de Pernambuco, erguido numa área central da cidade rodeada de população vulnerável, o espaço era a menina dos olhos de Fernando Figueira. Ali estava materializada a salvação para um martírio que o acompanhava desde a época de recém-formado. “Ele dizia que enquanto houvesse uma criança ameaçada de perder seu bem maior, a vida, havia de se encontrar nele um homem torturado. Ele era um homem torturado nessa ânsia de oferecer às crianças tratamento, medicamento, condições de assistência que evitassem mortes precoces”, contou a atual presidente do ImipSilvia Rissin.

“Conscientemente ou não, o homem somente se realiza plenamente, quando se esquece de sua individualidade, se eleva e se projeta como parte integrante do imenso corpo social ao qual pertence”, Fernando Figueira.

Ela, assim como tantos outros profissionais da saúde, foi fisgada pelo professor que, ao longo dos 59 anos da instituição, amealhou um exército de médicos, enfermeiros, técnicos em prol da medicina social batalhada por ele. “A gente costuma dizer que quem foi contaminado pelo vírus de ser ‘imipiano’ não tem cura. Aqui tem uma mística do sentimento, de amor ao próximo, de solidariedade, de cuidar de quem mais precisa na sociedade, dos desfavorecidos. Estamos há 15 anos sem ele e, mesmo assim, conseguimos perpetuar essa filosofia, seu ideário de visão do mundo”, enfatizou.

A entrega do professor e a replicação do seu lema entre alunos e funcionários ao longo de décadas, multiplicou seu sonho de uma medicina infantil para uma medicina integral, onde os cuidados da família são o centro do bem-estar social. Esta ampliação da visão nos cuidados foi um ponto-chave na biografia produzida pelo escritor Cícero Belmar, que descreve Fernando Figueira como “O Homem que Arrastou Rochedos”. “Uma das coisas que mais me emocionou foram as descobertas dele ao perceber que não adiantava atender a criança pobre se não atendesse a mãe também. Isso muda o nome do Imip para Instituto Materno-Infantil de Pernambuco. Depois, ele atenta que não adianta atender a criança pobre e a mãe, se o homem ficar de fora. É quando passa a atender a saúde integral”, comentou.

As mudanças de nome da instituição culminaram com uma homenagem ao seu fundador, falecido em 2003, em decorrência de um derrame: Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira.

Crianças e famílias pobres eram o ponto central da atenção de Figueira

Crianças e famílias pobres eram o ponto central da atenção de Figueira

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