Filme retrata suposta experiência gay de Eisenstein

Diretor britânico diz que o ‘cinema está exausto de si mesmo’

albert einstein

POR FABIANO RISTOW

O ator finlandês Elmer Bäck, que interpreta Sergei Eisenstein no filme de Peter Greenaway – Divulgação

Em 1931, o cineasta soviético Sergei M. Eisenstein (1898–1948), um dos responsáveis pela consolidação do cinema como meio de expressão artística, foi ao México rodar um filme. Dificuldades de produção e a suspensão de financiamentos impediram a conclusão do projeto. O que aconteceu nos 11 meses em que ele passou no país não é certo, mas o britânico Peter Greenaway — diretor de “Afogando em números” (1988) e “O livro de cabeceira” (1996), entre outros — apresenta algumas teorias em “¡Que viva Eisenstein! — 10 dias que abalaram o México”, que estreia no dia 7.

Uma delas é que Eisenstein, diretor de “O Encouraçado Potemkin” (1925), teria tido um caso com um guia turístico (a sua homossexualidade é apenas uma especulação entre estudiosos). O longa, selecionado para disputar o Urso de Ouro no último Festival de Berlim, conta com uma cena explícita de sexo e foi criticado por autoridades russas. Nesta entrevista, por telefone, Greenaway explica que rodou o filme para humanizar o artista soviético e porque o “cinema está morrendo.”

Como vê a importância de Eisenstein?

Estudo Eisenstein desde quando eu estudava arte em Londres, nos anos 1960. É meu herói.

Por que fazer um filme sobre ele?

Agora que tenho 73 anos, senti que era hora de retribuir a admiração, mas não por meio de uma cinebiografia tradicional. Daqui a dois anos, vamos lembrar os 100 anos da Revolução Russa. Mas o verdadeiro motivo é que o cinema está morrendo, e rápido. Dizem que o cinema inventou o vislumbre, isto é, a associação psicológica entre uma pessoa olhando para outra. Mas a pintura já tinha feito isso. A verdade é que o cinema inventou muito pouco. Uma invenção real foi a teoria da montagem, só que a maioria dos filmes que vemos funciona como prosa. Deveriam ser associações poéticas de imagens, baseadas em percepções líricas do tempo e espaço. Essencialmente, falo de metáforas visuais. Acho que Eisenstein foi mestre nisso.

‘Todas as histórias do mundo já foram contadas no cinema’

– PETER GREENAWAYCineasta

O senhor se referiu à morte do cinema: remete-se a algum estilo especificamente?

Refiro-me a tudo. Começamos a fazer filmes em 1895. Todas as histórias do mundo já foram contadas no cinema. Sempre que você assiste a um filme, em cinco minutos já sabe o que vai acontecer na trama e o que o protagonista vai fazer. O cinema está exausto de si mesmo.

O cinema está “morrendo” em formato?

A maioria das pessoas vê filmes em smartphones, laptops e na TV. O cinema como conhecemos, isto é, uma tela projetando imagens em frente a uma multidão, não existe mais. Mas ele está amaldiçoado também em sua própria natureza. Todo filme nasce de um texto, como um roteiro. Portanto, cinema não possui material exclusivo, infelizmente. Também é baseado em noções de frames, mas não existem enquadramentos na vida real. É um conceito artificial. Criar arte a partir de um fenômeno não natural é meio estúpido e limitado. Também argumentaria que usamos atores muito mal. Além disso, a câmera apenas reproduz o que está à sua frente. Aí há um problema de criação. Eisenstein dizia que o único grande realizador era o (Walt) Disney, justamente porque o desenho animado é criado a partir do zero, da tela branca. Em outras palavras, o cinema está condenado, e não só por razões socioeconômicas, mas também estéticas.

Seu novo filme recebeu algumas críticas por ser historicamente impreciso.

O cinema, comercial ou não, é bem explicado como máquina de sonho. Só Deus pode reproduzir a realidade, e digo isso, é claro, como um ateu. Queria tratar Eisenstein como um ser mortal. Por isso há cenas em que ele vomita, caga, chora…

A viagem de Eisenstein ao México é só uma pequena parte da biografia dele. Por que focou nesse período?

Ele filmou quilômetros de película lá, mas nunca chegou a editar, por razões sobretudo políticas. O filme ficou inacabado, e eu tenho uma fascinação por fracasso, pelas longas estrias entre a imaginação e a possibilidade de concretizar um projeto. E todos somos pessoas diferentes quando estamos em outro país, pois ficamos distantes de nossas raízes, de amigos e das crenças da nossa terra natal. É um movimento que nos liberta para novas formas de expressão. Isso abriu a possibilidade de eu explorar a sexualidade do Eisenstein.

O senhor acredita que a viagem dele ao México mudou a forma com que via o mundo?

Sim. As primeiras obras-primas dele são “A greve” (1925), “O Encouraçado Potemkin” (1925) e “Outubro” (1928). Eram bem políticas. Mas suas últimas obras, como “Ivan, o Terrível” (1945), focaram em indivíduos. A razão é que o tempo que ele passou longe da Rússia, separado do materialismo dialético e do regime de Stalin, abriu seus olhos para coisas que aconteciam dentro e fora daquele país. No México, pensou em questões como o fim da vida, a coisa mais inegociável que existe. Isso vale para todos. Eu não te conheço, você é um jornalista e está falando comigo, mas sei duas coisas sobre você: a primeira é que você nasceu depois de uma trepada. A segunda, desculpe ser sincero, é que você vai morrer. São os dois eventos mais importantes da sua vida, e também temas ligados à religião e à arte. Pense nos últimos dez filmes a que você assistiu. Aposto que eles têm atores transando e pessoas morrendo.

O senhor é diretor de filmes como “O cozinheiro, o ladrão, sua mulher e o amante” (1989) e “O livro de cabeceira” (1996). Nunca evitou falar de sexo e morte. Como esses assuntos se tornaram tão relevantes?

Quis ser pintor na juventude. A arte religiosa, como a de Rembrandt ou de Michelangelo, tem esses dois temas no topo.

Como a Rússia reagiu ao seu filme?

Nem queriam que eu filmasse. Recebi e-mails de ódio. Eisenstein é um herói nacional lá. Tem gente determinada a ter um programa patriótico e celebrar os “tesouros nacionais”. E Putin é muito homofóbico. Quase todo mundo trepa porque é prazeroso. Por que deveria ser diferente para os gays? É um absurdo. Ainda assim, o filme foi exibido num festival russo, e houve uma demanda forte para vê-lo. Acredito que o filme é bem cinematográfico. Não é só uma homenagem ao Eisenstein. Esteticamente, é também um tributo a Fellini, Scorsese etc.

Fonte: O Globo

 

 

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *