Filósofo Jean-Paul Sartre ganha Nobel de Literatura

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Em 22 de outubro de 1964, o filósofo Jean-Paul Sartre (foto) é galardoado com o Prêmio Nobel de Literatura, porém manifesta sua recusa em recebê-lo.
“Se eu tivesse aceitado o Nobel – e ainda que tivesse feito um discurso insolente em Estocolmo, o que teria sido absurdo – eu seria recuperado (para o sistema)”, explicou ele em entrevista ao semanário Le Nouvel Observateur no dia 19 de novembro de 1964. “Se tivesse sido membro de um partido, do partido comunista, por exemplo, a situação teria sido diferente. Indiretamente teria sido ao meu partido que o prêmio tinha sido outorgado. É a ele, em todo caso, que poderia servir. Porém, quando se trata de um homem isoladamente, ainda que tenha opiniões  ‘extremistas’ se o recupera necessariamente, de certo modo, coroando-o. É uma maneira de dizer: ‘Finalmente, é um dos nossos’. Eu não podia aceitar isso”, acrescentou ele.
O filósofo ainda continuou: “A maioria dos jornais me atribuiu razões pessoais, que eu estaria ferido porque Camus o conquistou antes de mim; que eu tinha receio de que Simone se mostrasse ciumenta; que eu seria uma “bela alma” que rejeitava todas as honras por orgulho. Tenho uma resposta muito simples: se tivéssemos um governo de Frente Popular e que tivesse me dado a honra de conceder-me um prêmio, eu o teria aceitado com prazer. De modo nenhum penso que os escritores devam ser cavalheiros solitários, ao contrário. Contudo, não devem meter-se em vespeiro.
O que mais me chateou nesse assunto são as cartas dos pobres. Os pobres para mim são pessoas que não têm dinheiro mas que estão suficientemente mistificadas para aceitar o mundo tal qual é. Essa gente forma legião. Escreveram-me cartas dolorosas: ‘Dê-me  a mim o dinheiro que você está rejeitando’.
No fundo o que escandaliza é que esse dinheiro não tenha sido recebido e gasto. Quando Mauriac escreve em sua agenda: “Eu o teria usado para reformar meu banheiro e a grade de meu jardim”, mostra-se maligno. Sabe que não provocará nenhum escândalo. Se tivesse distribuído esse dinheiro, o pessoal ficaria chocado. Rejeitá-lo é inadmissível. Um norte-americano escreveu: ‘Se me dão 100 dólares e os rejeito, não sou um homem’. Além do mais fica a ideia que um escritor não merece esse dinheiro. O escritor é um personagem suspeito. Não trabalha, ganha dinheiro e pode ser recebido, se o quiser, por um rei da Suécia. Isso já é escandaloso. Se, ademais, recusa o dinheiro que não mereceu, é o cúmulo. Considera-se natural que um banqueiro tenha dinheiro e não o dê. Todavia, que um escritor possa rejeitá-lo, isso não pode.

Tudo isto é o mundo do dinheiro e as relações com o dinheiro são sempre falsas.  Rejeito milhões e me criticam, porém ao mesmo tempo me dizem que venderei mais livros, porque o pessoal vai dizer: ‘Quem é este desequilibrado que cospe em tamanha dinheirama?’ Meu gesto, portanto, vai me trazer mais dinheiro. É absurdo, no entanto nada posso fazer. O paradoxal é que, rejeitando o prêmio, não acontece nada. Aceitando-o, eu teria me deixado recuperar pelo sistema”, completou Sartre.

Existencialismo de esquerda

Em seus romances, ensaios e peças de teatro, Sartre promovia a filosofia do existencialismo, argumentando que cada indivíduo deve criar e dar sentido a sua própria vida porque a vida em si não tem sentido inato.
Jean-Paul Sartre e sua companheira, Simone de Beauvoir, se encontram com Ernesto Che Guevara em Cuba em 1960
O filósofo estudou na prestigiosa Escola Normal Superior entre 1924 e 1929, onde conheceu Simone de Beauvoir, que viria a ser sua companheira pela vida afora e também escritora. Ele  tornou-se professor de filosofia e lecionou em Le Havre, Laon e Paris. Em 1938, seu primeiro romance, Náusea, foi publicado. A narrativa adota a forma de diário de um intelectual obcecado por café.
Em 1939, Sartre foi convocado para lutar na Segunda Guerra Mundial. Feito prisioneiro pelos alemães por cerca de um ano, participou, quando libertado, da Resistência Francesa.

Em 1943, publicou uma de suas obras seminais, O Ser e o Nada, em que argumenta que o homem está condenado à liberdade e carrega consigo uma responsabilidade social. Sartre e Beauvoir viriam a engajar-se em movimentos sociais, defender o comunismo e apoiar o levante estudantil de maio de 1968 em Paris.

Também em 1943, escreveu uma de suas peças teatrais mais conhecidas, As Moscas, seguida de Entre Quatro Paredes em 1945. Em 1946, criou Mortos sem Sepultura e A Prostituta Respeitosa e em 1948, Orfeu Negro e As Mãos Sujas.
Ainda em 1945, deu início a um novo romance em quatro volumes intitulado Os Caminhos da Liberdade, porém abandonou a forma novela após concluir o terceiro volume em 1949. Em 1946, continuou a desenvolver sua filosofia na obra O Existencialismo é um Humanismo.
Nos anos 1950 e 1960,dedicou-se a estudos de figuras da literatura como Baudelaire, Jean Genet e Flaubert. O Idiota de Família, seu trabalho sobre Flaubert, foi bem extenso, todavia somente três dos quarto volumes previstos foram publicados.
A saúde e a visão de Sartre entraram em declínio em seus últimos anos, levando-o à morte em 1980.

Fonte: Ópera Mundi

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