Funase: 43% dos adolescentes nas unidades de internação são reincidentes

Alto índice indica que faltam políticas para evitar que atos infracionais voltem a ser praticados após garotos cumprirem medida socioeducativa

Um dos principais desafios no combate à violência é tentar evitar que adolescentes e jovens sejam inseridos na criminalidade. Mas é notório que o poder público tem perdido essa batalha, sobretudo quando se observam os altos índices de reincidência de atos infracionais.

Em Pernambuco, 43% dos adolescentes atualmente nas unidades de internação da Fundação de Atendimento Socioeducativo (Funase) já cumpriram medidas anteriormente. Sem acompanhamento adequado após a saída dos centros – e muitas vezes sem perspectivas de futuro -, eles voltaram a cometer atos infracionais equivalentes a crimes como roubos, tráfico de drogas ou homicídio.

As estatísticas mais atualizadas são do último mês de junho. Relatório da Funase indicou que 337 socioeducandos estavam unidades de internação, por determinação judicial. Desse total, 145 eram reincidentes. Já nas unidades de semiliberdade do Estado, havia 61 adolescentes, sendo 20 deles (32,7%) reincidentes.

“Esse número reflete não apenas a falha no sistema socioeducativo em promover de forma pedagógica o cumprimento da medida, mas também a ausência de políticas públicas eficazes por parte do governo estadual”, afirmou Deila Martins, coordenadora-executiva do Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (Gajop), entidade ligada aos direitos humanos.

Thiago Lucas/ Design SJCC
Funase – Thiago Lucas/ Design SJCC

 

“A reincidência é um indicativo de que as medidas aplicadas não têm sido capazes de oferecer oportunidades reais para a reinserção desses jovens, perpetuando assim um ciclo de exclusão e ausência de direitos. A reinserção revela que o modelo mais se assemelha ao encarceramento, e não promove a interrupção de uma série de violações de direitos que leva o jovem ao cometimento de ato infracional”, completou.

Dos 337 socioeducandos nas unidades de internação em junho, 216 estavam com idades entre 17 e 18 anos. O número representa 64%. Além disso, ao menos 108 adolescentes e jovens praticaram ato infracional equivalente ao crime de homicídio ou latrocínio (roubo seguido de morte).

PROBLEMAS NAS UNIDADES DIFICULTAM RESSOCIALIZAÇÃO

Na avaliação de Deila Martins, as unidades da Funase têm sérios problemas, que podem gerar resultados ainda mais negativos para os adolescentes que cumprem medidas socioeducativas.

“Durante as visitas do Gajop às unidades da Funase, observamos muitos problemas estruturais e de gestão que comprometem seriamente a eficácia das medidas socioeducativas, como a insuficiência de atividades pedagógicas e profissionalizantes de qualidade e tratamento inadequado por parte de alguns funcionários, o que resulta muitas vezes em situações de violência”, contou.

Deila destacou que é fundamental a criação de políticas públicas de acompanhamento dos adolescentes após a saída das unidades, com o objetivo de diminuir a reincidência nos atos infracionais e, consequentemente, a violência.

“Isso inclui a rede de apoio para as famílias e para o adolescente, a criação de programa de acompanhamento de cumprimento pós-medida e a garantia de acesso à educação, saúde e oportunidades de profissionalização desses jovens.”

“ESTAMOS NUMA VIRADA DE CHAVE”, DIZ DIRETORA-PRESIDENTE DA FUNASE

Marcelo Dettogni / Ascom Funase
Adolescentes contam com cursos no parque profissionalizante localizado no bairro de Afogados, Zona Oeste do Recife – Marcelo Dettogni / Ascom Funase

 

A diretora-presidente da Funase, Raissa Braga, reconheceu que o índice de adolescentes e jovens reincidentes nas unidades de internação e semiliberdade é alto em Pernambuco, mas afirmou que ele vem caindo.

“Desde 2018, o número era muito alto. Mas caiu cerca de 10% no último ano, porque começamos a trabalhar muito forte para a virada de chave. Primeiro ponto que observamos é que meninos e meninas sequer tinham documentos, e isso diz muito sobre a questão da cidadania. Hoje temos de 90 a 99% dos documentos emitidos”, declarou.

Advogada e professora universitária, Raissa está à frente da Funase desde julho de 2023. Segundo ela, a gestão tem investido mais na educação e qualificação dos jovens que cumprem medidas socioeducativas para evitar a reincidência dos atos infracionais.

“Avançamos na questão da prática restaurativa e na profissionalização. Mais ou menos 80% dos socioeducandos estão com matrículas no ensino regular. No último ano também foram emitidos 823 certificados de profissionalização”, relatou.

Ela também destacou que o número de egressos da Funase contratados foi ampliado no último ano.

“Hoje nós estamos com o propósito de fazer o dever de casa. Um egresso nosso compõe a equipe de comunicação, por exemplo. Adolescentes são contratados pela própria Funase, o número aumentou significativamente. Além disso, temos um parque profissionalizante em Afogados (Zona Oeste do Recife). Até setembro vamos inaugurar o parque profissionalizante em Caruaru (no Agreste). Três meses depois, será em Garanhuns”, afirmou.

SEM SUPERLOTAÇÃO

Se no começo da década passada, a Funase chegou a contar com mais de 2,5 mil jovens e adolescentes ocupando unidades que só tinham capacidade para até 764 vagas, a superlotação não é mais um problema que precisa ser enfrentado em Pernambuco.

Somando todas as unidades (atendimento inicial, internação provisória, internação e semiliberdade), há 777 vagas. Elas estão sendo ocupadas por cerca de 470 socioeducandos.

Com a diminuição de internações, inclusive, a presidência da Funase decidiu desativar a unidade do Cabo de Santo Agostinho, no Grande Recife. O centro tem histórico de superlotação, rebeliões e mortes chocantes.

Em um dos episódios, na noite de 10 de janeiro de 2012, três adolescentes foram assassinados durante uma rebelião no Case do Cabo de Santo Agostinho. Dois deles tiveram os corpos carbonizados e outro foi morto por asfixia. Além disso, uma das vítimas foi decapitada. A cabeça foi jogada para fora do muro da unidade.

A desativação do centro do Cabo será feita aos poucos, com previsão de conclusão até o final deste ano.

ENFRENTAMENTO ÀS CONSTANTES FUGAS EM MASSA

Reprodução
Em julho deste ano, 16 socioeducandos fugiram com facilidade do Case de Pirapama, no Cabo de Santo Agostinho – Reprodução

 

Apesar do fim da superlotação, o controle nas unidades da Funase ainda é alvo de críticas – sobretudo por causa das fugas em massa ainda muito constantes.

Relatórios da fundação revelam que 110 adolescentes escaparam das unidades de internação entre janeiro de 2023 e maio deste ano.

Somente no ano passado, a Funase identificou que 83 socioeducandos escaparam das unidades de internação. Em um dos episódios, 17 conseguiram fugir do centro socioeducativo do Cabo de Santo Agostinho em apenas quatro dias em junho.

Já entre janeiro e maio deste ano, conforme relatórios internos, mais 27 adolescentes saíram dos centros de internação do Estado.

Em 9 de julho deste ano, 16 jovens saíram com facilidade por um dos portões do Centro de Atendimento Socioeducativo Pirapama, também localizado no Cabo. Eles chegaram a ser filmados durante a fuga, inclusive. Dez foram recapturados posteriormente.

Nas unidades de semiliberdade, voltadas aos socioeducandos que cometem atos infracionais de menor gravidade, evasões também são registradas. Foram 100, somente entre janeiro e maio de 2024.

“A gente vem trabalhando a mudança de cultura nas unidades. Antes, tínhamos a normalização da fuga em massa. A gente pretende resgatar o estado de segurança nas unidades. O enfrentamento às fugas é tratado como prioridade. A gente reduziu em 77% no último ano”, argumentou a diretora-presidente.

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