A chance de narrar a primeira medalha de ouro do futebol brasileiro levou Galvão Bueno a fazer uma das transmissões mais emocionantes de sua carreira. Mesmo sem estar com a voz em suas melhores condições, o narrador usou todos os seus artifícios e recorreu ao seu arsenal imbatível de clichês para manter o espectador fixado diante de Brasil e Alemanha. Foi uma transmissão clássica, em puro “galvanês”, coroada com o ouro – e o choro do narrador.
Ao final da disputa de pênaltis, vencida por 5 a 4, muito emocionado, o narrador lembrou da frustração da derrota do Brasil na Copa de 1950 no Maracanã e da sua alegria de narrar, aos 66 anos, a conquista da principal medalha olímpica.
“Passei um pouco do ponto”, disse depois, no “Jornal Nacional”. “Mas era para passar mesmo”.
Com a voz abalada pelo trabalho diário na Rio-2016, Galvão foi poupado no pré-jogo. Em vez de comandar a conversa com os comentaristas da emissora, o papel coube ao repórter Tino Marcos.
As referências ao 7 a 1, claro, deram o tom da transmissão. Primeiro, ainda no pré-jogo, com uma negação. “O jogo de hoje não tem nada a ver com o 7 a 1”. E logo aos 5 minutos com uma alerta quase desesperado: “Lá vem a Alemanha, segura os caras! De novo não.”
Mesmo quando não havia necessidade de evocar o maior desastre da história do futebol brasileiro, Galvão fez questão de colocar o assunto em pauta. Analisando as estatísticas, ele observou: “Ô 7 a 1 que não larga a gente. Setes faltas da Alemanha e uma do Brasil”.
O narrador evocou todos os seus clichês clássicos, a começar do “ele é perigoso”, falando de um atacante alemão, que ficou célebre na narração do gol de Kanu, que deu a vitória para a Nigéria, contra o Brasil, nas Olimpíadas de Atlanta, em 1996.
Empolgado, depois do gol de Neymar, Galvão chamou Usain Bolt de “brasileiraço”, ao ver o corredor jamaicano torcendo no Maracanã, mandou alguém “dar um beijo” na trave que impediu três gols da Alemanha no primeiro tempo e enviou um recado para dona Josefa, mãe do goleiro Weverton: “Seu filho tá brilhando”.
Assim que terminou o primeiro tempo, Galvão deu o tom de como seria a narração dos 45 minutos seguintes: “Haja coração!” Com a bola em jogo, tentou acelerar o cronômetro: “Já temos 6 minutos. E é bom que o tempo passe rápido mesmo”.
Infelizmente, as preces de Galvão não foram ouvidas. Aos 12 minutos, Meyer empatou o jogo.
Como sempre faz quando está tenso, Galvão passou a dar instruções para os jogadores: “Tem que reagir rapidamente, não pode deixar a Alemanha gostar do jogo”, avisou. “Tira daí. Vale ouro. E marca a saída de bola”. Ou, então: “Parte pra cima deles. Não deixa esfriar o jogo.” Ou: “Aperta! Vamos que dá! Dá pra tirar!”
Ao fim do tempo normal, Tino Marcos reassumiu o comando da transmissão: “Galvão deu uma saidinha da cabine”, informou o repórter. “Ninguém é de ferro. Fui respirar”, avisou o narrador ao retornar.
Depois de um ataque perigoso da Alemanha no primeiro tempo da prorrogação, Galvão confessou: “Essa eu tive que respirar fundo”. Logo depois: “É jogo para estar com o coração saudável”. Faltando sete minutos para o fim: “O jogo é dramático, dramático, dramático. Haja coração!”
Durante a disputa de pênaltis, Galvão ainda se lembrou de evocar Taffarel e disse que Weverton vestiu a camisa do goleiro campeão do mundo em 1994.