Geisel tinha razão
Era presidente o general Ernesto Geisel, tonitruante, imperial e áspero, aliás, um modelo que décadas depois vem sendo seguido pela atual sucessora, ainda que apenas na postura. Entrou no gabinete do general o ministro Shigheaki Uequi, sorrindo de uma face a outra, logo anunciando uma grande estratégia para o Brasil. Havia sido descoberta imensa jazida de gás na Bolívia e, segundo sondagens feitas por ele, o general boliviano de plantão no poder dispunha-se a celebrar rendoso contrato para nos fornecer a preços módicos tamanha riqueza, em especial numa fase mundial de crise de petróleo e combustível.
O general fechou ainda mais o cenho já fechado e encerrou a proposta, pedindo que seu interlocutor não mais repetisse tamanha bobagem, porque não confiava na Bolívia e não queria ser levado, depois, a mandar o exército entrar no território vizinho para defender os interesses brasileiros.
Passou o tempo e outros governos contrataram o gás boliviano, que até hoje nos cria problemas, apesar dos benefícios. Nossos vizinhos continuam não sendo confiáveis, ainda há tempos nacionalizaram uma usina da Petrobrás e humilharam empresas brasileiras que lá realizavam obras. Submeteram o Brasil ao constrangimento de ter por 15 meses em nossa embaixada um senador que fazia oposição ao presidente Ivo Morales, sem conceder-lhe o salvo conduto. Invadiram o avião do ministro da Defesa, Celso Amorim, no aeroporto de La Paz, para saber se o asilado estava escondido entre as poltronas e mantiveram silêncio agressivo diante de nossas tentativas de solucionar a questão.
Eis ai o resultado quando, de forma humanitária, o Encarregado de Negócios do Brasil resolveu fazer o que o antigo embaixador não fizera: convocou dois fuzileiros navais e, no automóvel oficial da embaixada, rodou por 22 horas até a fronteira brasileira, libertando o senador sem dar conhecimento ao Itamaraty ou ao palácio do Planalto. Por haver cumprido seu dever, Eduardo Sabóia deverá ser punido, ao menos com o congelamento de sua carreira.
Toda essa trapalhada tem raízes na política diplomática do PT. Tanto Dilma quanto o Lula, antes, carecem de experiência para lidar com as sinuosas questões externas. Preferem resolver os problemas no grito ou com jeitinhos insuficientes. Por conta disso, e por não ter sabido escolher o seu Chanceler, a atual presidente viu-se obrigada a fazer o que deveria ter feito bem antes, ou melhor, não deveria ter feito, caso no primeiro dia de seu mandato tivesse nomeado outro ministro das Relações Exteriores. Como escolheu Antônio Patriota, obrigou-se agora a demiti-lo. Deu-lhe um prêmio de consolação, nomeando-o para nosso representante nas Nações Unidas.
Fará o quê o governo brasileiro? Botar panos quentes na crise com a Bolívia, cujo Chanceler nos desancou e ofendeu desde domingo? Não dá para imaginar a tropa de prontidão, muito menos o rompimento de relações. Notas de protesto, de lá e de cá, destinam-se à lata de lixo. Reaproximações fingidas e fajutas, também. Quem tinha razão era mesmo o general Ernesto Geisel, malgrado ter sido ditador. (Carlos Chagas/Tribuna da Imprensa)