General Etchegoyen, que agrediu Lula: antes dele, seu tio, seu pai e seu avô participaram de golpes

A história tenebrosa dos Etchegoyen: conspiração e golpes contra Getúlio, JK, Jango, Dilma e Lula. Envolvidos com os porões da ditadura militar

Da esq. para direita: Figueiredo, Médici, Leo E.; abaixo, Cyro e Leo E. À direita, Sérgio E..Créditos: Reprodução

Você precisa conhecer o general da reserva Sérgio Etchegoyen, que agrediu o presidente Luiz Inácio Lula da Silva na última quarta-feira (18), acusando-o de “profunda covardia” por criticar os militares por mais uma tentativa de golpe de Estado. Ele tem uma longa ficha corrida de ataques à democracia e pertence a uma estirpe de militares golpistas e envolvidos com graves violações contra os direitos humanos.

A afirmação de Lula sobre os militares aconteceu durante um café da manhã com jornalistas, no Planalto, no dia 12. Questionado sobre sentir-se ameaçado, Lula disse que “perdeu a confiança” em uma parcela dos militares da ativa e emendou: “Na hora em que eu recuperar a confiança, eu volto à normalidade”. A declaração de Lula é uma reação serena à tentativa de golpe de 8 de janeiro. Curiosa a concepção de “covardia” do general: para ele, os militares, armados, que atacam a democracia, que aprisionam opositores e os torturam, que assassinam ativistas políticos, são heróis. Covarde é um civil, desarmado, que nunca propôs qualquer ato político violento, que foi vítima de toda sorte de injustiças, criticar militares. Mais curioso ainda, para um general que, em tese, deveria guiar sua vida pela hierarquia: atacar ninguém menos que o presidente da República.

Quem é o general Sérgio Etchegoyen

Sérgio Etchegoyen ingressou na Academia Militar das Agulhas Negras em 1971, oitavo ano da ditadura militar. Naquele momento, presidia o Brasil o general Emílio Garrastazu Médici e o País vivia a mais brutal fase do regime -seu pai, Leo, e seu tio, Cyro, eram destacados integrantes do regime e agiam de maneira brutal e aberta (mas sobre eles escreverei mais abaixo).

Em 2014, quando era chefe do Departamento-Geral do Pessoal do Exército, insurgiu-se contra a Comissão Nacional da Verdade (CNV). O relatório da comissão, que apurou crimes da ditadura militar, que havia incluído seu pai, o general Leo Guedes Etchegoyen, morto em 2003, e seu tio, o coronel Cyro Etchegoyen, morto em 2012, na lista de 377 agentes do Estado considerados responsáveis por violações de direitos humanos no regime militar.

Etchegoyen assinou uma nota em 11 de dezembro de 2014 para repudiar o que considerava um relatório “leviano” e ele e sua família entraram na Justiça contra a CNV -perderam.

Em 2020, a 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por quatro votos a um, manter uma sentença de primeira instância que rejeitou um pedido da família Etchegoyen para retirar o nome do general Leo Guedes da lista elaborada pela Comissão.

Prevaleceu no TRF-4 o voto da relatora da apelação, a desembargadora federal Vivian Josete Pantaleão Caminha. Segundo ela, “os fatos históricos passados durante o regime militar, antes sigilosos, devem ser revelados a quem viveu aquele período de nossa história e às novas gerações, concordem os envolvidos ou não, sendo o relatório da Comissão da Verdade apenas um destes instrumentos”.

O evento tornou Etchegoyen, que já tinha formação anticomunista e golpista, num inimigo figadal do governo Dilma Rousseff e do PT. E ele passou a conspirar.

Inocentemente, o governo petista tornou-o chefe do Estado Maior do Exército, em março de 2015. No cargo, foi um dos articuladores do golpe contra Dilma. O relato é do próprio Michel Temer, que foi guindado à Presidência com o golpe, armado de um programa de governo de direita. O relato está no livro “A Escolha – Como um presidente conseguiu superar grave crise e apresentar uma agenda para o Brasil” (Editora Noeses, 2020).

Temer confessa no livro que manteve uma série de encontros preparatórios para o golpe nos anos de 2015 e 2016 com Etchegoyen e com o então comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, também nomeado pela presidenta Dilma Rousseff.

Depois do golpe, Etchegoyen foi nomeado chefe do Gabinete de Segurança Institucional em 12 de maio de 2016 -no cargo, passou à reserva, em novembro daquele ano. Ele iniciou o processo de militarização do GSI, subordinou a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) à pasta e, no posto, foi fundamental para solidificar o poder dos golpistas e, a seguir, articular o veto à candidatura Lula em 2018. Foi um braço-direito do general Villas Bôas na consolidação do poder militar.Em 1 de janeiro de 2019, passou o cargo ao general Augusto Heleno, com quem mantinha ótimas relações.

Fora do governo, Etchegoyen continuou um articulador do pensamento e da ação militar e se tornou sócio do ex-comunista e ex-ministro da Defesa Raul Jungmann, ambos colegas de governo Temer. Este momento de sua trajetória foi descrito assim pelo jornalista Luís Nassif: “Na reserva, cumpriu  papel similar aos colegas da reserva que, nos tempos da ditadura, eram chamados de generais-maçanetas, contratados como lobistas de empresas privadas para abrir portas no governo – em geral, dominadas por colegas militares. Montou uma empresa de “compliance” com o ex-ministro da Defesa Raul Jungmann. O que ele entende de compliance? Nada. É evidente que seu trabalho consistiria em atuar junto a setores do governo controlados por militares. Ou seja, abrir maçanetas”.

O pai de Sérgio Etchegoyen, o general Leo

Os dois irmãos, filhos do general Alcides Etchegoyen, foram protagonistas do golpe militar de 1964.

Leo, o pai de Sérgio, chegou a general de Brigada. Seu nome consta no relatório da CNV como militar responsável por violações de direitos humanos durante a ditadura.

Vale a pena ler trechos do relatório da CNV sobre o general Leo.

Segundo o relato da CNV, “após o golpe de 1964, Leo Guedes Etchegoyen assumiu a chefia de Polícia do Estado do Rio Grande do Sul, período no qual recebeu Daniel Anthony Mitrione, notório especialista norte-americano em métodos de tortura contra presos políticos, para ministrar curso à Guarda Civil do Estado, realizado no período de 19 a 26 de junho”.

Em novembro de 1964, Etchegoyen assumiu a Secretaria de Segurança Pública do Rio Grande do Sul, permanecendo no cargo até fevereiro de 1965.

Em 2015, foi instalada uma  placa calçada em frente ao Palácio da Polícia, em Porto Alegre. Nela, se lê que no segundo andar daquele prédio, funcionou, entre 1964 e 1982, o Departamento de Ordem Política e Social (Dops), a temida repartição da Polícia Civil encarregada de controlar a oposição ao regime militar. No local, estima-se que pelo menos 10 pessoas foram assassinadas e cerca mil opositores da ditadura foram presos e torturados.

Veja a foto da visita de Dan Mitrione a Porto Alegre. Ele aparece de jaleco branco na foto e no destaque:


Mais tarde, Leo Etchegoyen foi chefe do Estado Maior do II Exército, de 1979 a julho de 1981, período no qual serviu sob as ordens do general Milton Tavares de Souza, comandante do II Exército que chefiou o Centro de Informações do Exército no período Médici. Ainda segundo a Comissão da Verdade, em 28 de dezembro de 1979, o general Leo Etchegoyen, na qualidade de chefe do Estado Maior e supervisor das atividades do DOI-CODI, elogiou os serviços prestados pelo tenente coronel Dalmo Lúcio Muniz Cyrillo, chefe do DOI CODI do II Exército, destacando “sua experiência no campo das informações e por sua dedicação, boa vontade, capacidade de trabalho e espírito de cooperação”.

Cyrillo atuou no DOI-CODI do II Exército como chefe de equipes de interrogatório e desempenhou a função de subcomandante nos períodos de Carlos Alberto Brilhante Ustra e Audir Santos Maciel. Em 1979, ele assumiu o comando do DOI-CODI de São Paulo, período no qual atuou sob as ordens de Leo Etchegoyen e Milton Tavares de Souza.

Em 19 de abril de 1980, assinala ainda a CNV, quando Leo Etchegoyen era chefe do Estado Maior do II Exército, seu comando esteve vinculado ao planejamento da prisão de sindicalistas e lideranças dos metalúrgicos da região do ABC, bem como do sequestro de integrantes de organizações de direitos humanos que prestavam solidariedade aos trabalhadores, como os advogados José Carlos Dias (então presidente da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo) e Dalmo Dallari (ex-presidente da mesma comissão). Essas prisões, diz a Comissão, foram efetuadas com violência, sem mandado de prisão e sem a devida comunicação às famílias. Essa operação foi planejada pelo comando do II Exército e executada por agentes do DOI-CODI, no período em que Leo Etchegoyen era o chefe do Estado Maior do II Exército, principal instância de planejamento de ações daquele comando.

O tio de Sérgio Etchegoyen, o coronel Cyro

Cyro não teve a mesma sorte do irmão Leo e teve que se contentar com o posto de coronel.  De 1970 a 1974, serviu no gabinete do Ministro do Exército, General Orlando Geisel, assumindo a seção de contrainformações do Centro de Informações do Exército (CIE) de 1971 a 1974. O CIE foi o principal órgão de repressão das Forças Armadas. O órgão especializou-se também em infiltrar militares nas organizações estudantis e sindicais.

Mas Cyro não se limitou às infiltrações. Em depoimento concedido à CNV, o coronel reformado Paulo Malhães apontou-o como a autoridade responsável pela Casa da Morte, residência localizada em Petrópolis, na região serrana do Rio de Janeiro, que serviu de cárcere e local de tortura e execução de vários presos políticos. Segundo Malhães, Cyro Etchegoyen era a autoridade do Centro de Informações do Exército (CIE) responsável pela Casa.

Veja uma foto da Casa da Morte:

Em seu depoimento à Comissão da Verdade, Malhães admitiu ter participado de diversas sessões de tortura e de ter ordenado e participado de várias ocultações de cadáveres que envolviam, entre outras práticas, a mutilação dos corpos, com a retirada das digitais, mediante o corte das mãos, e da arcada dentária. Questionado em seu depoimento sobre as torturas e as mutilações de cadáveres, ele defendeu a prática como “uma necessidade” e disse que os corpos eram mutilados “para não deixar rastros”. “Quebrava os dentes. As mãos (cortava) daqui para cima”, afirmou, apontando as próprias falanges. Cerca de um mês depois de prestar depoimento à Comissão da Verdade, Malhães foi assassinado por asfixia em sua casa localizada na zona rural de Nova Iguaçu.

O avô de Sérgio Etchegoyen, o general Alcides

O neto Sérgio e os filhos Leo e Cyro tinham em quem se inspirar. O general-de divisão Alcides  Etchegoyen era, como os filhos e o neto, um direitista radical e um militar golpista.

Assim como o filho Leo, Alcides foi chefe de polícia -entre 1942 e 1943 no Rio de Janeiro, então Distrito Federal. Teve uma atuação  moralista, perseguindo as prostitutas, assim como  os opositores políticos. Dificultou o quanto pode a atuação da Sociedade Amigos da América, fundada em janeiro de 1943, que exigia a participação do Brasil na guerra junto aos Aliados, a anistia política irrestrita e o reconhecimento da URSS, entre outros pontos. Em março de 1943, a sociedade lançou um manifesto onde acusava o então coronel Etchegoyen de vigiar e perseguir seus membros ilegalmente e de mobilizar o mecanismo do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) para impedir qualquer menção na imprensa à entidade.

Em agosto de 1954, já general, assinou com seus pares um exigindo a renúncia do presidente da República, Getúlio Vargas. O evento foi decisivo na crise que levou ao suicídio de Getúlio.

No final de 1955, foi um dos principais líderes da tentativa de golpe para impedir a posse do presidente e do vice-presidente eleitos, Juscelino Kubitschek e João Goulart. O golpe foi derrotado por uma ação fulminante do general legalista  Henrique Teixeira Lott e ambos tomaram posse em 31 de janeiro de 1956.

Alcides chegou a ser preso por ordem de Lott e ficou internado no hospital militar do Rio. Morreu meses depois da posse de JK mas, até o fim, esteve à frente de articulações golpistas contra o presidente.

Uma família com história, essa dos Etchegoyen – golpistas de pai para filho.

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Observação: na foto que ilustra esta reportagem, você pode ver, à direita, o general Sérgio Etchegoyen. Na foto à esquerda, no alto, os generais Médici e Figueiredo, ambos generais-presidentes durante a ditadura militar e envolvidos com o aparato de repressão, assassinatos e tortura. No banco da frente, o general Leo, pai de Sérgio. Abaixo, à esquerda, o coronel Cyro e, à direita, o general Leo. Veja:

Fonte: Revista Forum

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