Gilmar anula provas de investigação da PF que envolve aliados de Lira

Por Paulo Saldaña, Marcelo Rocha | Folhapress

Foto: Marina Ramos / Câmara dos Deputados

O ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal), anulou na quinta-feira (21) todas as provas de mais de oito meses de investigações da Polícia Federal sobre compras de kits de robótica com dinheiro público envolvendo aliados do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
Gilmar já havia anulado, em julho, tudo que se relacionava a Lira. Ele evitou com isso que o tema fosse levado a julgamento de outros ministros do tribunal.
Agora estendeu também de maneira individual esse benefício a todos os investigados, o inclui empresários ligados a Lira, seu assessor mais próximo, um vereador de Maceió, pessoas apontadas como laranjas, um ex-funcionário do MEC (Ministério da Educação) e operadores.
A investigação teve início após a Folha publicar, em abril de 2022, reportagens que indicavam irregularidades na compra de kits robótica por cidades de Alagoas. Todas as prefeituras tinham contratos com uma mesma empresa de Maceió, a Megalic, de uma família próxima de Lira.
As compras ocorreram com dinheiro do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), liberado em velocidade incomum. Os recursos eram vinculados a emendas de relator, parte bilionária do orçamento que era controlada por Lira.
Com a decisão de Gilmar Mendes, foram anuladas todas as evidências documentais, gravações, apreensões de documentos e dinheiro vivo colhidas pela PF ao longo de mais de oito meses de investigações.
A PF começou a apuração ao rastrear transações financeiras milionárias entre donos da empresa de robótica e outras pessoas. Dessa forma, chegou a operadores filmados em entregas de dinheiro na casa de um assessor de Lira e a apreensão de um cofre lotado de dinheiro.
O cofre, com R$ 4,4 milhões, estava no endereço de um policial civil. No nome dele há uma picape usada no delivery de dinheiro ao assessor do político e que também havia sido utilizada na campanha de Lira, como a Folha revelou.
Essa investigação resultou na operação Hefesto, deflagrada em junho. O nome de Lira só apareceu na investigação a partir daí –após oito meses de investigação. No mesmo mês, a PF remeteu o caso ao STF por causa do foro.
Ao cumprir mandados de busca e apreensão na operação Hefesto, a PF encontrou listas de pagamentos relacionados à vida privada e política de Lira. Essas listas estavam com esse assessor de Lira, chamado Luciano Cavalcante, e o motorista dele.
A PF também descobriu, na posse de celulares apreendidos na operação, que Cavalcante integrava um grupo de WhatsApp chamado “Gerenciamento Robótica” com Roberta Lins Costa Melo, sócia da Megalic ao lado do marido Edmundo Catunda –aliado de Lira e pai do vereador de Maceió João Catunda (PP).
A Folha mostrou que Cavalcante esteve junto com Edmundo Catunda, no mesmo dia e horário, na sede do FNDE. Catunda e seus filhos tinham presença constante no órgão.
Arthur Lira (PP-AL), de camisa branca, à direita na mesa, e aliados, como o vereador João Catunda (à direita de Lira) e o pai, Edmundo Catunda (primeiro à esquerda), dono da empresa Megalic, que vende kits de robótica pra prefeituras Reprodução homens sentados em torno de uma mesa retangular **** Apesar de os investigadores só chegarem ao nome de Lira depois da deflagração da operação policial, em junho, Gilmar Mendes defendeu, na decisão, de que caberia ao STF autorizar a apuração porque as reportagens já citavam o presidente da Câmara.
“A decisão reconheceu a inadmissibilidade das provas produzidas no curso das apurações, em virtude da usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal”, diz nota do STF. Por esse entendimento, a investigação só deveria ter começado com autorização da corte porque Lira tem foro privilegiado.
“A autoridade policial deliberadamente evitou mencionar o nome do Deputado Federal, não obstante as notícias anexadas no inquérito tenham mencionado o nome dessa autoridade nada mais nada menos do que 27 (vinte e sete) vezes e estampado sua imagem em 7 (sete) oportunidades distintas”, diz nota do supremo.
Sete cidades alagoanas receberam R$ 26 milhões do governo federal para essas compras. O que representou quase 70% de todo recurso transferido pelo órgão do MEC a todo país em uma rubrica específica.
A Folha mostrou, ainda no ano passado, que as atas de registro usadas nas compras tinham indícios de fraude e direcionamento e a empresa escolhida comprava os equipamentos por R$ 2, 7 mil e vendia para prefeituras por R$ 14 mil. Essas informações foram corroboradas no inquérito da PF.
A reportagem da Folha esteve nas cidades alagoanas e constatou que os aparelhos estavam sendo direcionados a cidades com escolas sem infraestrutura, sem internet e até sem água. A secretária de educação de uma das cidades confirmou a intervenção de Lira para a liberação dos recursos e a atuação de uma assessora ligada ao vereador João Catunda, filho do dono da Megalic, nos trâmites burocráticos.
O TCU (Tribunal de Contas da União) e a CGU (Controladoria-Geral da União) também identificaram irregularidades. Já em abril do ano passado, o TCU suspendeu as compras com base na reportagem da Folha e depois, em abril deste ano, concluiu que houve fraudes.
Pela decisão de Gilmar, o inquérito da PF deve ser trancado. Ressalvou, segundo a nota do STF, que há possibilidade de reabertura das investigações, “caso surjam novos elementos de prova”.
A defesa de Lira já esperava essa nova decisão de Gilmar Mendes depois que, em julho, ele já havia anulado, de modo unilateral, tudo que se relacionava com Lira.

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