Governo federal sacrifica a classe média

Correção do FGTS abaixo da inflação, defasagem na tabela de isenção do IR e perdas reais nas aposentadorias. O brasileiro sofre

Giovanni Sandes

A inflação em alta corrói diretamente o ganho do cidadão. A pesada carga tributária e os juros ascendentes também dificultam sua vida financeira. Não bastassem estas mordidas verificadas no dia a dia de cada consumidor, está ficando cada vez mais comum o acúmulo de perdas decorrentes da forma como o governo remunera o dinheiro que nos deve.

O Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), por exemplo, perde para todos as aplicações disponíveis no mercado financeiro. Além disso, o Leão do Imposto de Renda (IR) amplia a cada ano as margens de salários e o número de pessoas tributadas. Até quem sequer teve ganho real no contracheque sofre com o Fisco.

Tem mais: milhares de aposentados e pensionistas (os que ganham acima de um salário mínimo) perdem poder aquisitivo porque seus benefícios nem de longe acompanham a inflação.

MÁQUINA – Enquanto o cidadão reclama, tentando estancar as várias defasagens, a máquina pública, que deveria trabalhar melhor o dinheiro que já arrecada, espreme mais e mais o brasileiro.

“A má gestão dos recursos públicos é geral e está presente nos municípios, governos estaduais e federais”, explica o economista Jorge Jatobá.

Mas em se tratando do IR, por exemplo – a mordida tributária mais direta sobre o cidadão –, vale lembrar que é uma atribuição exclusiva da União. É também o governo federal que também administra o FGTS, através da Caixa Econômica Federal (CEF), e as aposentadorias e pensões do INSS, principal Previdência do País.

Embora sejam questões aparentemente distintas, todas estão unidas pelo mesmo elemento: a defasagem ocorre como forma de alavancagem de recursos para o governo.

No caso do FGTS, de 1999, quando o Fundo começou a perder para a inflação, até o ano passado, a perda já é de 88,3%. A Caixa Econômica, gestora do Fundo, corrige o dinheiro pela Taxa Referencial, criada para servir de correção monetária descolada da alta geral de preços. “O FGTS não acompanha a correção de outras aplicações e é um recurso barato que o governo usa para aplicações sociais, como a habitação. É um subsídio massivo, que do ponto de vista do trabalhador é desgastante”, afirma Jatobá.

O descontentamento é tão grande que, desde o ano passado, milhões de pessoas representadas por centrais sindicais e outras entidades de classe têm buscado a Justiça para tentar repor as perdas. É que o Supremo Tribunal Federal (STF), em outro caso, julgou que a TR não deve ser usada para correção monetária e sim um índice que represente de fato a inflação.

Por mais que não haja garantia de sucesso nessas ações judiciais, ainda assim é um modo de efetivamente o trabalhador brigar por seu direito.

Mas como fazer quando a questão é a correção da tabela do Imposto de Renda? Na próxima declaração, que será preenchida este ano, somente quem estivesse com um salário abaixo de R$ 1.787,77 em 2013 teria isenção do IR. O valor foi corrigido não pela inflação de 2013, que subiu 5,91%, mas por um valor fixo, arbitrário, definido na Lei 14.469: 4,5% automáticos, anuais, para o período entre 2011 e 2014.

Um acumulado de correções inadequadas, segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), fez a tabela do IR ficar defasada em 61,42% de 1996 a 2013. Ou seja, na verdade a isenção do imposto deveria alcançar R$ 2.885,82.

“Isso aumenta a quantidade de pessoas na base de tributação e castiga mais o assalariado”, afirma a presidente do Instituto Pernambucano de Estudos Tributários (Ipet), Mary Elbe Queiroz.

Para se ter uma ideia do que isso significa na prática, nos últimos três anos a quantidade de contribuintes do IR aumentou em 1,7 milhão de pessoas, no Brasil. Sem contar que a tabela do Imposto de Renda corrigida de forma inadequada leva mais rápido para o topo da tributação, uma alíquota de 27,5%, muito mais gente.

“O problema é que a tributação indireta, IPVA e IPTU, aumenta com a inflação. Isso aumenta as perdas e deixa o cidadão ainda mais distante do mínimo existencial, o salário que a pessoa precisa para viver”, afirma Mary Elbe. “Quando as pessoas pedem mais saúde e educação do poder público, na prática estimulam um aumento dos gastos, porque em vez de o governo buscar uma melhor gestão, prefere aumentar a carga tributária”, diz a presidente do Ipet.

PREVIDÊNCIA – No caso da Previdência, a quem recorrem idosos e aposentados por invalidez, por exemplo, as perdas são ainda mais cruéis. Em 20 anos, a defasagem é de 81,77%, calcula a Confederação Brasileira de Aposentados, Pensionistas e Idosos (Cobap). O motivo? Este ano a correção dos benefícios foi de 5,56%, enquanto a inflação do ano passado, só para lembrar, foi de 5,91%. Assim, de uma tacada só, 372 mil aposentados e pensionistas passaram a engrossar a massa de pessoas que recebem de um a dois salários mínimos. Do lado do governo, a questão é administrar um déficit crescente. Mas do outro lado, de quem contribuiu a vida inteira e só depende desse dinheiro, começa a faltar o básico.

O funcionário público Wellington Teixeira, 48 anos, analisa a questão de forma contundente: “Com o crescimento da renda, o governo automaticamente já passa a arrecadar mais por meio de outros tributos que não só o IR. Portanto, não é justo que consideremos razoável aceitar o aumento de arrecadação por parte do governo via práticas de congelamento da tabela do IR ou via correção por percentuais que não correspondam ao crescimento da renda, pois esse tipo de procedimento significa sangrar silenciosamente a renda do trabalhador.”

Raimundo Branco, ator e bailarino de 55 anos, e Patrícia Costa, bailarina de 42 anos, são autônomos. Se por um lado não são atingidos pelas perdas do FGTS, por outro se queixam do IR. Raimundo chega a afirmar que a inflação oficial não transmite a verdadeira subida de preços. E esse entendimento pode ser verdadeiro, quando se analisa os hábitos de cada cidadão. É que o IPCA total representa o conjunto da economia, enquanto alguns preços agrupados refletem melhor um perfil de consumo. No caso dos serviços, por exemplo, que incluem restaurantes e salões de beleza, por exemplo, a inflação ficou acima de 8%, ano passado. “A tabela do IR e mesmo o conjunto da inflação não é representa a realidade”, afirma Raimundo.

Economista especializado em tributação, Ivo Pedrosa enfatiza que é mais do que justo o cidadão cobrar a correção pela inflação. Mas ele pondera que generalizar essa prática traria um risco, o da indexação, que é a volta de um gatilho automático, uma rodada de correção porque os preços subiram ano passado faria com que a inflação crescesse outra vez.

“O assunto é interessante para chamar atenção sobre o conflito social grande, entre o cuidado para não retroalimentar a inflação e a necessidade de recompor o poder aquisitivo do cidadão. É uma contradição que existe nos mecanismos da macroeconomia e da microeconomia também, uma discussão antiga”, argumenta Ivo.

Fonte: JC Online

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