Gravação mostra que delegada recebeu propina de doleiro
Gravações da Polícia Federal mostram que a delegada Sandra Maria da Silveira, da Polícia Civil do Distrito Federal, recebeu R$ 50 mil de propina do doleiro Fayed Antoine Traboulsi, um dos chefes da organização acusada de desviar R$ 50 milhões de fundos de pensão de servidores de prefeituras e governos estaduais. Fayed foi preso nesta quinta-feira. Segundo o relatório da PF, obtido pelo GLOBO, a delegada usou a propina do doleiro para comprar um Toyota Hillux.
“A vantagem indevida foi, igualmente, objeto de diálogo interceptado pela autoridade policial”, diz o documento da PF. Na conversa, gravada com autorização judicial, a delegada diz ao doleiro que acabou de pegar a Hillux.
A referência aos R$ 50 mil aparece na quebra de sigilo bancário da delegada. Segundo relatório da PF, o dinheiro foi depositado por Fayed diretamente na conta da delegada, “constando dos autos elementos de prova significativa contra a licitude dos depósitos”. A seguir, os diálogos:
— Achei estranho porque você não me ligou para falar nada, nem para falar obrigado. Se entrou o dinheiro ou se não entrou. Se deu tudo certo. Eu falei: “Porra!” Estou chateado! — reclama do doleiro
— Qual é a chance, Turco, de não ter entrado o dinheiro? Mas eu não te liguei ainda porque eu não tinha ido pegar o carro. E como eu acabei de pegar o carro, aí eu estou indo para a secretaria, e queria almoçar amanhã com você para você ver o meu carro lindo — responde a delegada.
Fayed concorda com a sugestão do almoço e a delegada parece, então, satisfeita.
—Você acha que eu sou uma pessoa ingrata? Eu não sou, não — diz Sandra.
— De jeito nenhum! — minimiza o doleiro.
Pelas investigações da PF, a delegada Sandra tentou atrapalhar uma investigação da Delegacia de Repressão ao Crime Organizado do Distrito Federal, que tinha como alvo suposta lavagem de dinheiro de Fayed o Esporte Clube Ceilândia.
Na operação desta quinta-feira, a PF prendeu 20 pessoas (17 em Brasília, duas no Rio e uma em Goiânia). Elas são acusadas de desviar R$ 50 milhões de fundos de pensão de servidores de prefeituras e governos estaduais, os chamados RPPS (Regimes Próprios de Previdência Social).
Entre os presos está o policial aposentado Marcelo Toledo, um dos operadores do mensalão do DEM. Até o início da noite, a polícia buscava mais dez acusados, que também tiveram as prisões decretadas. Um dos alvos principais da busca é o economista Carlos Eduardo Carneiro Lemos, ex-gerente de Investimentos do Prece, fundo de previdência dos servidores da Companhia Estadual de Água e Esgoto (Cedae) do Rio de Janeiro. O economista seria um dos três chefes da organização.
Em 16 de maio deste ano, quando as investigações ainda estavam em curso, a polícia apreendeu dois emissários de Eduardo Lemos tentando embarcar no aeroporto de Brasília com R$ 465 mil escondidos em meias, cuecas e mochilas, conforme mostrou O GLOBO. Na chamada Operação Miqueias, a polícia apreendeu documentos em 75 endereços em nove estados e no Distrito Federal.
Entre os alvos das buscas estão quatro prefeitos, dois do Mato Grosso do Sul e dois de cidades de Goiás. Policiais também fizeram buscas em endereços de um funcionário do Ministério da Previdência suspeito de colaborar com as fraudes contra os fundos de pensão. A polícia teria feito ainda busca na casa de um deputado, informação que a polícia não quis comentar.
Com integrantes da suposta organização, a polícia apreendeu uma lancha de R$ 5 milhões, que estaria em nome do doleiro Fayed. Para um investigador, é a maior lancha da categoria no país. Foram apreendidos ainda duas Ferraris, um Lamborghini, um Mercedes e um Corvette, entre outros bens. As Ferraris, uma vermelha e outra preta, estariam avaliadas em R$ 1,6 milhão cada uma.
A organização, que atua desde 2009, é acusada de lavar cerca de R$ 300 milhões nos últimos anos. Além da movimentação e do dinheiro desviado dos fundos de pensão, integrantes do grupo ajudavam a incluir no mercado formal dinheiro da corrupção e até do tráfico de drogas. O foco dos negócios seriam os RPPS, fundos de pensão que acumulam hoje cifras de R$ 110 bilhões.
Para a delegada Andréa Pinho Albuquerque, coordenadora da operação, a investigação derrubou um grande esquema de corrupção, mas ainda assim ínfimo diante dos indícios da existência de outras quadrilhas que atuariam no mesmo ramo.
— Infelizmente, é ruim falar isso, mas nós pegamos apenas a ponta do iceberg — disse a delegada.
Pelas investigações da Polícia Federal e do Ministério Público do Distrito Federal, o grupo montou uma forte estrutura de corrupção de prefeitos. O grupo é acusado de pagar propina para prefeitos e gestores de fundos de previdência municipal investirem dinheiro na compra de títulos podres, em geral em nome de empresas de fachada.
O negócio sempre resultava em prejuízo para os fundos pela compra de títulos com valores acima de mercado. A polícia descobriu indícios de fraudes em fundos das prefeituras de Manaus, Queimados (RJ), Ponta Porã (MS), Murtinho (MS), Formosa (GO), Caldas Novas (GO), Cristalina (GO), Águas Lindas (GO), Itaberaí (GO), Pires do Rio (GO), Montividiu (GO), Jaru (RO), Barreirinhas (MA), Bom Jesus da Selva (MA) e Santa Luzia (MA).
Para driblar a fiscalização, o grupo fazia movimentações com empresas de fachada. Essas empresas eram fechadas e recriadas com nomes diferentes quando estavam na iminência de serem descobertas. O grupo teria usado pelo menos 33 empresas para movimentar dinheiro de origem ilícita.
— No futuro, esses fundos não terão dinheiro para bancar a aposentadoria dos servidores. Quem vai ter que pagar essa conta é a União — disse um delegado da PF.
Eduardo Lemos deixou a Cedae em 2004 em meio a série de denúncias de irregularidades. No ano seguinte, foi um dos alvos da CPI dos Correios. Ele teria sido indicado para o cargo na Cedae por Marcelo Sereno, um dos dirigentes do PT no Rio. Em nota, a Cedae diz que propôs duas ações “com a finalidade de ser ressarcida por prejuízos causados ao Fundo em virtude de atos por ele praticados”.
Em entrevista ao GLOBO, em maio, quando tentava recuperar os R$ 465 mil apreendidos com dois de seus emissários, Lemos desdenhou da quantia que tentava mandar para o Rio de Janeiro de forma camuflada. Para ele, os R$ 465 mil nem eram muito dinheiro.
— Meu relógio custou R$ 200 mil. Eu vim para cá num Porsche — afirmou à época.
No início da manhã de ontem, o nome de Eduardo Lemos apareceu na lista de presos da PF. Mas, no final da tarde, a polícia informou que ainda tentava prender o economista. (O Globo)