Greta Gerwig, a nova musa indie
– Em anos recentes, ela pôde ser vista em filmes de escopo modesto, encarnando personagens nada convencionais, como a doce faz-tudo de uma família de Los Angeles em “O solteirão” (2010), de Noah Baumbach, a dominadora universitária de “Descobrindo o amor” (2011), de Will Stillman, ou mesmo a americana exilada na Itália de “Para Roma, com amor” (2012), de Woody Allen. Mas é com “Frances Ha”, que estreia nesta sexta-feira (23) nos cinemas brasileiros, do qual é protagonista e coautora do roteiro, que Greta Gerwig está consolidando sua reputação de musa do cinema independente americano — e não se deixe enganar pelos apelativos títulos que seus filmes têm recebido no Brasil.
Eleito pela “Variety”, a bíblia do mercado de cinema americano, e pelo portal Indiwire como um dos dez melhores filmes do ano, “Frances Ha”, dirigido por Baumbach, descreve as desventuras de uma jovem californiana que chega a Nova York com o propósito de se estabelecer numa companhia de dança — mesmo sem demonstrar muito talento para a coisa — e enfrenta o inferno de aluguéis altos, relacionamentos falidos e um feroz e nada amigável mercado de trabalho. Filmado em preto e branco e conduzido por uma personagem bela, ingênua, melancólica e algo pretensiosa, “Frances Ha”, parece uma versão sem sexo nem glamour de um episódio de “Sexy and the city”.
E não poderia ser de outra forma, já que Greta nunca foi muito fã das comédias românticas tradicionais: seus dois filmes preferidos são “Brilho eterno de uma mente sem lembranças” (2004, de Michel Gondry) e “O segredo de Brokeback Mountain” (2005, de Ang Lee). Basta lembrar que, em uma das primeiras sequências do filme, Frances rompe com o namorado do momento — daí para a frente abre-se um mundo de descobertas, em que o amor não é, necessariamente, uma prioridade.
— Acho possível fazer bons filmes românticos, mas é deprimente quando nos damos conta de que o que vemos na quase totalidade das produções do gênero são mulheres preocupadas em se apaixonar, encontrar um namorado ou um marido, como se esse fosse o único objetivo na vida. “Frances Ha” não é um filme contra esse tipo de história, mas evitamos cair nessa perspectiva romântica — explica a atriz de 29 anos ao GLOBO, por telefone, num intervalo da longa turnê de promoção de sua cria, tarefa em que a coroa de rainha do cinema indie não parece pesar. — Ser considerada rainha de qualquer coisa me deixa lisonjeada. Nunca fiz planos de virar fenômeno de nada, ou abalar a cena artística, mas aceito como elogio ao meu trabalho.
Greta já era um nome ouvido no circuito “mumblecore”, movimento que começou no inicio da década passada, congregando cineastas independentes que faziam milagres com orçamentos baixíssimos, câmeras digitais e roteiros improvisados, em geral focados nas relações amorosas de jovens ingressando na vida adulta. Entre seus expoentes estavam diretores como Joe Swanberg (com quem Greta filmou “LOL” e “Hannah sobe as escadas”) e Jay Duplass (“Baghead”).
A atriz já colaborava com o roteiro desses realizadores, verdadeiras obras coletivas, mas considera “Frances Ha” como “o primeiro grande exemplo do tipo de texto que gostaria de desenvolver”. Por muito tempo, escrever, segundo ela, serviu para compensar inseguranças de uma então jovem aspirante ao mundo artístico.
— Comecei a escrever na faculdade, porque estava determinada a fazer parte do mundo do teatro e do cinema, de uma forma ou de outra. Fazia teatro técnico, dirigia, atuava, escrevia, fazia tudo o que fosse possível, pois não tinha confiança em meu talento como atriz, mas pensava que, se fosse boa em várias outras áreas, eventualmente acabaria sendo contratada por alguém — confessa. — Acho que “Frances Ha” é o mais profissional dos meus textos, é o mais bem estruturado, é cuidadoso com o uso da palavra.
Casamento profissional
Não deixa de ser curioso que a história de “Frances Ha” várias vezes se cruze com a trajetória de sua criadora e intérprete. Ambas nasceram e cresceram em Sacramento, na Califórnia, tiveram aspirações de se tornar bailarinas, e comeram o pão que o diabo amassou no início de carreira em Nova York. Até seus pais verdadeiros, uma enfermeira e um analista de sistemas, fazem uma ponta como os pais da protagonista.
— Mas Frances é um criação absolutamente ficcional — adverte a atriz. — Claro, usei coisas das minhas experiências pessoais em Nova York, e de meus relacionamentos afetivos e profissionais. Mas, confesso, tenho a sensação de que o destino de Frances, no filme, poderia ter acontecido comigo.
Ao menos no campo amoroso, a história de Greta parece ter tomado o caminho da de Frances, na direção de um final feliz. Quando começaram a planejar o filme, Greta e Baumbach já estavam namorando — no ano anterior, o diretor havia se separado da atriz Jennifer Jason Leigh, que, por ironia, foi musa do cinema indie nos anos 1990. Um terceiro filme dos dois, já rodado, ainda sem título, está a caminho. Mas o casal parece construir um casamento profissional aberto.
— Noah vai fazer um filme sem mim no elenco, e eu vou atuar em um outro projeto que não será dirigido por ele. Não somos exclusivos um do outro. Mesmo que a relação fique feia, ainda assim acho que continuaremos a trabalhar juntos — ri. — O trabalho é uma extensão do casamento. Alguns casais gostam de reformar casas juntos, nós gostamos de fazer filmes. (O globo)