Há 150 anos acabava a Comuna de Paris: “Primeiro exemplo da Ditadura do Proletariado” 

Revolução Comunista tomou conta da capital francesa em 1871, influenciando outras revoltas populares ao redor do mundo; mesmo que o episódio tenha terminado em massacre

Ana Elisa Camasmie
Uma barricada erguida pela Guarda Nacional em 18 de março de 1871
Uma barricada erguida pela Guarda Nacional em 18 de março de 1871 – Wikimedia Commons

“O primeiro exemplo da ditadura do proletariado”, foi desta maneira, segundo Jacques Rougerie cita no livro “Paris Libre” (2004), que Karl Marx e Frederich Engels descreveram a Comuna de Paris, quando um governo socialista revolucionário controlou a capital francesa em 18 de março de 1871.

Cansados da grande desigualdade social que pairava pela Cidade-Luz, operários, trabalhadores e diversas outras classes menos favorecidas iniciaram uma revolta popular.

Barricada na Rua Voltaire, após sua captura pelo exército regular durante a Semana Sangrenta/ Crédito: BHVP/Roger-Viollet/Wikimedia Commons

 

O levante, anos depois, influenciaria outras revoltas ao redor do mundo, como a Revolução de Outubro de 1917, na Rússia, segundo explica Jules Vallès em “Crônicas da Comuna” (1992). Entretanto, a Comuna de Paris duraria apenas 72 dias, cessando em 28 de maio de 1871.

O contexto

Os livros didáticos costumam dedicar pouco espaço à Comuna de Paris. Talvez porque esse seja apenas mais um dos tantos episódios revolucionários da história da França. Ou porque tenha sido um movimento popular, que não deixou uns poucos heróis, e sim muitos pequenos grandes homens.

Mas os ideais socialistas pregados pelo povo parisiense em 1871 influenciaram revoltas ao redor do mundo — incluindo a Revolução Russa de 1917. De Londres, o próprio Karl Marx, alemão que se tornou o principal teórico do comunismo, acompanhou a Comuna, exaltando os feitos dos operários, soldados, artistas, prostitutas e malandros.

Eram pessoas simples, cansadas da profunda desigualdade social e saudosas dos velhos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, como explica Heinz-Gerhard Haupt em “Die Pariser Kommune: Erfolg und Scheitern einer Revolution” (ou, “A Comuna de Paris: sucesso e fracasso de uma revolução”, em tradução livre), de 1979.

A Paris da segunda metade do século 19, já era conhecida como a cidade-luz. Havia passado por uma renovação urbanística que dera origem a grandes avenidas (chamadas de bulevares), bosques suntuosos e luxuosos palácios. Mas, para as camadas populares, a situação era bem diferente.

A miséria das periferias contrastava com a riqueza da elite. De acordo com Haupt, enquanto os pobres moravam em cortiços, os parisienses mais abastados viviam em Versalhes, subúrbio que no século anterior havia abrigado a realeza derrubada pela Revolução Francesa.

A celebração da eleição da Comuna, 28 de março de 1871/ Crédito: Wikiemdia Commons

 

Mas o tiro de Napoleão III saiu pela culatra. Após ser derrotado numa importante batalha, ele foi preso e destituído pelos franceses. Os mesmos políticos e militares que antes apoiavam o imperador acabaram com a monarquia e criaram uma república, conforme conta João Quartim de Moraes em “Guerra: Revolução e contra-revolução na França” (2011).

Comandado pelo general Louis-Adolph Thiers, eleito presidente do Conselho de Estado, o novo governo logo rendeu-se ao exército germânico de Otto von Bismarck. Era fevereiro de 1871. A França estava desarmada e vulnerável: a única força oficial ainda em operação era a Guarda Nacional, frágil demais para conter o exército prussiano.

Mas, na capital francesa, o clima não era de medo. Entre a população, predominava a revolta contra a submissão dos políticos, outrora nacionalistas, às forças inimigas.

Quando os prussianos chegaram às portas de Paris, o povo tomou conta dos canhões e, heroicamente, conseguiu ajudar a Guarda Nacional a repelir a invasão. Em março, em vez de serem recompensados pela bravura, os parisienses foram surpreendidos por um aumento de impostos e aluguéis.

A França contra Paris

Além de ser espremida financeiramente, a população foi destituída de suas armas. A pretexto de restaurar a ordem, o governo retomou a posse sobre os canhões das regiões parisienses de Montmartre, Chaumont e Belleville.

Em 18 de março, uma manifestação de protesto saiu às ruas. A ordem dada à Guarda Nacional foi sufocar o movimento com violência. Mas os soldados se recusaram a cumpri-la. Percebendo que eram tão humildes quanto os manifestantes, eles se uniram aos revoltosos.

Os generais Lecomte e Clément Thomas, comandantes da Guarda Nacional, foram aprisionados e fuzilados por seus ex-subordinados. Percebendo a extensão do levante, os defensores do governo fugiram para o isolamento de Versalhes, explica Pierre Milza em “L’année terrible: La guerre franco-prussienne” (2009).

Os batalhões da Guarda Nacional, então, se posicionaram em pontos estratégicos nos limites de Paris, enquanto barricadas eram erguidas nas ruas. Dessa vez, não era apenas para defender a cidade de ataques estrangeiros, mas para dar segurança a um novo governo. O poder agora era do povo. Nascia a Comuna de Paris.

Enquanto durou, a comunidade criada pelos parisienses promoveu mudanças radicais, em nome do comunismo e anarquismo, que então ainda andavam de mãos juntas. A separação entre Igreja e Estado foi instituída e os religiosos, encarcerados — alguns deles, fuzilados. A cobrança de aluguéis foi abolida.

Os palácios dos considerados traidores da pátria, exilados em Versalhes, foram saqueados. Monumentos que simbolizavam o poder de Napoleão Bonaparte e Napoleão III foram destruídos, como a coluna imperial da praça Vendôme, diz Joanna Richardson em “Paris sob a Siege” (1982).

Destruição da coluna Vendôme durante a Comuna de Paris/ Crédito: André Adolphe Eugène Disdéri/Wikiemdia Commons

 

Enquanto isso, o governo francês estabelecido em Versalhes pensava em como sufocar a Comuna. Segundo o armistício assinado com os alemães, a França não podia reunir mais de 40 mil soldados de uma vez.

Mas Thiers conseguiu fechar um acordo com Bismarck, que permitiu a mobilização de 170 mil soldados franceses para a retomada de Paris — boa parte deles eram prisioneiros de guerra que a Alemanha aceitou libertar.

Em 21 de maio, as tropas francesas invadiram Paris, dando início à Semana Sangrenta, em que nenhum dos lados fazia prisioneiros, mas sim inimigos eram assassinados a sangue frio.

Ao final, os homens de Thiers saíram vitoriosos. A Comuna de Paris seria liquidada em 28 de maio, tendo durado 72 dias e deixando um saldo de 35 mil presos, cerca de 20 mil mortos e uma capital arrasada, conforme aponta Prosper-Olivier Lissagaray em “Histoire de la Commune de 1871” (2000).

No fim da revolta, para rechaçar o exército francês que se aproximava, os próprios revolucionários acabaram ateando fogo em diversos edifícios, como o Hotel de Ville, onde os membros da Comuna tinham se reunido em assembléia.

Karl Marx, um dos inspiradores ideológicos da coluna, também sairia inspirado por ela. Diria que foi o primeiro exemplo da ditadura do proletariado. Mas achou que não foi dura o suficiente.

Ele acreditava que a Comuna poderia vencer se a ação dos revolucionários tivesse sido mais fulminante contra os opositores, estabelecido imediatamente o recrutamento em massa e centralizado as decisões num comitê revolucionário, segundo conta em “The Civil War in France” (1871).

Execução em massa de Communards/ Crédito: Bibliothèque historique de la Ville de Paris/Wikimedia Commons

 

Enfim, criado um Estado como Lênin criaria 46 anos depois. Não por acaso, levando muito a sério as lições de Paris e a análise de Marx. O caos e indecisão da liderança de 1871 inspiraria seu estilo autoritário e fulminante, que se mostraria vencedor.

Os anarquistas eram contra a ideia desse Estado provisório dos comunistas. Queriam o fim do Estado aqui e agora, não após a criação do novo homem comunista pela ditadura do proletariado. Por isso, no ano seguinte, a Primeira Internacional, organização mundial de comunistas e anarquistas, racharia entre os dois.

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