Hipnose trata da enxaqueca ao câncer

Recurso comum entre psicanalistas também pode ser usada por outros profissionais

Renata Coutinho

A odontóloga Edjany Sá usa o método em algumas de duas consultas

Controlar a dor, sangramentos, fobias. Manobrar a mente com estímulos que bloqueiam reações disparadas pelo corpo por doenças, por ferimentos, por tratamentos. Isso tudo é possível na aplicação da hipnose em benefício da saúde. No segundo dia, a série Hipnose desvenda as aplicações do sono terapêutico induzido. Ferramenta mais comum entre psicanalistas e psicólogos, a hipnose também pode ser usada por médicos, dentistas, fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais. Mas a formação hipnótica dos profissionais da saúde em Pernambuco ainda é uma barreira a ser vencida. Poucos têm a especialização para ofertá-la por aqui. Amanhã, último dia, será abordado como reprogramar a mente.As indicações para a hipnose são múltiplas, históricas e provadas cientificamente. Na medicina brasileira, foi a partir da II Guerra Mundial que a técnica ganhou ainda mais notoriedade entre os médicos. Histórias como a do anestesista da Força Expedicionária Brasileira, José Monteiro, apesar de parecerem fantasiosas aos leigos, são verdadeiras. Ele utilizava a hipnose no front para substituir a anestesia química ou para reduzir essas drogas. O transe também era usado para controlar sangramentos. No pós-guerra, Monteiro atuou em hospitais paulistas e escreveu um livro sobre a técnica na anestesia. Essa foi uma das provas que fizeram com que o Conselho Federal de Medicina (CFM) reconhecesse a hipnose como uma valiosa prática médica, na década de 90.

Vários outros estudos científicos, principalmente internacionais, na abordagem do câncer, na cardiologia, na gastroenterologia, na dependência de drogas, dores crônicas, como a enxaqueca, e Aids atestavam que, quando bem aplicado, o sono terapêutico é um grande aliado nos tratamentos dos doentes. Apesar de regulamentada e reconhecida para usos pelos médicos, a técnica ainda é mais comumente difundida entre os médicos do Sul e Sudeste.

Em Pernambuco, o Conselho Regional de Medicina (Cremepe) não tem informação de médicos que façam a hipnose aliada aos tratamentos convencionais de saúde. Sim, a técnica é subsidiária e não substitui remédios ou outras terapias, que devem acontecer de forma aliada. O vice-presidente do CFM, Emmanuel Fortes, não acredita que haja resistência dos médicos em relação à técnica. “O problema não envolve a técnica, mas a escolha do médico em utilizá-la. Em meio aos médicos acaba sendo mais comum entre psiquiatras. Mas não é difícil encontrar clínicos que a utilizem”, observou.

A auxiliar jurídica Estella Menezes, 23 anos, experimentou a hipnose emumhospital, mas aplicada por um psicanalista da família. Há alguns anos, ela sofreu umacidente combicicleta e foi levada às pressas para a emergência. Entre dor, medo e nervosismo, a psicanalista avisou ao médico que iria deixar Estella hipnotizada. “Ela me pediu para fechar os olhos e pensar em um lugar que eu gostaria de estar. Parecia um sonho. Não tinha dor. Não lembro nem do médico pontuando os ferimentos. Também não sei quanto tempo durou. Quando acabou já estava limpa, com 15 pontos e vacina antitetânica tomada”, relembrou.

Antes do CFM, foi o Conselho Federal de Odontologia (CFO) quem primeiro regulamentou o uso da hipnose nos consultórios odontológicos. Já na Lei 5.081de 14 de agosto de 1966 se permitia ao odontólogo “empregar a analgesia e a hipnose, desde que comprovadamente habilitado, quando constituírem meios eficazes para o tratamento”. Outra normativa do CFO, de 2008, deu mais direcionamentos ao uso da prática. No tratamento odontológico, as emoções costumam estar exacerbadas, muitas vezes por uma questão cultural/psicológica ou de continuidade de uma situação estressante herdada pelo indivíduo. Como muitas pesquisas mostram, mais da metade da população brasileira tem medo de ir ao dentista. Com isso, o que seria uma consulta rotineira torna-se um compromisso estressante e apenas curador, levando o paciente a procurar o dentista apenas quando sente dor. “Podemos usar métodos de hipnose para provocar uma melhor aceitação ao tratamento”, atesta a odontóloga Edjany Sá. Ela é uma dos cinco dentistas em Pernambuco habilitados para o uso da prática hipnótica nas consultas.

O interesse pela hipnose começou há 13 anos, quando a dentista ainda estava na faculdade. Aliada aos estudos universitários, aprendeu as manobras mentais na escola da Sociedade Pernambucana de Hipnose Médica. E se surpreendia a cada nova técnica que conseguia realizar na prática profissional, inclusive cirurgias sem anestesia. “É possível controlar salivação, controlar sangramentos, fazer analgesia e anestesia, além de controlar a fobia dos pacientes”, enumerou, sobre a possibilidade. Apesar disso, Edjany contou que são poucos os pacientes que se dispõe a ser hipnotizados na cadeira do dentista. O motivo: medo do desconhecido.

Na fisioterapia, área que mais recentemente regulou o uso, a hipnose é um relaxamento profundo, mas que não gera inconsciência ou o famoso sono. “Nossa prática é para tranquilizar o paciente para dar maior mobilidade e amplitude nos movimentos, mas sem dor”, explicou a hipnóloga e fisioterapeuta Márcia Araújo. Como a técnica é leve, os pacientes acabam nem percebendo esse tipo de hipnose.

Quando não é recomendada

Apesar dos benefícios atestados, há situação em que a hipnose não é recomendada: para os psicóticos. “De pronto, os esquizofrênicos e bipolares. Para esses, não é recomendado porque pode haver o estimulo de um surto”, disse o presidente da Sociedade de Hipnose do Estado de Pernambuco (Shepe), Reginaldo Rufino. Por isso, antes de aplicá-la, é preciso fazer uma avaliação do paciente.

Uma recomendação unânime é buscar profissionais com reconhecimento técnico e ético. “É Importante levantar informações sobre a conduta e a capacidade profissional do hipnólogo, pegar referências. Se não foi com a cara ou o jeito do profissional, o melhor é interromper o tratamento”, aconselhou o presidente do Instituto Brasileiro de Hipnologia (IBH) e psicoterapeuta Luiz Carlos Crozera.

Ele destacou ainda que os códigos de ética para a hipnose são regulamentos internos, não possuem peso de lei. “A regularização e fiscalização cabem aos conselhos federais, estaduais e regionais de Medicina, Psicologia, Odontologia, Fisioterapia e Terapia Ocupacional, que reconhecem a hipnose como ferramenta de trabalho no Brasil”, observa Crozera. Ele esclarece que profissionais que não forem dessas áreas precisam estar inscritos num Sindicato de Terapeutas e possuir licença e alvará emitido pela prefeitura da sua localidade.

Fonte: FolhaPE

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