Durante 2014 e 2015, num grande esforço pessoal meu e da Joana Monteleone, e com o apoio de mais três jovens pesquisadores (Felipe Amorim, Rodolfo Machado e Vítor Sion), produzimos uma pesquisa que em sua parte mais urgente foi publicada no livro “À Espera da Verdade”, lançado em março de 2016.

Para produzir esse livro, eu, pessoalmente, deixei de lado muita coisa muito importante para mim. Não lancei ainda a versão em livro da minha tese, por exemplo, muito porque gastei tempo e neurônios nessa pesquisa, que foi em boa medida incorporada pela Comissão Nacional da Verdade.

Para eu e Joana, que coordenamos a pesquisa, era muito evidente que havia semelhanças muito fortes entre o processo que levou ao golpe de 1964 e o processo que resultaria, um mês e meio depois, no golpe de 2016, no afastamento de Dilma Rousseff.

O livro teve uma repercussão bastante menor do que a que esperávamos. Mas agora, com a intervenção no Rio de Janeiro, com as garras militares se associando explicitamente ao golpe de 2016, talvez muita gente que resistia em associar os dois movimentos reveja suas posições.

Em agosto e setembro de 2016, véspera do impeachment no Senado, editamos também dois livros muito importantes: HISTORIADORES PELA DEMOCRACIA, organizado por Hebe Mattos, Tania Bessone e Beatriz Mamigonian, e AUTORITARISMO E GOLPES NA AMÉRICA LATINA, de Pedro Estevam Serrano.

Acresço, ainda, o livro GOLPES NA HISTÓRIA E NA ESCOLA (Cortez), organizado por André Machado, que busca articular essas questões também.

Creio que esses livros, em boa medida, explicam a força do passado e as forças do passado e do presente que atuaram em 2016.

Minha sensação é que as leituras do golpe de 2016 ainda pecam, em boa medida, por incorporarem muito timidamente o papel de aglutinação de forças que a memória e a história da ditadura militar tiveram na mobilização e na organização da derrubada de Dilma Rousseff. Cito, por exemplo, a já conhecida “coincidência” das manifestações verde-amarelas com datas marcantes da ditadura militar: houve manifestações em 15 de março (posse dos presidentes durante a ditadura), 31 de março (dia do golpe), 7 de Setembro, 15 de novembro (datas nacionais-militares por excelência) e 13 de dezembro (AI-5).

Há bastante sociologia, razoável filosofia política, algum direito constitucional e alguma ciência política tentando explicar o que estamos vivendo, mas a tendência geral (descontados, claros, muitos esforços particulares por aí) é de apagar o peso do passado no processo – uma prova a mais do alcance do grande acordo nacional que se seguiu à Constituição de 1988 e que preservou os militares e os banqueiros de qualquer crise institucional, fiscal ou mesmo de segurança pública.

No mais, é reorganizar, repensar e ampliar as nossas especialidades, incorporando os discursos afins em nossas análises, para que a gente não fale menos do que precisamos – e precisamos falar muito – nem aquém do podemos – porque temos de falar mais também.