Homens que perderam a visão por causa de ação da PM durante protestos receberão um salário mínimo e cesta básica emergencial do Estado

Os valores das indenizações ainda serão discutidos

Parentes dos homens que perderam parte da visão na ação violenta da Polícia Militar em repressão ao protesto contra Bolsonaro (sem partido) no Recife participaram, nesta quarta-feira (2), de uma reunião com o governo do estado na Procuradoria-Geral do Estado (PGE). As vítimas vão receber auxílio de um salário mínimo e uma cesta básica, de forma emergencial, enquanto não são definidos os termos da indenização.

Daniel Campelo, de 51 anos, e Jonas Correia de França, de 29 anos, precisaram passar por cirurgia depois de serem atingidos por balas de borracha atiradas pela PM. O ato, que era pacífico, pedia o impeachment do presidente da República, entre outros pontos, e ocorreu no sábado (29). Até esta quarta, o governo do estado não explicou de quem partiu a ordem para reprimir os manifestantes.

A reunião foi chefiada pelo procurador-geral do estado, Ernani Médicis, e pelo secretário de Justiça e Direitos Humanos, Pedro Eurico. Também participaram advogados que representam os dois homens feridos. O encontro ocorreu na sede da PGE, na Rua do Sol, a poucos metros de onde ambos foram atingidos pelos policiais.

Os dois homens sequer estavam no protesto quando foram pegos de surpresa pelo ataque dos PMs. O adesivador de táxis Daniel Campelo foi no Centro da cidade comprar material de trabalho.

O arrumador de contêiners Jonas Correia de França, por sua vez, voltava para casa depois de um trabalho temporário e, no momento que foi atacado, tinha na bicicleta um saco com carne moída, comprado a pedido da esposa. Fazia duas semanas que ele não trabalhava.

O valor repassado emergencialmente pelo governo do estado às vítimas não se trata e uma aposentadoria. O estado chegou a propor uma pensão vitalícia de um salário mínimo, mas o valor foi, inicialmente, descartado pelos advogados. As cestas básicas serão entregues às famílias a partir desta quarta-feira.

“Desde a terça-feira (1º), às famílias vêm recebendo, em casa, assistência psicossocial de profissionais do Centro Estadual de Apoio às Vítimas de Violência (Ceav), da Secretaria Executiva de Direitos Humanos”, disse a PGE, por meio de nota.

De acordo com o advogado Marcellus Ugiette, que representa a família de Daniel Campelo, não foram discutidas questões como valor de indenização.

“Ficamos acertados de que o estado vai, emergencialmente, levar uma cesta alimentar para as famílias, conceder um auxílio provisório de um salário mínimo para que eles possam pagar contas, água, luz, despesas médicas, e pedimos, também, que eles fossem encaminhados a uma unidade hospitalar especializada, e que tivessem um tratamento diferenciado. Não entrassem em filas, por exemplo, porque eles estão muito assustados”, afirmou Ugiette.

Outro problema discutido na reunião foi a falta de medicamentos específicos para o caso de Jonas Correia de França. Por não ser referência oftalmológica, o Hospital da Restauração não possuía os remédios necessários. A família precisou desembolsar cerca de R$ 150.

Segundo o defensor público Rafael Alcoforado, que representa Jonas, a família prefere não tratar de questões de indenização sem que a vítima esteja presente.

“Primeiramente, vamos tratar da questão do dispêndio com medicamentos no Hospital da Restauração, que não possuía esse medicamento e a própria família do Jonas estava tendo que arcar com esse custo, então nós vamos pedir que isso seja resolvido, que ele seja transferido para um hospital especializado na questão oftalmológica e que forneça os medicamentos que são necessários para ele. Sendo assim, a família não teria que arcar com as despesas”, declarou.

As duas vítimas foram internadas no Hospital da Restauração, mas são atendidas na Fundação Altino Ventura (FAV). Na terça-feira (1º), Daniel Campelo, um dia depois ter o olho retirado em cirurgia, deixou o hospital. Nesta quarta-feira (2), Jonas também passaria por uma cirurgia, mas, segundo a esposa de Jonas, a dona de casa Daniela Barreto de Oliveira, o procedimento foi suspenso.

G1 pediu à FAV informações sobre o estado de saúde do arrumador de contêiners, mas o boletim médico não havia sido divulgado até a última atualização desta reportagem.

“A prioridade da Defensoria, nessa reunião, é a questão da saúde e despesas imediatas do Jonas neste momento. A questão de uma eventual indenização pelo dano sofrido, pelo dano estético, por danos morais sofridos pelo Jonas, ficaria para um segundo momento. A gente está preocupado, neste momento, com a questão da saúde do Jonas”, disse o advogado.

‘Ele quer se recuperar’

Abalado, Daniel Campelo ainda não deu entrevistas sobre a violência sofrida. A única fala dele, ao G1, foi dizer que não deseja a ninguém o que está passando. O vigilante Júlio Campelo, filho da vítima, disse que o pai está triste e espera que o estado faça justiça.

“Querendo ou não, tudo era nas costas dele. Hoje em dia, ele se encontra na cama, vendo tudo acontecer, sem poder fazer nada. É muito difícil para ele. Ele quer se recuperar. Se levantar, voltar a ter, querendo ou não, a vida que ele tinha antes, e ele tem um desejo de justiça. Quer que o estado resolva essa situação, que é o mínimo que ele pode fazer”, disse Júlio.

A irmã de Daniel, Inês Campelo, afirmou que o adesivador de táxis teve a moral abalada.

“Daniel nunca participou de ato nenhum, de estar no meio de vandalismo. Sempre foi um homem do trabalho, de estar do trabalho para casa, nunca nem foi de estar na cidade [no Centro]. Isso abalou muito a gente, a moral de Daniel, porque muita gente falou que ele estava em protesto, e isso é mentira. Foi tirada a vista do meu irmão e a gente está aí, sofrendo as consequências”, declarou.

Fonte: Ricardo Antunes

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