Insaciáveis: entenda quando o desejo por sexo passa a ser uma dependência

Características da dependência de sexo são as mesmas de qualquer outro vício, diz especialista

Thais Borges

Ela quer gozar. Agora. Não importa o lugar, a forma como vai acontecer, nem com quem. Não vai descansar enquanto não conseguir. E, quando consegue, ela quer de novo. E de novo. Mais uma vez.

Também conhecida como Ninfomaníaca, ela é Joe, protagonista do filme de Lars von Trier que estreou este mês nos cinemas brasileiros. Mas ela pode ser confundida com a gerente de atendimento baiana Renata*, 25 anos.

“Se eu pudesse, faria  igual a refeição. Pelo menos três vezes por dia”. Renata namora há seis anos, mas nem sempre o namorado consegue acompanhar. “Queria ficar de 22h até 5h, fazendo direto, mas ele não aguenta. Ele fica cansado, mas, por mim, ficava a noite toda lá”.

Não se sabe, ao certo, quantas pessoas no mundo são como Joe ou Renata. A única estatística é de 1992, quando pesquisadores americanos concluíram que até 6% da população mundial é dependente de sexo: eles têm o chamado Impulso Sexual Excessivo.

Não é só gostar de sexo. Nem só gostar muito de transar, segundo o psiquiatra Marco Scanavino, pesquisador do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas e responsável pelo Ambulatório de Impulso Sexual Excessivo, ligado à Universidade de São Paulo (USP).

“Basicamente (a compulsão sexual acontece), quando fantasias, impulsos ou comportamentos sexuais passam a ocupar uma importância demasiada, bem como o tempo e a energia do sujeito, levando a sofrimento ou a prejuízos”.

Dependência
Apesar de todo o frisson do filme, chamar o transtorno de ninfomania não é muito bem aceito entre os médicos. “É ultrapassado e não é um termo médico”, afirma o psiquiatra Aderbal Vieira Júnior, do Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes (Proad) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Segundo ele, as características da dependência de sexo são as mesmas de qualquer outro vício: perda de controle, disfuncionalidade e empobrecimento. “A pessoa tem esse comportamento porque sente uma necessidade incontrolável. Depois, é disfuncional porque tende a causar problemas. E o empobrecimento é porque a pessoa perde repertório (nas relações)”.

Mas, engana-se quem pensa que a dependência de sexo se revela apenas nas relações a dois (ou mais). Segundo Scanavino, também caracteriza o impulso o consumo exagerado de material pornográfico, masturbação compulsiva e o uso da internet para sexo em excesso.

Se eu pudesse, faria  igual a refeição. Pelo menos três vezes por dia

O pesquisador alerta também que a dependência está mais ligada à qualidade do que quantidade. “O que é determinante são os sintomas que revelam uma perda de controle do comportamento, mais do que o número de parceiros”.

Mais homens
Além disso, encontrar uma ninfomaníaca é difícil. Segundo o psiquiatra Aderbal Vieira Júnior, a proporção chega a ser de uma mulher para cada 20 homens.

“Existe um fator evolutivo, que faz com que os homens procurem diversidade e as mulheres, qualidade. E tem o elemento cultural, porque o homem é o garanhão. Já a mulher com várias relações é vista como galinha”, argumenta.

Mas, diferentemente de Joe, que na telona diz ser “um ser humano terrível”, Renata não se deprime. “Dizem que sou doida, daí me pergunto se tenho problema”. Mesmo se questionando, ela nunca procurou tratamento – nem acha que precisa.

Para Renata, a dependência não atrapalha sua vida, exceto pelas brigas no relacionamento. “Não aceito ser rejeitada, daí, temos crises. Se ele não quiser, faço sozinha. Preciso fazer, senão, fico estressada”.

Já a representante comercial Luciana*, 48, baiana que mora em Belo Horizonte, vê no sexo uma maneira de fugir dos problemas. “É uma válvula de escape. Descarrego tudo. Pode ser problema no trabalho, em casa, financeiro…”. Solteira, ela não tem parceiro fixo. Daí, tem que se aliviar com algum amigo colorido.

Mas ela não descansa. Participa de uma rede social de swing (troca de casais) e costuma sair à noite com muito amor para dar.  “Eu gosto de cantar o homem. Quanto mais difícil, melhor. Quero sempre me superar”.

Como dependente, Luciana tem um sintoma comum de qualquer vício: tolerância. “(Acontece quando) nos entregamos a práticas sexuais cada vez mais intensas e frequentes, para ter a mesma sensação de prazer que havia no início”, afirma Scanavino.

Já o estresse de Renata é causado por abstinência. “É um mal-estar físico e/ou psicológico, quando tentamos diminuir ou evitar o sexo”.

 

Tratamento Contudo, o Impulso Sexual Excessivo pode ser tratado com psicoterapia. “A pessoa conta a história para entender como o comportamento sexual chegou nesse ponto”, diz Vieira Júnior. Segundo ele, a idade média de procura de tratamento é de 35 anos.

Nem sempre, porém, o Impulso Sexual Excessivo chega sozinho. Uma pesquisa do Ambulatório de Impulso Sexual Excessivo, liderada por Marco Scanavino, apontou que 72% dos participantes tinham outros transtornos, como depressão, ansiedade e até risco de suicídio. “Precisamos esclarecer que é mais uma questão de saúde do que de julgamento moral”, oberva Scanavino.

No entanto, mesmo quem admite a dependência tem dificuldade para enxergar que a condição afeta sua vida. “As pessoas têm necessidade de beber água, eu tenho necessidade de sexo”, diz o serígrafo Fernando*, 40, (conhecido no mundo do swing como o Negão Furacão). “Não estou fazendo mal a ninguém, não sou usuário de drogas”.

Para o sexólogo e antropólogo Ricardo Cavalcanti, o que não se pode é confundir o vício com promiscuidade. “Sexo ainda é tabu. É preciso dizer que sexo é uma coisa boa, mas é preciso saber com quem, quando e onde”.

O problema é quando o desejo vem de vez. “Já transei com minha coordenadora, no trabalho, e com minha vizinha de prédio. Já parei o carro na rua, à noite, e fiz no capô porque não aguentei”, conta o empresário Maurício*, 33.

E ele parece não conseguir se controlar mesmo. No meio da entrevista ao CORREIO, disse à repórter: “Sabe que só de ter essa conversa e escutar você, sem saber como você é, já fico imaginando coisas?”. Pois, caro leitor, qual a resposta adequada a uma declaração como essa? A opção escolhida foi, educadamente, dar a entrevista por encerrada.

*Nomes fictícios

Fonte: Correio

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