João Campos: “Nem sempre o mais novo tem as ideias mais novas”

Por Victoria Bechara*

João Campos foi eleito prefeito do Recife aos 27 anos, em 2020, após uma acirrada disputa contra a prima Marília Arraes — com quem já se reconciliou. Hoje, aos 30, é o prefeito mais jovem a comandar uma capital e também é o mais bem avaliado do país, com 81% de aprovação, segundo o instituto AtlasIntel. Ele ainda lidera com folga a corrida por um novo mandato na eleição deste ano, com mais de 60% nas pesquisas de intenção de voto. Não por acaso, é tido como uma das apostas da esquerda para voos mais importantes no futuro.

Embora desconverse sobre a possibilidade de tentar o governo do estado, aliados já dão a candidatura como certa — por isso, a vaga de vice em sua chapa para este ano é alvo do desejo de vários partidos, inclusive do PT.

À frente da capital pernambucana, destacou-se por ações na educação e pela implementação de programas sociais. Nas redes sociais, acumula milhões de seguidores. No Carnaval, viralizou ao platinar o cabelo em desafio proposto por internautas. Bisneto de Miguel Arraes e filho de Eduardo Campos, ex-governadores de Pernambuco, o prefeito é herdeiro de um dos mais longevos clãs do Nordeste.

Ele afirma que a renovação política é difícil e critica a transformação pela qual passou o Congresso nas últimas eleições ao dizer que parlamentares de pouca idade não trazem obrigatoriamente mais frescor à política. “Nem sempre o mais novo tem as ideias mais novas”, diz. Em entrevista a VEJA, João Campos, um dos caciques nacionais do PSB, fala das dificuldades da esquerda diante do bolsonarismo e afirma que a sigla não abre mão da vaga de vice de Lula em 2026.

Quais ações de sua gestão foram mais bem-sucedidas e se reverteram em alta popularidade?

Eu sou obcecado por resultado. O reconhecimento é fruto do trabalho. Fico muito feliz de saber que uma das áreas mais reconhecidas é a educação. Prometi que triplicaria o número de vagas em creche. Em quarenta anos foram abertas 6.500, mas eu entreguei 13.300 em apenas três anos e meio. Isso faz a diferença. Temos três grandes marcas: inovação, educação e infraestrutura social. Esses são os carros-chefe da gestão. Se as pessoas aprovam, é porque tem resultado chegando a elas.

Em 2020, a esquerda elegeu apenas quatro prefeitos em capitais (um do PSB, um do PSOL e dois do PDT). O desempenho será melhor neste ano?

Há desafios diferentes. O Brasil tem uma composição regional diferenciada e é difícil prever um resultado em nível nacional. Vivemos águas turbulentas na política. Não é um momento fácil, é de muito acirramento, em que é preciso defender a democracia. Aquele discurso de direita versus esquerda não representa mais a situação, o embate não é como lá trás. Hoje é muito mais sobre movimentos que são democráticos contra outros de viés autoritário. É preciso capacidade política para buscar mais unidade e menos divisão e assim podermos ter uma maioria democrática eleita.

A disputa entre esquerda e bolsonarismo vai se refletir, então, nas eleições municipais?

Reflete. Há crescimento da extrema direita nas democracias, não é específico do Brasil. Basta ver o que ocorre nos EUA, na Europa e na Argentina. Há ovos de serpente sendo nutridos no ventre democrático. Desde o fim da ditadura, o Brasil viu uma alternância de poder entre PT e PSDB. Eu era muito novo no período, mas arrisco dizer que há saudade de um tempo em que o embate era 100% no campo democrático.

O PT pleiteia a vaga de vice em troca de apoio. Como estão as tratativas para sua chapa à reeleição?

Há o tempo da política e há o tempo da sociedade. Muitas vezes a política tem pressa para construir isso. Eu quero formar uma frente. Foi assim que meu bisavô fez, foi assim que meu pai fez quando foi candidato a governador — montaram arcos amplos que representassem um conjunto de forças e de ideias. A consolidação disso ocorre no período das convenções. A construção da chapa majoritária se dá nesse momento, quando você consolida os partidos e consegue definir quem vai fazer parte dela. Não tem nome definido nem descartado.

A aprovação de Lula vem caindo no Nordeste, e a esquerda não é favorita em capitais importantes como Fortaleza e Salvador. Onde o governo federal tem errado na região?

É preciso entender como foi a eleição passada, um pleito apertado, um ambiente muito dividido. O presidente dá sinais institucionais muito nítidos da disposição dele de reconstruir o Brasil, mas ainda temos um país dividido. O cenário que Lula herda agora é muito mais desafiador que o de 2003. Na época, ele tinha uma estabilidade econômica, um ambiente completamente democrático e a tarefa de incluir o povo no Orçamento. Agora ele tem a necessidade de reconstrução da democracia e do Estado. Ministérios não tinham projeto e orçamento. O governo ainda está em um período de consolidação. O trabalho está sendo bem-feito e, naturalmente, será mais reconhecido com o tempo.

O senhor namora hoje a deputada federal Tabata Amaral, que é pré-candidata à prefeitura de São Paulo pelo seu partido. Há de fato pressão do PT para ela abandonar a campanha e apoiar Guilherme Boulos?

O próprio presidente deu uma entrevista falando sobre o direito e a importância de a Tabata ser candidata. O presidente nacional do PSB, Carlos Siqueira, e o presidente estadual, Márcio França, já expressaram isso. São Paulo está dentro das candidaturas prioritárias do partido, então esse é um debate já superado. Tabata terá total apoio para disputar a eleição. Ela sempre fez tudo muito bem-feito na vida e não entra para brincar.

O senhor é vice-presidente nacional do PSB. Considera que a legenda tem o peso que deveria no governo?

A presença e representatividade na gestão são algo dinâmico. Houve uma transição com a saída de Flávio Dino da Justiça e a ida de Márcio França para outra pasta. O partido já externou que achava que poderia ter alguma representatividade preservada nesse movimento, mas sempre reconhecemos a autonomia que o presidente tem. Ele precisa construir governabilidade, atrair cada vez mais partidos. Isso é natural do jogo político.

O governo está enfrentando dificuldade na articulação com o Congresso. Como o senhor vê isso?

Com Bolsonaro havia uma ausência de governo, não existiam políticas públicas federais estruturadas. E, como não existe vácuo na política, o Congresso preencheu esse espaço. A pauta econômica do governo Bolsonaro foi conduzida pelo Congresso, pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Depois, o Arthur Lira entrou com uma nova agenda. Então, quando você volta a ter um governo como o de Lula, é natural que haja uma acomodação de forças. Eu fui parlamentar e acho que é muito importante o Executivo passar pelo Parlamento, mas hoje há uma desproporção de forças. A transição precisa ser feita passo a passo para buscar não estourar a corda. Isso não se resolve do dia para a noite, há um caminho institucional longo pela frente.

Outra crítica que se faz ao governo federal é que ele atua como uma orquestra desafinada, sem alinhamento entre os ministérios. O senhor acha que há de fato um problema?

Um grande desafio de governo é garantir que ele funcione no dia a dia com as engrenagens azeitadas. É como se você estivesse alinhando e balanceando um carro enquanto ele está em movimento, muitas vezes acelerando. Enxergo isso como um exercício diário, tem que ter equilíbrio. Uma hora a gente vai estar um pouco mais organizado e, na outra, menos organizado.

Lula é apontado como candidato à reeleição em 2026. Não acha que falta uma renovação de quadros na esquerda?

Renovar a política não é simples. Primeiro, porque surge muito oportunista nessa construção. Vimos isso sobretudo na eleição de 2018, quando houve um movimento de desejo de renovação por parte da sociedade e apareceu de tudo. Nem sempre o mais novo tem as ideias mais novas. Eu vi o Congresso ser renovado com muita gente mais jovem, mas um pensamento muito mais atrasado do que os que tinham anos de mandato.

Há partidos que gostariam de ter a vaga de vice de Lula em 2026, como o MDB e o PSD. O PSB pode abrir mão da posição?

É importante lembrar a construção que se deu. Quando fizemos a composição em 2022, a gente estava falando de uma aliança estratégica, com a filiação de Geraldo Alckmin, uma grande figura brasileira. Ele foi responsável por dar uma cara de amplitude ao nosso campo na chapa presidencial. Alckmin materializava o desejo de uma frente ampla. O PSB precisa reafirmar que foi o maior partido a apoiar Lula na eleição mais difícil da vida dele. Na política você não pode olhar só fotografia do momento, você precisa olhar a trajetória. O PSB vai clamar por ser reconhecido. No tempo certo, isso vai ser discutido.

O senhor chama a atenção por sua estratégia nas redes sociais, onde o bolsonarismo nada de braçada. O que falta para a esquerda ter uma comunicação mais efetiva?

O ambiente de polarização está muito presente nas redes. Eu tento fazer uma comunicação não violenta, mais espontânea, leve e descontraída. Você precisa ser autêntico, ser quem você é, e não alguém que você cria. Também há um desafio grande no combate à desinformação na internet, um oceano sem dimensões, sem regras. Procuro fazer o meu trabalho com seriedade e mostrar muito o que eu faço. Faço questão de colocar a minha rotina de trabalho. Isso gera proximidade com a população. As pessoas querem ver ação. Não é sobre quem pauta o debate e quem responde, é sobre quem enfrenta os problemas verdadeiros.

Pretende tentar o governo do estado em 2026? 

Meu grande objetivo é construir a reeleição. O que estamos fazendo precisa ter continuidade. Meu foco é cuidar do Recife.

Mas, olhando para o futuro, há planos maiores?

Meu pai é minha grande referência. Foi governador de Pernambuco. Ele dizia que a gente tem que vencer um ano para entrar no outro. Meu objetivo é viver cada passo com dedicação plena. Penso na minha cidade o dia todo, trabalho como poucas pessoas. Fui eleito aos 27 anos, muita gente duvidava que o “menino”, como me chamavam, ia dar conta de cuidar de uma prefeitura do tamanho do Recife. Eu sabia que não tinha o direito de decepcionar. Hoje, fico feliz de ver esse reconhecimento, mas sei que ainda preciso me dedicar muito. Então, eu espero vencer em 2024 e, a partir daí, fazer o que meu pai me ensinou: viver um ano de cada vez.

*Jornalista da Veja

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