Juiz valida tese de Flávio Bolsonaro e aponta ‘grupo criminoso’ na Receita

 

Uma decisão da Justiça Federal no Rio de Janeiro apontou a existência de um “grupo criminoso” para realizar acessos irregulares a dados fiscais composto por servidores da Receita Federal, tese defendida pela defesa do senador Flávio Bolsonaro (PL) no caso da “rachadinha”.

O juiz José Arthur Diniz Borges, da 8ª Vara Federal, afirmou em sentença haver comprovação sobre a existência de “acessos privilegiados ao sistema da Receita”.

O magistrado responsável pela decisão já teve encontro com o Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto, em 2021, foi condecorado pelo ex-presidente em 2022 e absolveu Silvinei Vasques, ex-chefe da PRF (Polícia Rodoviária Federal), em ação de improbidade administrativa no ano passado.

Em nota, a Receita Federal afirmou que a decisão trata “de evento idêntico a outros que já foram objeto de apuração interna e se mostraram improcedentes”.

“De todo modo, a Corregedoria abrirá procedimento para apuração das questões levantadas”, diz a nota.

A sentença proferida por Borges não tem relação direta com o senador, filho do ex-presidente, mas vai ao encontro de sua tese defensiva. As vítimas do suposto grupo criminoso, de acordo com a decisão, seriam dois auditores que foram acusados de enriquecimento ilícito a partir de processo administrativa conduzido pela Corregedoria do órgão.

O processo apontou que denúncias anônimas enviadas ao Escritório da Corregedoria da 7ª Região Fiscal, no Rio de Janeiro, foram precedidas de acessos irregulares a dados fiscais dos servidores.

“Os fatos revelados demonstram a prática contumaz de montagem de cartas anônimas, a partir de acessos imotivados a dados sigilosos de servidores da Receita Federal, as quais eram utilizadas como base para instauração de processo administrativo”, afirmou o magistrado em sentença.

Um dos autores dos acessos considerados irregulares é o auditor Christiano Paes Leme Botelho, ex-chefe do escritório da Corregedoria da Receita no Rio de Janeiro. Ele foi citado pelas advogadas de Flávio Bolsonaro ao utilizar a tese defensiva sobre acessos ilegais no caso da “rachadinha”.

A tese defensiva de Flávio foi tema da reunião entre as advogadas do senador no Palácio do Planalto com o ex-presidente, o general Augusto Heleno (então chefe do Gabinete de Segurança Institucional) e o deputado Alexandre Ramagem, ex-chefe da Abin (Agência Brasileira de Inteligência).

A reunião de agosto de 2020 foi gravada por Ramagem. O arquivo foi apreendido e objeto de análise na investigação da suposta “Abin paralela”, conduzida pela no STF (Supremo Tribunal Federal). A suspeita é de que Bolsonaro mobilizou a estrutura da Receita e do Serpro para auxiliar a defesa do filho.

Na reunião, as advogadas afirmam ter indícios de que Flávio foi vítima da prática relatada por auditores fiscais alvos de processos administrativos baseados em denúncias anônimas.

Logo após a reunião, a Receita solicitou uma devassa em seus sistemas para tentar identificar acessos a dados fiscais do ex-presidente, de seus três filhos políticos, de suas duas ex-mulheres, da ex-primeira-dama Michelle e de Fabrício Queiroz, pivô da investigação.

A defesa do senador afirma que nunca teve acesso aos dados dessa devassa —tecnicamente chamada de apuração especial.

A Receita também mobilizou por quatro meses uma equipe de cinco servidores para apurar a acusação de origem ilegal da investigação contra Flávio. A investigação do Fisco concluiu pela improcedência das teses do filho do ex-presidente.

A comissão de servidores foi presidida por Diogo Esteves Rezende, que segundo documentos do processo integrava o Escritório de Corregedoria da 7ª Região Fiscal, exatamente o órgão chefiado por Botelho, acusado por Flávio de cometer ilegalidades.

Até então, decisões judiciais vinham validando os atos da Receita. O Grupo Nacional de Pareceristas da Receita elaborou um parecer afirmando que o Fisco abriu a investigação a pedido do senador com base em “ilações desprovidas de fundamento jurídico e sem nenhuma evidência ou prova objetiva”.

A sentença de Borges, porém, corrobora a tese. Ela afirma que “restou comprovado que os réus foram vítimas de um grupo criminoso que utiliza acessos privilegiados ao sistema da Receita Federal para instaurar processos disciplinares astuciosos com o fito de eliminar servidores desafetos”.

“Os auditores fiscais nominados na apuração especial, a incluir o Superintendente da Receita Federal na 7ª Região Fiscal e o chefe do Escritório de Corregedoria da 7ª Região Fiscal, utilizaram suas senhas funcionais privilegiadas para acessar as bases de dados sigilosas relativas aos réus e realizar intensas pesquisas dias antes da protocolização da carta anônima que deu origem ao processo administrativo”, afirmou o magistrado.

 

Italo Nogueira/Folhapress

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