Juíza pernambucana manda baixar os subsídios da prefeita, dos vereadores e dos secretários

A juíza de Ipojuca, Nahiane Ramalho de Matos deu provimento a uma Ação Popular ajuizada pelo advogado André Tadeu da Mota Florêncio e suspendeu liminarmente três leis municipais que reajustaram os subsídios da prefeita Célia Sales (PTB), dos vereadores e dos secretários municipais, sem respeitar a vedação legal que impede majoração de salário nos 180 dias anteriores à realização de eleições.

Leia a íntegra de sua decisão:

Cuida-se de AÇÃO POPULAR movida por ANDRE TADEU DA MOTA FLORENCIO em face da CÂMARA DE VEREADORES DE IPOJUCA/PE e do MUNICÍPIO DE IPOJUCA/PE, todos devidamente qualificados.

Aduz a parte autora, na petição inicial, que a parte demandada promoveu aumento do subsídio mensal dos seus vereadores, prefeito, vice-prefeito, secretários-municipais e secretários-adjuntos 180 (cento e oitenta) dias anteriores ao final dos seus mandatos, afrontando com isso o disposto no art. 21, parágrafo único, da Lei Complementar n. 102/2000, razão pela qual pede o reconhecimento do ato lesivo, a declaração de sua nulidade, bem como o deferimento de liminar suspendendo os efeitos deste aumento.

É o relatório. Decido.

Inicialmente, convém destacar que não obstante a inexistência de personalidade jurídica da Câmara de Vereadores de Ipojuca/PE, é admissível a sua alocação no polo passivo, diante da sua legitimidade passiva para, em juízo, discutir suas prerrogativas. Nesse sentido:

PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. COBRANÇA DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS DE VEREADORES. MANDADO DE SEGURANÇA IMPETRADO PELA CÂMARA MUNICIPAL. AUSÊNCIA DE PERSONALIDADE JURÍDICA. ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM.

  1. Mandado de segurança preventivo impetrado pela Câmara Municipal de Martins – RN, objetivando a abstenção de cobrança de contribuição previdenciária incidente sobre os subsídios pagos mensalmente aos vereadores do Município.
  2. A despeito de sua capacidade processual para postular direito próprio (atos interna corporis) ou para defesa de suas prerrogativas, a Câmara de Vereadores não possui legitimidade para discutir em juízo a validade da cobrança de contribuições previdenciárias incidentes sobre a folha de pagamento dos exercentes de mandato eletivo, uma vez que desprovida de personalidade jurídica, cabendo ao Município figurar no pólo ativo da referida demanda.
  3. Precedentes desta Corte: RESP 438651/MG, Relator Ministro JOSÉ DELGADO, DJ de 04.11.2002; e RESP 199885/PR, Relator Ministro GARCIA VIEIRA, DJ de 07.06.1999.
  4. Recurso especial provido.

(REsp 696.561/RN, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 06/10/2005, DJ 24/10/2005, p. 195)

Nesse trilhar, tenho que a discussão acerca de validade de ato privativo da Câmara de Vereadores gera a sua capacidade processual para defende-lo.

No que diz respeito ao pedido liminar, o ponto fulcral da presente demanda é saber se a regra contida no art. 21, parágrafo único, da Lei Complementar n. 101/2000 é aplicável à fixação do subsídio de vereadores, prefeito, vice-prefeito, secretários-municipais e secretários-adjuntos, face ao disposto no art. 29, V e VI, da Constituição Federal.

Pois bem. O art. 21, parágrafo único, da Lei Complementar n. 101/2000 estabelece que:

Art. 21. É nulo de pleno direito o ato que provoque aumento da despesa com pessoal e não atenda:

[…]

Parágrafo único. Também é nulo de pleno direito o ato de que resulte aumento da despesa com pessoal expedido nos cento e oitenta dias anteriores ao final do mandato do titular do respectivo Poder ou órgão referido no art. 20.

Já o art. 29, V e VI, da Constituição Federal prevê o seguinte:

Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos:

[…]

V – subsídios do Prefeito, do Vice-Prefeito e dos Secretários Municipais fixados por lei de iniciativa da Câmara Municipal, observado o que dispõem os arts. 37, XI, 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I;

VI – o subsídio dos Vereadores será fixado pelas respectivas Câmaras Municipais em cada legislatura para a subsequente, observado o que dispõe esta Constituição, observados os critérios estabelecidos na respectiva Lei Orgânica e os seguintes limites máximos: 

Analisando o art. 18 da Lei Complementar 101/2000, resta claro que despesa com pessoal também inclui gastos com mandatários eletivos, o que, por óbvio, inclui os vereadores, prefeito, vice-prefeito, secretários-municipais e secretários-adjuntos. Vejamos:

Art. 18. Para os efeitos desta Lei Complementar, entende-se como despesa total com pessoal: o somatório dos gastos do ente da Federação com os ativos, os inativos e os pensionistas, relativos a mandatos eletivos, cargos, funções ou empregos, civis, militares e de membros de Poder, com quaisquer espécies remuneratórias, tais como vencimentos e vantagens, fixas e variáveis, subsídios, proventos da aposentadoria, reformas e pensões, inclusive adicionais, gratificações, horas extras e vantagens pessoais de qualquer natureza, bem como encargos sociais e contribuições recolhidas pelo ente às entidades de previdência.

Nesse aspecto, calha destacar que inexiste incompatibilidade entre o art. 21, parágrafo único, da Lei Complementar n. 101/2000 com o art. 29, V e VI, da Constituição Federal, pois aquela não suprime esta, mas apenas limita.

Vale lembrar que o que não é admissível é a supressão de norma constitucional por norma legal, mas é plenamente possível a limitação de norma constitucional por norma legal à exemplo das normas constitucionais de eficácia contida e limitada.

Ademais, o art. 24, §1º, da Constituição Federal, estabeleceu a competência concorrente da União para legislar sobre Direito Financeiro, ou seja, compete à União estabelecer normas gerais e, por sua vez, compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local (art. 30, I, da CF), mas sem perder de vista as normas gerais fixadas pela União.

Nesse trilhar, o art. 21, parágrafo único, da LC n. 101/200 estabelece normas gerais de Direito Financeiro que devem ser observadas pelos Estados, Municípios, Distrito Federal e pela própria União.

Neste diapasão, verifico que as Leis Municipais n° 1.839/2016, 1.656/2012 e 1.655/2012 que aumentaram o subsídio dos vereadores, prefeito, vice-prefeito, secretários-municipais e secretários-adjuntos, foram publicadas 02 de setembro 2016, 10 de dezembro de 2012 e 11 de dezembro de 2012 respectivamente (conforme fls. 34/36 e 38/39), ou seja, nos cento e oitenta dias anteriores ao final do mandato, portanto, nula de pleno direito que é merece ser suspensa.

Ante o exposto, DEFIRO O PEDIDO LIMINAR constante nos autos e, por consequência, SUSPENDO OS EFEITOS FINANCEIROS DAS LEIS MUNICIPAIS N° 1.839/2016, 1.656/2012 E 1.655/2012, devendo o subsídio dos vereadores, prefeito, vice-prefeito, secretários-municipais e secretários-adjuntos de Ipojuca/PE ser pago no valor corresponde à legislatura anterior não atingida pela prescrição (2009/2012), conforme Leis Municipais n. 1508/2008 e 1509/2008, sob pena de multa no importe de R$ 100.000,00 (cem mil reais) a ser imposta pessoalmente ao respectivo Presidente da Câmara de Vereadores e Prefeito do Município de Ipojuca/PE, sem prejuízo da pratica de crime de desobediência e prática de ato de improbidade administrativa.

  1. a)Intime-se desta decisão pessoal e imediatamente o Presidente da Câmara de Vereadores de Ipojuca/PE e o Prefeito do Município de Ipojuca/PE;
  2. b) Intime-se desta decisão imediatamente a Câmara de Vereadores de Ipojuca/PE e o Município de Ipojuca/PE através de seu advogado/procurador;
  3. c)De modo a adequar o rito processual às necessidades da causa, deixo de designar audiência de conciliação/mediação (art. 139, VI, CPC e Enunciado n. 35 da ENFAM: “Além das situações em que a flexibilização do procedimento é autorizada pelo art. 139, VI, do CPC/2015, pode o juiz, de ofício, preservada a previsibilidade do rito, adaptá-lo às especificidades da causa, observadas as garantias fundamentais do processo”).
  4. d)Cite (m)-se a(s) parte(s) ré(s), com as advertências previstas no art. 250, II do CPC, para, querendo, apresentar(em) resposta(s) aos termos da inicial no prazo constante no art. 7º, § 2º, IV da Lei nº 4.717/1965 (vinte dias);
  5. e)Caso arguida preliminar, art. 337 do CPC, bem como fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do(s) autor(es), art. 350 do CPC, ou havendo juntada de documento(s) novo(s), intime-se a parte autora para, no prazo de 15 (quinze) dias, apresentar manifestação;
  6. f)Intime-se o representante do Ministério Público, consoante art. 7º, I, a, da Lei nº 4.717/1965;
  7. g)Após, voltem-me os autos conclusos.

Cumpra-se.

Ipojuca/PE, 24 de julho de 2018.

Nahiane Ramalho de Mattos

Juíza de Direito

Em consequência desta decisão, o salário da prefeita cairá de R$ 19.000,00 para R$ 14.500,00, o do vice-prefeito de R$ 9.500,00 para R$ 7.250,00, o do secretários municipais de R$ 14.000,00 para R$ 10.000,00 e o dos vereadores de R$ 10.000,00 para R$ .

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