Julio de Mesquita Filho defendeu desde 1925 a reforma do ensino
O jornalista inspirou a criação da USP, especialmente da Faculdade de Filosofia, ponto principal da mudança do sistema educacional
A Universidade de São Paulo (USP) nasceu, em 25 de janeiro de 1934, do ideal do jornalista Julio de Mesquita Filho, então diretor de O Estado de S. Paulo, que sonhava com a criação de um sistema universitário capaz de contribuir para a melhoria da educação no Brasil. Ele vinha pensando nesse projeto desde 1925, quando publicou o livro A Crise Nacional, em que abordava as deficiências do ensino em todos os níveis. Sugeria uma reforma total do ensino superior.
Veja também:
Linha do Tempo: Melhor universidade da América Latina, a USP completa 80 anos
Pesquisa do jornal em 1926 mostrou necessidade de criação da Universidade de São Paulo
Julio de Mesquita Filho e a opção europeia
Talvez o maior entre os franceses, Maügué é quase ignorado
“O principal problema com que lutamos, problema número 1, primacial do País, era, sem dúvida alguma, o do seu ensino superior”, advertiu o jornalista, ao comentar as conclusões de uma série de entrevistas que o professor Fernando de Azevedo fez em 1926 com personalidades de destaque sobre a situação do “aparelho cultural do Estado e a premência da solução desse grave problema pela fundação, em São Paulo, da primeira universidade brasileira.
O jornal abraçou essa causa, mas Julio de Mesquita Filho não conseguiu avançar logo para a realização de seu sonho, porque foi preso e exilado em Portugal, após a derrota da Revolução Constitucionalista de 1932. Ele fazia parte de uma comissão, formada pelo governo estadual, para preparar o projeto da futura universidade, trabalhando ao lado de Fernando de Azevedo, Raul Briquet e Lúcio Rodrigues. Julio e seu irmão Francisco Mesquita só retornaram da Europa dois anos depois, quando o presidente Getúlio Vargas decidiu aceitar uma nova Constituição e anistiou os adversários.
Numa tentativa de se aproximar dos paulistas, que o haviam apoiado na Revolução de 1930, Getúlio nomeou interventor de São Paulo o engenheiro Armando de Salles Oliveira, cunhado de Julio Mesquita Filho e acionista do Estado, que também havia sido mandado para o exílio. O interventor, mais tarde eleito governador pela Assembleia Legislativa, retomou o projeto da USP e criou nova comissão, avisando que pretendia assinar o decreto de criação da universidade no dia 25 de janeiro, aniversário de São Paulo.
Julio de Mesquita Filho integrava a comissão, ao lado de Fernando de Azevedo, Almeida Júnior, Fonseca Telles, Raul Briquet, André Dreyfus, Rocha Lima, Agelisan Bittencourt e Vicente Rao.
São Paulo tinha três grandes escolas de ensino superior – a Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, a Escola Politécnica e a Faculdade de Medicina – às quais se juntaram a recém-criada Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, a Faculdade de Medicina Veterinária, a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, em Piracicaba, e instituições complementares, como o Instituto Biológico e o Instituto Butantã. O núcleo era a Filosofia, na qual os fundadores concentraram seu trabalho.
Foto: Acervo/Estadão
Jovens talentos. Escolhido coordenador da comissão de fundação da USP, Julio de Mesquita Filho, que não era professor nem funcionário do governo, encarregou o professor Teodoro Ramos de buscar jovens talentos na Europa. Não eram grandes nomes ao desembarcar em São Paulo, em 1934.
E assim vieram Georges Dumas, contato de Teodoro Ramos na Europa, Claude Lévi-Strauss, Fernand Paul Braudel, Roger Bastide e Pierre Monbeig, numa equipe internacional que, além de franceses, incluía alemães, italianos e portugueses.
Julio de Mesquita Filho ajudou Teodoro Ramos a escolher os professores e lhe indicou Georges Dumas, da Sorbonne, seu conhecido havia muitos anos, para coordenar a seleção. Ficou amigo dos europeus quando chegaram a São Paulo. Convidava-os a se reunir em sua casa e discutiam juntos os rumos da recém-criada universidade. Essa amizade estendeu-se por muitos anos – alguns dos europeus decidiram continuar no Brasil, depois de cumprir o compromisso de três anos de permanência, conforme constava do contrato.
O jornalista conversava principalmente com Georges Dumas, de quem ouviu o conselho de que, em vez de contratar medalhões, a USP fazia bem em trazer jovens de talento que pudessem também se beneficiar de sua experiência no Brasil.
Seria o caso de Lévi-Strauss, que se tornaria um dos antropólogos mais influentes do mundo. Nascido em Bruxelas, em 1908, morreu em Paris, em 2009. Apesar de ser belga de nascimento, viveu na França, foi membro da Academia Francesa e considerado antropólogo, professor e filósofo francês. Fundador da antropologia estruturalista, escreveu sobre os povos indígenas do Brasil, que estudou em campo durante sua permanência na USP, entre 1935 e 1939. Ele também participava dos encontros na casa de Julio de Mesquita Filho.
“Ele, Julio, inspirara a criação da universidade e, especialmente, da Faculdade de Filosofia; ele dera a contribuição de suas relações pessoais e de seu prestígio, em 1934, para a composição do corpo docente de diferentes áreas”, escreveu Oliveiros S. Ferreira, professor aposentado da USP e ex-diretor do Estado.
A ênfase na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras tinha uma justificativa: os fundadores sabiam que ali seriam formados os professores para a execução da reforma do ensino.
Dessa unidade sairiam os formadores ideais para um modelo de educação exemplar. O trabalho começaria pelo aperfeiçoamento do ensino médio. “É de capital importância para as nacionalidades a organização de um ensino secundário capaz de suscitar valores e capacidades em condições de constituir uma sólida elite dirigente”, afirmou o jornalista no discurso de paraninfo da primeira turma da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, em 25 de janeiro de 1937.
Orgulho. Georges Dumas cumprimentou Julio de Mesquita Filho pelos resultados obtidos. “Contam vocês com uma das mais belas faculdades que se possa desejar, pois em nenhuma das faculdades da França existe um conjunto de professores igual àquele que representa atualmente nossa cultura em São Paulo”, disse o professor da Sorbonne.
Julio de Mesquita, o revolucionário constitucionalista de 1932, estava orgulhoso da obra de sua equipe. “Vencidos pelas armas, sabíamos que só pela ciência e pela perseverança no esforço voltaríamos a merecer a hegemonia que durante décadas desfrutaríamos no seio da Federação. Paulistas até a medula, herdamos de nossa ascendência bandeirante o gosto pelos planos arrojados e a paciência necessária à execução dos grandes empreendimento. Ora, que maior monumento poderíamos erguer aos que haviam consentido no sacrifício supremo para preservar contra o vandalismo que acabava de aviltar a obra de nossos maiores – das Bandeiras à Independência e da Regência à República – do que a Universidade?”, disse, durante o discurso de paraninfo.
O interventor e em seguida governador Armando de Salles Oliveira é hoje nome da Cidade Universitária. Seu principal colaborador para a execução do projeto foi homenageado pelo então governador Paulo Egydio Martins, em 1976, na criação da Universidade Paulista Julio de Mesquita Filho (Unesp), que se somou à Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) para se tornar a terceira universidade do Estado. Todas de excelente nível, como sonhava o jornalista.
Fonte: Estado de S. Paulo