Por Lauriberto Pompeu e Renata Agostini, em O Globo — Vivendo momentos diferentes na relação com o governo federal, os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), passam por fases também distintas na condução da sucessão das Casas que comandam, movimento que tem impacto direto em seus futuros políticos. Lira terminou a semana subindo o tom contra o ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais) e vem ampliando os gestos para a oposição, justamente por ter pela frente um cenário mais embolado para garantir um sucessor. Já Pacheco, que saiu em defesa de Padilha, vê caminho aberto tanto para emplacar o senador Davi Alcolumbre (União-AP) na cadeira que hoje ocupa como para ter o apoio do PT em uma candidatura ao governo de Minas Gerais em 2026.
Apesar de avançar com temas da oposição, como as restrições às “saidinhas” dos presos, a proposta que constitucionaliza a criminalização do porte de drogas e medidas de contenção ao Supremo Tribunal Federal, Pacheco age sempre alinhado com o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), e com os ministros Padilha e Fernando Haddad (Fazenda). Além disso, se reúne com frequência com Padilha, com quem Lira não fala desde o fim do ano passado.
Pacheco se distanciou de Bolsonaro em direção a Lula antes que o presidente da Câmara fizesse movimento semelhante. Exemplo disso são as eleições municipais. Em Belo Horizonte, a tendência é que haja disputa entre PSD e PT, mas nas cidades do interior Pacheco tem se empenhado em auxiliar o PT de olho no apoio do partido para a sucessão de Romeu Zema.
— Nosso projeto em Minas para 2026 é com a esquerda — diz o deputado Luiz Fernando Faria (PSD-MG), coordenador da bancada mineira no Congresso, ao tratar da tentativa de união com os petistas.
Prisão de Brazão
Na Câmara, Lira lida com a dificuldade de não ter formado o mesmo consenso que Pacheco criou com Alcolumbre. O nome visto como preferencial no Planalto é o do líder do PSD, Antônio Brito (BA), mas há dúvidas sobre a viabilidade.
Líder do União Brasil na Casa, Elmar Nascimento (BA), alinhado a Lira, vem tentando quebrar resistências no governo, enquanto o deputado Marcos Pereira (SP), presidente do Republicanos, tem ampliado o contato com o Executivo, ao mesmo tempo que não fecha as portas para o grupo do ex-presidente Jair Bolsonaro.
A votação na Câmara pela manutenção da prisão do deputado Chiquinho Brazão foi usada como teste pelos interessados na disputa pelo comando da Casa e evidenciou uma distância entre governistas e o grupo de Lira. O Palácio do Planalto se envolveu diretamente para garantir os votos necessários para impedir a soltura do parlamentar.
Já Lira evitou se posicionar publicamente sobre o assunto, mas Elmar liderou a articulação para tentar prolongar a prisão — a aliados, disse que a postura era necessária em nome das “prerrogativas parlamentares”. Na prática, o líder do União Brasil ganhou pontos com o bolsonarismo, que votou em peso pela soltura do parlamentar acusado de mandar matar a vereadora Marielle Franco.
— Quem tem posição na Casa se credencia. Ele marcou uma posição política — pontua o deputado Felipe Carreras (PSB-PE), que é do grupo próximo a Lira.
Para evitar uma “rebelião”, o presidente da Câmara conta com o poder de persuasão da “matemática”, diz um parlamentar do Centrão. Lira espera conquistar o apoio do PL, que tem 96 deputados, para depois, com os números em mãos, convencer o governo de que o melhor caminho é compor com ele em vez de correr o risco de referendar um nome com poucas chances de vitória.
Pautas diferentes
No início do ano, Lira agradou a oposição ao aceitar a indicação da bolsonarista Caroline de Toni (PL) para o comando da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e de Nikolas Ferreira para a Comissão de Educação, dois nomes que prometem ser pedra no sapato do governo ao longo do ano. O presidente da Câmara mantém contato com o ex-presidente Jair Bolsonaro — em janeiro, os dois tiveram uma conversa longa em Alagoas sobre a sucessão na Câmara e eleições. Em Maceió, Lira apoiará a reeleição do prefeito JHC, filiado ao PL de Valdemar Costa Neto.
Nas pautas, as diferenças entre Pacheco e Lira também vêm se manifestando. O presidente do Senado é a favor de mudanças na lei do impeachment, limitando o poder da Câmara de segurar os pedidos e usar como instrumento de pressão. O Senado também deseja acabar com a reeleição no Executivo e estabelecer a coincidência de eleições para todos os cargos eletivos, em um processo que também pode aumentar de oito para dez anos os mandatos de senadores, algo que tem a contrariedade dos deputados.
Na Câmara, há um entendimento que Pacheco tomou para si a regulação da Inteligência Artifical. No final de 2021, os deputados aprovaram um projeto que foi ignorado pelos senadores. Em vez disso, o presidente do Senado apresentou uma iniciativa de sua autoria, que é relatada por Eduardo Gomes (PL-TO) — a Câmara ainda avalia uma forma de ter a palavra final sobre o assunto.
Em relação ao projeto que regulamenta as redes sociais, Pacheco cobrou que o Congresso avance na responsabilização das plataformas após ataques do dono do X (antigo Twitter), Elon Musk, ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. Lira, por sua vez, evitou falar sobre o empresário e esfriou o debate ao criar novamente um grupo de trabalho.
‘Senhor democracia’
As rotas opostas entre Lira e Pacheco não são uma novidade em Brasília. No ano passado, os dois chegaram a cortar relações em meio à divergência sobre o rito de tramitação das Medidas Provisórias (MPs). À época, coube a Alcolumbre fazer a interlocução entre as partes, já que os comandantes da Câmara e do Senado sequer se falavam.
O eixo do conflito, na ocasião, era a intenção de Lira de passar a incluir nos colegiados que tratam das MPs uma proporção de três deputados para cada senador —a Constituição não prevê paridade absoluta, citando apenas uma “comissão mista”. Pacheco se opôs à iniciativa, que não prosperou.
Ainda com Jair Bolsonaro (PL) no Planalto, Pacheco foi uma voz mais contundente do que Lira ao contrapor os ataques do então presidente ao Supremo Tribunal Federal (STF) e às urnas eletrônicas. Incomodado com os constantes posicionamentos do chefe do Senado, Lira chegou a apelidá-lo, ironicamente, de “senhor democracia”.
Sinais trocados
Sucessão nas casas
A situação de Pacheco para eleger Alcolumbre seu sucessor é mais confortável que a de Lira. O presidente da Câmara tem o desafio de costurar o processo preservando seu capital político em meio a atritos com o governo. Ele espera o apoio do PL. Elmar Nascimento é o nome mais alinhado, mas outros deputados do Centrão estão no páreo pelo apoio de Lira.
Lei do Impeachment
Pacheco é a favor de mudanças na Lei do Impeachment, limitando o poder da Câmara de segurar os pedidos e usá-los como instrumento de pressão. Lira sinalizou que não deve levar adiante projeto na Casa. Um dos pontos estabelece um tempo limite de 30 dias para que o presidente da Câmara se posicione sobre pedidos de afastamento.
Fim da reeleição
Pacheco deseja acabar com a reeleição no Executivo e estabelecer a coincidência de eleições para todos os cargos eletivos, em um processo que também pode aumentar de oito para dez anos os mandatos de senadores. Arthur Lira evita o tema, mas defende a discussão sobre a adoção de um modelo de semipresidencialismo no país.