Lira veta frases pró-demarcação em ato indígena, mas permite mote de Alok
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), vetou frases em defesa da demarcação de terras e lemas que o movimento indígena pretendia projetar no Congresso Nacional, na noite desta terça-feira (23).
Lira autorizou que fosse projetado “o futuro é ancestral”, palavra de ordem do movimento que acabou virando o nome do novo álbum do DJ Alok.
Por outro lado, dentre as mensagens barradas, estão “demarcação é democracia”, “futuro indígena é demarcação já” e “o Brasil é terra indígena”, um dos mais conhecidos lemas do movimento.
Todas essas frases tratam da questão territorial e tem algum teor de crítica à lei do marco temporal —tese da bancada ruralista de quem Lira é aliado. Ele não autorizou nenhum lema referente a esse tema.
O movimento decidiu alterar algumas das frases barradas, mas manteve, por exemplo, motes pedindo a demarcação dos territórios, como “o Brasil é terra indígena”.
Procurado pela Folha, Lira, por meio de sua assessoria de imprensa, respondeu que vetou as frases por entender que elas vão contra uma lei aprovada pelo Congresso e que poderiam ser ofensivas.
“As fachadas dos edifícios da Câmara dos Deputados não podem ser utilizadas para projeção de qualquer conteúdo que conflite com a própria posição da Casa”, afirmou.
A lei do marco temporal foi aprovada pelo Congresso em uma reação direta do Legislativo ao STF (Supremo Tribunal Federal), que havia decidido contra a tese. Por esse entendimento, devem ser demarcados os territórios considerando a ocupação indígena em 1988, na data da promulgação da Constituição.
Para ruralistas, o critério serviria para resolver disputas por terra e dar segurança jurídica e econômica para indígenas e proprietários. Já indígenas defendem que seu direito às terras é anterior ao Estado brasileiro e, portanto, não pode estar restrito a uma data —esse também foi o entendimento do Supremo.
Em outubro, o presidente Lula (PT) vetou esse ponto da tese, mas a medida foi derrubada pelo Legislativo e a norma foi promulgada.
O presidente da Câmara também proibiu o movimento de exibir a palavra de ordem “aldear a política”, que se tornou um importante mote dos indígenas em busca de consolidar bancadas dentro da política nacional, estadual e federal, e foi usado como bandeira nas últimas eleições.
“Sobre ‘aldear’, o mesmo que ‘indigenizar’ a política, entende-se como termo com potencial de ofender outros espectros político-sociais não incluídos no referido grupo, considerando a pluralidade social representada pela Câmara dos Deputados”, completou o deputado, na nota.
As projeções são um dos três principais atos planejados durante o Acampamento Terra Livre, organizado pela Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), e que acontece até a sexta-feira (26), em Brasília.
“De fato, houve, sim, um corte, uma censura, de algumas frases. Nós substituímos essas palavras, até porque a nossa mensagem central é justamente trazer a opinião pública para a discussão em torno da tese do marco temporal”, afirmou o coordenador da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), Dinamam Tuxá.
“Isso abre um debate muito importante, tendo em vista que nós falamos de democracia, de liberdade de expressão. Na verdade, representa um processo de enfraquecimento da própria democracia. Nossas mensagens, em nenhum momento, afrontam o Congresso, o Executivo ou qualquer outro poder. Pelo contrário, reforçam o que está previsto no texto constitucional”, completa.
O acampamento tem como tema central a demarcação dos territórios e como uma de suas principais reivindicações, o freio em projetos do Congresso que atendem interesses da bancada ruralista.
O principal alvo é o marco temporal. Por isso, o lema do Acampamento Terra Livre deste ano é “nosso marco é ancestral”, crítica direta à tese ruralista. Na última segunda (22), o movimento lançou uma carta com reivindicações aos três Poderes.
Como mostrou a Folha, a insatisfação do movimento indígena não se limita, no entanto, ao Congresso —que entendem ser o principal motor das pautas do agronegócio e, portanto, de interesses contrários aos direitos dos povos.
As críticas vão também contra o governo Lula. O ponto alto da crise se deu na última quinta-feira (18), quando Lula demarcou duas novas terras indígenas, mas recuou de outras quatro.
Antes, no entanto, a relação já estava desgastada, o que fez com que o movimento indígena decidisse não convidar o presidente para o ato.
Além disso, lideranças criticam que a pauta indígena virou moeda de troca no Congresso, e veem que o governo não se esforçou para lutar contra a aprovação do marco temporal, nem pela manutenção de seus vetos.
Afirmam que o Ministério dos Povos Indígenas está sem força dentro da Esplanada, em comparação com outras pastas.
João Gabriel/Folhapress