Livro conta história política de Pernambuco

Guardado em dois volumes pelo cerimonial do Palácio das Princesas, livro de transmissão de cargo dos governadores revela curiosidades sobre os bastidores do xadrez político do estado

Tércio Amaral

arraes livro
Carlos Wilson Campos substitui Miguel Arraes no governo de Pernambuco em 1990 e assina o livro de posse como novo governador
Recife, 1º de janeiro de 1999. Com uma campanha vitoriosa, o então ex-prefeito do Recife, Jarbas Vasconcelos (PMDB), assume o governo de Pernambuco. O peemedebista toma posse no Palácio do Campo das Princesas após uma disputa marcada por duras críticas contra os ex-aliados, o então governador de Pernambuco, Miguel Arraes, que tentava a reeleição, e o seu neto, o secretário estadual Eduardo Campos, ambos do PSB. Na história, uma ausência: Arraes não só deixa de ir à solenidade como não assina o documento que passaria o comando do estado ao seu adversário. Rompimento que ficou na história, mas foi reforçado pela ausência de sua assinatura no livro de transmissão de cargo dos governadores de Pernambuco, guardado em dois volumes pelo cerimonial do palácio e cuja história o Diario teve acesso.

Este livro bem que poderia ser chamado de “livro de ouro” dos governadores de Pernambuco. Além do rompimento entre Miguel Arraes e Jarbas Vasconcelos, que teve fim após a reaproximação iniciada pelo ex-governador Eduardo Campos com o antigo desafeto do avô, em dezembro de 2011, o documento revela outras curiosidades. A tradição do livro de transmissão foi inciada pelo ex-governador José de Francisco de Moura Cavalcanti em 13 de julho de 1977. É nele que os governadores assinam quando assumem o comando ou, em caso de viagem para outro estado ou mesmo ao exterior, entregam à administração ao vice, ao presidente da Assembleia Legislativa ou ao presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco (TJPE).

O livro é tão importante para a administração pública de Pernambuco que, ao sair do estado, muitos governadores, sem tempo de ir ao Palácio do Campo das Princesas, assinam o documento na Base Aérea do Recife, na Imbiribeira, minutos antes do embarque. Com a assinatura, o livro volta ao palácio, onde fica aos cuidados da chefe do cerimonial, Ângela Mota, funcionária de carreira há 30 anos. Depois de liberado o acesso aos livros, aliás, Ângela acompanhou cada reprodução de imagem. A funcionária, que não gosta de dar entrevistas ou ser fotografada, resiste e tem até um certo apego ao documento, que nunca foi aberto ao público.

“Esses livros são mais que uma história. O governador que comanda Pernambuco neste momento assinou este livro. Se ele sair do estado, seu vice vai assinar. É um documento do Executivo de Pernambuco que diz quem é o governador”, comenta a funcionária. O cuidado de Ângela tem sentido. Além dos bastidores do poder nele registrados, os traços das caligrafias de ex-governadores e a agenda pública dos que comandam o estado desde a década de 1970 estão entre os testemunhos. Rotina e burocracia que podem passar por julgamentos, aos olhos da história de hoje. A leitura dos dois volumes revelam governadores que tinham uma agenda de compromissos “menos” ou “mais agitadas” ou mesmo aqueles que, já na máquina pública, preparavam seus futuros sucessores.

Esse é o caso dos registros sobre as gestões dos ex-governadores Marco Maciel (DEM) e José Muniz Ramos (ex-PFL). No período em que Maciel foi governador, entre os anos de 1979 a 1982, são inúmeros os registros de viagem do gestor a Brasília e outros estados, numa agenda intensa, materializando a imagem cunhada por aliados de que o democrata “não dormia”. Já no caso de José Ramos, não há qualquer registro de saída. Este último, vale salientar, governou o estado num mandato “tampão”, de curta duração entre maio de 1982 a março de 1983. Ramos, que era presidente da Assembleia Legislativa, assumiu quando Maciel e seu vice, Roberto Magalhães, eleito governador posteriormente, renunciaram os cargos.


Elegância e controle político
Os historiadores analisam a presença dos livros de transmissão no Palácio do Campo das Princesas sob dois viezes. A historiadora Mary Del Priore trabalha com a hipótese de que essa seria uma “migração” do hábito inglês de registro no livro de visitas. “A cada visita a uma grande casa são colhidas as assinaturas dos hóspedes ou visitantes. Getúlio tinha mania de memorabilia”, afirma Mary, reforçando os estudos do sociólogo pernambucano Gilberto Freyre sobre a herança da cultural inglesa no país. Professora do curso de história da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) Marcília Gama, por sua vez, reforça a questão política neste “hábito”, sobretudo após a Era Vargas, na década de 1930. “Quem começa a registrar essas entradas e saídas, através de livros, em repartições, é Getúlio. A ideia era reforçar o controle do estado, a centralidade do poder”, comenta. “Quando você institue livro de posses para fazer esses registros de quem comanda um estado, você, simbolicamente, materializa o poder do estado nas mãos de uma figura pública”.

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