Livro conta história política de Pernambuco
Este livro bem que poderia ser chamado de “livro de ouro” dos governadores de Pernambuco. Além do rompimento entre Miguel Arraes e Jarbas Vasconcelos, que teve fim após a reaproximação iniciada pelo ex-governador Eduardo Campos com o antigo desafeto do avô, em dezembro de 2011, o documento revela outras curiosidades. A tradição do livro de transmissão foi inciada pelo ex-governador José de Francisco de Moura Cavalcanti em 13 de julho de 1977. É nele que os governadores assinam quando assumem o comando ou, em caso de viagem para outro estado ou mesmo ao exterior, entregam à administração ao vice, ao presidente da Assembleia Legislativa ou ao presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco (TJPE).
O livro é tão importante para a administração pública de Pernambuco que, ao sair do estado, muitos governadores, sem tempo de ir ao Palácio do Campo das Princesas, assinam o documento na Base Aérea do Recife, na Imbiribeira, minutos antes do embarque. Com a assinatura, o livro volta ao palácio, onde fica aos cuidados da chefe do cerimonial, Ângela Mota, funcionária de carreira há 30 anos. Depois de liberado o acesso aos livros, aliás, Ângela acompanhou cada reprodução de imagem. A funcionária, que não gosta de dar entrevistas ou ser fotografada, resiste e tem até um certo apego ao documento, que nunca foi aberto ao público.
“Esses livros são mais que uma história. O governador que comanda Pernambuco neste momento assinou este livro. Se ele sair do estado, seu vice vai assinar. É um documento do Executivo de Pernambuco que diz quem é o governador”, comenta a funcionária. O cuidado de Ângela tem sentido. Além dos bastidores do poder nele registrados, os traços das caligrafias de ex-governadores e a agenda pública dos que comandam o estado desde a década de 1970 estão entre os testemunhos. Rotina e burocracia que podem passar por julgamentos, aos olhos da história de hoje. A leitura dos dois volumes revelam governadores que tinham uma agenda de compromissos “menos” ou “mais agitadas” ou mesmo aqueles que, já na máquina pública, preparavam seus futuros sucessores.
Esse é o caso dos registros sobre as gestões dos ex-governadores Marco Maciel (DEM) e José Muniz Ramos (ex-PFL). No período em que Maciel foi governador, entre os anos de 1979 a 1982, são inúmeros os registros de viagem do gestor a Brasília e outros estados, numa agenda intensa, materializando a imagem cunhada por aliados de que o democrata “não dormia”. Já no caso de José Ramos, não há qualquer registro de saída. Este último, vale salientar, governou o estado num mandato “tampão”, de curta duração entre maio de 1982 a março de 1983. Ramos, que era presidente da Assembleia Legislativa, assumiu quando Maciel e seu vice, Roberto Magalhães, eleito governador posteriormente, renunciaram os cargos.
Elegância e controle político
Os historiadores analisam a presença dos livros de transmissão no Palácio do Campo das Princesas sob dois viezes. A historiadora Mary Del Priore trabalha com a hipótese de que essa seria uma “migração” do hábito inglês de registro no livro de visitas. “A cada visita a uma grande casa são colhidas as assinaturas dos hóspedes ou visitantes. Getúlio tinha mania de memorabilia”, afirma Mary, reforçando os estudos do sociólogo pernambucano Gilberto Freyre sobre a herança da cultural inglesa no país. Professora do curso de história da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) Marcília Gama, por sua vez, reforça a questão política neste “hábito”, sobretudo após a Era Vargas, na década de 1930. “Quem começa a registrar essas entradas e saídas, através de livros, em repartições, é Getúlio. A ideia era reforçar o controle do estado, a centralidade do poder”, comenta. “Quando você institue livro de posses para fazer esses registros de quem comanda um estado, você, simbolicamente, materializa o poder do estado nas mãos de uma figura pública”.