Em abril de 2022, logo após a Rússia invadir a Ucrânia, dois homens chegaram à biblioteca da Universidade de Tartu, na Estônia. Eles disseram aos bibliotecários que eram ucranianos fugindo da guerra e pediram para consultar edições do século XIX de obras de Alexander Púchkin (1799-1837), o poeta nacional da Rússia, e Nikolai Gogol (1809-1852), pois queriam se candidatar a uma bolsa de estudos nos EUA. Ansiosos para ajudar, os funcionários concordaram. Os homens passaram dez dias estudando os livros.
Quatro meses depois, durante uma checagem anual do acervo, a biblioteca descobriu que oito livros que os homens haviam consultado haviam desaparecido, substituídos por fac-símiles tão fiéis que só olhos experientes poderiam diferenciá-los.
“Foi terrível” disse Krista Aru, diretora da biblioteca. “Eles tinham uma história muito boa”.
A princípio, parecia um caso isolado. Mas não foi. A Europol está agora investigando o que acredita ser uma série vasta e coordenada de roubos de livros russos raros do século XIX — principalmente primeiras edições de Púchkin — de bibliotecas em toda a Europa.
Cópias que iludem
Desde 2022, mais de 170 livros avaliados em mais de US$ 2,6 milhões (R$ 13,2 milhões), de acordo com a Europol, desapareceram de bibliotecas em Letônia, Lituânia, Alemanha, Finlândia, França, Suíça e República Tcheca. A biblioteca da Universidade de Varsóvia, na Polônia, foi a mais atingida, com 78 livros surrupiados.
Os livros valem de dezenas a centenas de milhares de dólares cada. Na maioria dos casos, os originais foram substituídos por cópias de alta qualidade que imitavam até mesmo as manchas — sinal de uma operação sofisticada.
O desaparecimento de tantos livros do mesmo tipo em tantos países em um período relativamente curto não tem precedentes, disseram os especialistas. Os roubos levaram as bibliotecas a aumentar a segurança e colocaram os comerciantes em alerta máximo sobre a procedência dos livros russos.
De acordo com a Europol, as autoridades prenderam nove pessoas em conexão com os roubos. Quatro delas foram detidas na Geórgia no final de abril, juntamente com mais de 150 livros. Em novembro, a polícia francesa colocou três suspeitos sob custódia. Outro homem foi condenado na Estônia e um quinto suspeito está preso na Lituânia.
Quadrilha
As autoridades por trás da Operação Púchkin pintam um quadro de uma rede de associados, alguns parentes de sangue, viajando pela Europa de ônibus com cartões de biblioteca, às vezes sob nomes falsos, para procurar livros russos raros, fazer cópias de alta qualidade e depois trocá-las pelos originais, conforme revelam os arquivos do caso analisados pelo New York Times.
Os preços dos livros publicados durante a vida da Santíssima Trindade dos escritores românticos russos — Púchkin, Gógol e Mikhail Lérmontov — aumentaram drasticamente nos últimos 20 anos, acompanhando o aumento da riqueza dos colecionadores russos. É um mercado pequeno, com relativamente poucos livros e colecionadores que geralmente têm uma lista das obras que desejam, dizem os negociantes.
As sanções ocidentais impostas após a invasão da Ucrânia pela Rússia proíbem os comerciantes do Ocidente de vender para residentes da Rússia, alimentando um mercado paralelo existente para livros raros. Nesse mercado, as vendas geralmente são conduzidas de forma privada por intermediários, com transações em dinheiro que são difíceis de rastrear, dizem os negociantes. As bibliotecas são alvos fáceis para os ladrões porque têm o objetivo de servir ao público; muitas vezes, elas não têm a mesma segurança que os museus e outras instituições com obras valiosas.
“É fácil saber quais livros as pessoas querem, seus valores e, sim, obtê-los” disse Pierre-Yves Guillemet, negociante em Londres especializado em livros raros russos.
Guillemet e outros negociantes disseram que seria improvável que os livros russos roubados de bibliotecas europeias aparecessem em leilões oficiais no Ocidente. A Liga Internacional de Livreiros Antiquários, uma organização comercial, listou muitos dos recentes roubos de bibliotecas em uma lista em seu site.
Angus O’Neill, vice-presidente e diretor de segurança do grupo, disse que a organização estava em contato regular com a Europol para informar seus membros sobre os roubos.
“Os livreiros são aconselhados a serem cautelosos”, escreveu a Biblioteca Estadual de Berlim no Registro de Livros Perdidos, listando os cinco livros russos que haviam sido surrupiados, com um valor total de seis dígitos.
Absorver tantos volumes roubados no mercado relativamente pequeno de livros russos pode ser difícil.
“Mas esses são os livros mais famosos da Rússia” disse Guillemet. “São atraentes não apenas para colecionadores experientes, mas também para ricos que os veem como troféus”.
A Europol disse que alguns dos livros roubados já haviam sido vendidos por casas de leilão em Moscou e São Petersburgo, na Rússia, “tornando-os efetivamente irrecuperáveis”. A agência não revelou quais livros, citando a investigação em andamento.
França precavida
Atualmente, solicitar uma edição antiga de Púchkin do século XIX na sala de livros raros da Biblioteca Nacional da França atrai olhares nervosos dos bibliotecários e pedidos rápidos de mais informações sobre os motivos do leitor. No ano passado, ladrões roubaram oito livros do autor e um de Lermontov, com um valor total estimado em US$ 696.500 (R$ 3,5 milhões), um dos maiores roubos da biblioteca na era moderna.
O padrão era mesmo dos outros roubos. Um homem apareceu durante meses para consultar livros russos raros. Quando os bibliotecários perguntaram a natureza de sua pesquisa, ele alegou não falar francês ou inglês. Os bibliotecários duvidaram, mas acabaram lhe dando acesso. O homem supostamente roubou os livros, possivelmente escondendo-os na tipoia de um braço enfaixado. Ele os substituiu por cópias de tão alta qualidade que os bibliotecários não descobriram o furto por meses.
A biblioteca agora mantém seus livros russos da Era de Ouro em seu setor mais protegido, juntamente com seus títulos mais raros — incluindo uma Bíblia de Gutenberg.