Lolita: Alcoólatra, homossexual e brigão que fez história pelas ruas do Recife

Por João Alberto Martins Sobral — Ivo Alves da Silva era seu nome de batismo. O nome Lolita foi inspirado num personagem de um filme chanchada brasileiro e de um folheto de cordel que leu e decorou e costumava declamar nas ruas. Adorava o apelido.

Lolita é tema de livro que o acadêmico Cícero Belmar está terminando e de uma série de reportagens que o jornalista Rafael Rocha assinou. Tive a oportunidade de entrevistá-lo quando começava minha carreira de repórter e cobria vários setores, inclusive o policial. Lembro que ele me confessou que adorava os repórteres policiais, porque tornavam ele uma estrela de primeira grandeza.

Foi violentado sexualmente quando criança, estigmatizado pelo pai e tornou-se rebelde, alcoólatra e consumidor de maconha. Tinha alguma cultura, sabia ler muito bem, concluiu o ginásio em Nazaré da Mata e depois estudou com um padre em Limoeiro.

Foi com a família para São Paulo, mas não suportou o frio. Decidiu vir para o Recife, com 22 anos. Sem ninguém na cidade, foi viver nas ruas do Recife Antigo, que era a zona de meretrício da cidade, frequentada por gente conhecida, políticos, policiais, jornalistas, escritores. Na época, é bom lembrar, não existiam os motéis.

Rua do Bom Jesus, no Recife antigo

Era um bebedor diário, homossexual assumido e arruaceiro brigão. Aprendeu a cozinhar e quando sóbrio comandava a cozinha das pensões da região. Seus pratos eram elogiados.

Fez muito sucesso entre os estudantes de Engenharia e de Direito, cujas faculdades eram vizinhas, nas ruas do Riachuelo e do Hospício. Ia sempre lá, fazia a festa dos jovens, que sempre lhe davam algum dinheiro, que usava para comprar comida, cachaça e maconha. Gostava de cantar e dava, literalmente, um show imitando Ângela Maria de quem era fã: “Será que eu sou feia?”:” Não é não, senhor!” E ele: “Então eu sou linda?” E os estudantes e boêmios dos bares: “Você é um amor!”

Não foi, digamos, um tipo comum. Representava nas ruas da cidade a explosão das contradições sociais do nosso país, que já eram fortes na época em que viveu. Jamais demonstrou infelicidade pela vida que levava, costumava dizer que adorava morar no Recife Antigo. Um dos lugares preferidos era a “Galerias”, onde sempre encontrava alguém para pagar seu maltado e bolinho cubano.

LZ 127 Graf Zeppelin estacionado no prédio do Galerias

Com a polícia não teve uma relação cordial. Era perseguido, odiado, mas também acolhido e protegido por muitos policiais. Apesar de pequeno e franzino era corajoso valente, ninguém queria brigar com ele. Muitas vezes enfrentou vários policiais da Rádio Patrulha, famosa pela força dos seus integrantes.

Um caso ficou famoso, mostrado pelo Diario da Noite, Ele estava em frente de um lotado Bar Savoy, na Avenida Guararapes, bêbado e fazendo arruaça. Chamaram a policia e apareceu um camburão, com cinco policiais. Tentaram deter “Lolita” na base da violência, não conseguiram e tiveram que chamar reforço. Depois de apanhar muito dos 10 policiais, e completamente ensanguentado encarou um deles com o cassetete na mão e gritou “Bate, bate neste corpo que já foi teu””.

O PM parou de bater depois de ver que todos os bebedores do Bar Savoy estavam vaiando ele. Naquela vez, Lolita não foi, como em inúmeras outras vezes, preso. Costumava andar com uma pequena faca, mas não se conhece que ele a tenha usado numa briga. Como também nunca roubou, sempre encontrava alguém para lhe dar comida, roupas, lugar para dormir,

No final da vida, deixou o Recife Antigo e foi abrigado na Pensão Jaú, que era famosa no Pina. Desapareceu nunca se soube quando e com idade morreu, deixando um nome marcante na vida boêmia do Recife.

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*João Alberto Martins Sobral é jornalista e editor da coluna João Alberto no Social 1, no JC

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