“A introdução alimentar dele se deu aos seis meses, através da ajuda de um profissional. Eu comi muito saudável durante a gravidez. Hoje ele ama ovos, cuscuz, aipim, pão. Iogurte, frutas. Eu gosto de lhe oferecer refeições bem coloridas, trazendo os cinco grupos alimentares no prato”, explica a jornalista.
Ultra processados como biscoitos recheados, salgadinhos, barras de cereais, macarrão instantâneo, sopas de pacote e sorvetes já fazem parte da realidade da maioria das crianças e adolescentes de todo o país. Cerca de 92,1% de crianças do Nordeste de 2 a 5 anos consomem produtos desse tipo, segundo Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil (ENANI) 2019.
Alimentos ultraprocessados são formulações industriais feitas tipicamente com cinco ou mais ingredientes e, com frequência, incluem substâncias e aditivos como açúcar, óleos, gorduras e sal, além de antioxidantes, estabilizantes e conservantes.
No Brasil, o consumo desses produtos entre crianças dessa faixa etária foi de 93%. A ingestão exagerada e prevalência desses produtos nos hábitos alimentares desse público, não é recomendado pelo Ministério da Saúde, e foi maior que entre o público de 6 meses a 1 ano e 10 meses (80,5%).
A nutricionista Inês Serrat Dourado vê o assunto como urgente já que muitas doenças podem ser desenvolvidas com o consumo exagerado de ultraprocessados, e as crianças são as mais impactadas com a mudança desses hábitos.
“O consumo regular desses produtos pode levar à obesidade infantil, porque eles são hipercalóricos, o que contribui para promover o ganho de peso. Já a obesidade infantil, está associada a um risco maior de desenvolver doenças como diabetes tipo 2, hipertensão e até mesmo problemas cardíacos, além de causar problemas à autoestima e a saúde mental das crianças, o que pode levar a um quadro de depressão”, disse a especialista.
Além dos problemas de saúde, o consumo exacerbado de ultraprocessados pode impactar no sistema neurológico das crianças, e consequentemente no funcionamento e desenvolvimento físico desse público.
“Uma dieta rica em ultraprocessados pode resultar em deficiências nutricionais, o que pode comprometer o desenvolvimento físico e cognitivo das crianças. Outro ponto crítico é a questão dos problemas digestivos. A ausência de fibras nesses alimentos pode causar constipação e outros problemas. Uma alimentação pobre em fibras afeta negativamente a microbiota intestinal, que desempenha um papel fundamental na saúde geral do organismo”, continua a nutricionista.
O Ministério da Saúde recomenda que não sejam oferecidos alimentos ultraprocessados nos dois primeiros anos de vida da criança. Foi assim também com o Joaquim Campos de Xavier. O primeiro produto do tipo que ele experimentou foi um brigadeiro.
“Inclusive, até dois anos e meio ele não havia consumido nenhum tipo de açúcar. Com dois anos e oito meses, ele comeu o primeiro brigadeiro, que foi no dia das crianças. Ele ficou curioso e disse, mamãe, eu quero experimentar pra sentir o gosto do granulado. Sempre levo as marmitinhas dele para os aniversários e festas, porque ele só consome brigadeiro e bolo”, explica a mãe do Joaquim.
Por outro lado, o consumo de frutas e hortaliças entre crianças de 2 a 5 anos também preocupa especialistas da área de saúde. No Nordeste, a prevalência desse indicador foi de somente 30,2%. Em nível nacional, o indicador foi de 27,4%.
Causa do alto consumo
O principal fator para que o consumo de ultraprocessados entre crianças e adolescentes esteja tão alto, segundo Inês, está associado ao espaço dado à publicidade desses produtos nos principais veículos e plataformas de consumo de massa.
“A forte presença de marketing direcionado a crianças e adolescentes cria um apelo emocional e influencia nas escolhas alimentares. Comerciais de TV, anúncios online, personagens de desenhos animados e brindes nas embalagens são estratégias utilizadas para atrair, fazendo com que alimentos ultraprocessados pareçam mais atraentes e desejáveis”, explica a profissional.
A nutricionista também atribui à rotina apressada daqueles que têm crianças e adolescentes, e por isso, o alternativismo proporciona uma alimentação ‘mais facilitada’. A mãe do Joaquim conseguiu perceber isso, e além de dedicar um tempo à preparação da alimentação do filho, também aplicou uma rotina alternativa na vida do pequeno para que a publicidade não o influenciasse negativamente.
“Em casa, 90% do tempo é zero tela, porque eu fico com ele, prefiro brincar, descer para a área verde, onde temos uma hortinha, plantamos e brincamos. Preenchemos o tempo dele para não dar espaço para a TV entrar. A casa da avó é o lugar onde ele tem acesso à tela, mas lá, ela coloca o desenho certo, então ele não tem muito essa influência dos veículos, da TV, ou dos influenciadores digitais. Ele ainda não conhece, então isso facilita muito o processo”, explica a jornalista.
Como frear o consumo?
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) determinou a estratégia de incluir lupas em rótulos de produtos que possuem alto teor de sódio, gordura saturada, açúcar adicionado para, além de informar, conscientizar os consumidores. A medida já era comum entre diversos países da América Latina, como o Chile, Argentina, Uruguai, Colômbia, Venezuela, Peru e Bolívia.
A nutricionista Inês Serrat Dourado ressalta a importância de visibilizar essas informações para o consumidor, mas alerta que deve ser feita uma conscientização maior entre as pessoas. Para ela, investir na educação à população sobre os riscos do consumo de ultraprocessados é fundamental.
“Para frear o consumo excessivo de ultraprocessados, os órgãos de saúde podem investir na exigência de rotulagem clara dos produtos e na regulamentação da publicidade, especialmente para crianças. Acho necessário também implementar impostos sobre ultraprocessados e oferecer subsídios para alimentos saudáveis pode não incentivar o consumo desses produtos e tornar alimentos frescos mais acessíveis.
Recentemente, o Congresso Nacional excluiu os ultraprocessados do imposto seletivo, conhecido como ‘imposto do pecado’. O mecanismo foi criado para tributar produtos prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, como o cigarro e a bebida alcóolica.
A não inclusão causou reação entre especialistas e figuras ligadas à alimentação saudável, com a campanha “Manifesto por uma reforma tributária saudável: Imposto Seletivo para Produtos Ultraprocessados”.
“É preciso também promover ambientes alimentares saudáveis em escolas e comunidades, trabalhar com a indústria para reformular produtos, lançar campanhas de sensibilização, apoiar a agricultura local e desenvolver políticas públicas focadas na promoção da saúde”, finalizou.