Mais de 92% das crianças do Nordeste consomem ultraprocessados

Ultraprocessados já fazem parte da realidade da maioria das crianças e adolescentes de todo o país

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Aos 4 anos de idade, Joaquim Campos de Xavier, já sabe exatamente quais os seus alimentos favoritos. Ovo, cenoura, beterraba e maracujá estão entre os top 5 do pequeno. Ele também já sabe os benefícios de cada coisa que consome no dia a dia, e o que não sabe, pergunta a mãe, Edla Maiara Campos Xavier, que foi bem incisiva em sua educação alimentar.

“A introdução alimentar dele se deu aos seis meses, através da ajuda de um profissional. Eu comi muito saudável durante a gravidez. Hoje ele ama ovos, cuscuz, aipim, pão. Iogurte, frutas. Eu gosto de lhe oferecer refeições bem coloridas, trazendo os cinco grupos alimentares no prato”, explica a jornalista.

Joaquim Campos de Xavier, 4 anos
Joaquim Campos de Xavier, 4 anos | Foto: Divulgação

Ultra processados como biscoitos recheados, salgadinhos, barras de cereais, macarrão instantâneo, sopas de pacote e sorvetes já fazem parte da realidade da maioria das crianças e adolescentes de todo o país. Cerca de 92,1% de crianças do Nordeste de 2 a 5 anos consomem produtos desse tipo, segundo Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil (ENANI) 2019.

Alimentos ultraprocessados são formulações industriais feitas tipicamente com cinco ou mais ingredientes e, com frequência, incluem substâncias e aditivos como açúcar, óleos, gorduras e sal, além de antioxidantes, estabilizantes e conservantes.

No Brasil, o consumo desses produtos entre crianças dessa faixa etária foi de 93%. A ingestão exagerada e prevalência desses produtos nos hábitos alimentares desse público, não é recomendado pelo Ministério da Saúde, e foi maior que entre o público de 6 meses a 1 ano e 10 meses (80,5%).

A nutricionista Inês Serrat Dourado vê o assunto como urgente já que muitas doenças podem ser desenvolvidas com o consumo exagerado de ultraprocessados, e as crianças são as mais impactadas com a mudança desses hábitos.

“O consumo regular desses produtos pode levar à obesidade infantil, porque eles são hipercalóricos, o que contribui para promover o ganho de peso. Já a obesidade infantil, está associada a um risco maior de desenvolver doenças como diabetes tipo 2, hipertensão e até mesmo problemas cardíacos, além de causar problemas à autoestima e a saúde mental das crianças, o que pode levar a um quadro de depressão”, disse a especialista.

Além dos problemas de saúde, o consumo exacerbado de ultraprocessados pode impactar no sistema neurológico das crianças, e consequentemente no funcionamento e desenvolvimento físico desse público.

“Uma dieta rica em ultraprocessados pode resultar em deficiências nutricionais, o que pode comprometer o desenvolvimento físico e cognitivo das crianças. Outro ponto crítico é a questão dos problemas digestivos. A ausência de fibras nesses alimentos pode causar constipação e outros problemas. Uma alimentação pobre em fibras afeta negativamente a microbiota intestinal, que desempenha um papel fundamental na saúde geral do organismo”, continua a nutricionista.

Nutricionista Inês Serrat Dourado
Nutricionista Inês Serrat Dourado | Foto: Divulgação

O Ministério da Saúde recomenda que não sejam oferecidos alimentos ultraprocessados nos dois primeiros anos de vida da criança. Foi assim também com o Joaquim Campos de Xavier. O primeiro produto do tipo que ele experimentou foi um brigadeiro.

“Inclusive, até dois anos e meio ele não havia consumido nenhum tipo de açúcar. Com dois anos e oito meses, ele comeu o primeiro brigadeiro, que foi no dia das crianças. Ele ficou curioso e disse, mamãe, eu quero experimentar pra sentir o gosto do granulado. Sempre levo as marmitinhas dele para os aniversários e festas, porque ele só consome brigadeiro e bolo”, explica a mãe do Joaquim.

Por outro lado, o consumo de frutas e hortaliças entre crianças de 2 a 5 anos também preocupa especialistas da área de saúde. No Nordeste, a prevalência desse indicador foi de somente 30,2%. Em nível nacional, o indicador foi de 27,4%.

Causa do alto consumo

O principal fator para que o consumo de ultraprocessados entre crianças e adolescentes esteja tão alto, segundo Inês, está associado ao espaço dado à publicidade desses produtos nos principais veículos e plataformas de consumo de massa.

“A forte presença de marketing direcionado a crianças e adolescentes cria um apelo emocional e influencia nas escolhas alimentares. Comerciais de TV, anúncios online, personagens de desenhos animados e brindes nas embalagens são estratégias utilizadas para atrair, fazendo com que alimentos ultraprocessados pareçam mais atraentes e desejáveis”, explica a profissional.

A nutricionista também atribui à rotina apressada daqueles que têm crianças e adolescentes, e por isso, o alternativismo proporciona uma alimentação ‘mais facilitada’. A mãe do Joaquim conseguiu perceber isso, e além de dedicar um tempo à preparação da alimentação do filho, também aplicou uma rotina alternativa na vida do pequeno para que a publicidade não o influenciasse negativamente.

“Em casa, 90% do tempo é zero tela, porque eu fico com ele, prefiro brincar, descer para a área verde, onde temos uma hortinha, plantamos e brincamos. Preenchemos o tempo dele para não dar espaço para a TV entrar. A casa da avó é o lugar onde ele tem acesso à tela, mas lá, ela coloca o desenho certo, então ele não tem muito essa influência dos veículos, da TV, ou dos influenciadores digitais. Ele ainda não conhece, então isso facilita muito o processo”, explica a jornalista.

Como frear o consumo?

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) determinou a estratégia de incluir lupas em rótulos de produtos que possuem alto teor de sódio, gordura saturada, açúcar adicionado para, além de informar, conscientizar os consumidores. A medida já era comum entre diversos países da América Latina, como o Chile, Argentina, Uruguai, Colômbia, Venezuela, Peru e Bolívia.

A nutricionista Inês Serrat Dourado ressalta a importância de visibilizar essas informações para o consumidor, mas alerta que deve ser feita uma conscientização maior entre as pessoas. Para ela, investir na educação à população sobre os riscos do consumo de ultraprocessados é fundamental.

“Para frear o consumo excessivo de ultraprocessados, os órgãos de saúde podem investir na exigência de rotulagem clara dos produtos e na regulamentação da publicidade, especialmente para crianças. Acho necessário também implementar impostos sobre ultraprocessados e oferecer subsídios para alimentos saudáveis pode não incentivar o consumo desses produtos e tornar alimentos frescos mais acessíveis.

Recentemente, o Congresso Nacional excluiu os ultraprocessados do imposto seletivo, conhecido como ‘imposto do pecado’. O mecanismo foi criado para tributar produtos prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, como o cigarro e a bebida alcóolica.

A não inclusão causou reação entre especialistas e figuras ligadas à alimentação saudável, com a campanha “Manifesto por uma reforma tributária saudável: Imposto Seletivo para Produtos Ultraprocessados”.

“É preciso também promover ambientes alimentares saudáveis em escolas e comunidades, trabalhar com a indústria para reformular produtos, lançar campanhas de sensibilização, apoiar a agricultura local e desenvolver políticas públicas focadas na promoção da saúde”, finalizou.

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