Mapa colossal para mergulhar no século XVI
Universidade de Stanford reconstrói pela primeira vez o enorme e singular mapa-múndi que o cartógrafo Urbano Monte pintou em 1587 em 60 lâminas
É enorme. Três por três metros. E em mais de quatro séculos ninguém o havia visto completo. Uma equipe de especialistas da Universidade norte-americana de Stanford conseguiu dar vida ao projeto de um cartógrafo italiano do século XVI, que desenhou um mapa do mundo tão detalhado que ocupava 60 lâminas e deixou escritas as instruções para que alguém, algum dia, as juntasse. Esse dia chegou e o resultado é fascinante.
“É o maior mapa-múndi do século XVI”, disse por telefone David Rumsey, diretor da coleção de mapas históricos que leva seu nome e que está em Stanford. Mas isso não é o mais importante. “Também é artisticamente grande. Tem informações de eclipses, do Sol, a direção dos ventos e a duração dos dias nas diferentes regiões do mundo”.
O autor é Urbano Monte, um cartógrafo milanês que certamente utilizou como fontes os trabalhos de outros grandes cartógrafos do século XVI, como Gerardo Mercator, Abraham Ortelia e Giovanni Gastoldi. “Monte se inspirou em todos eles. Todos se copiavam”. A particularidade do mapa de Monte, além de seu tamanho e artística, é que está projetado do Polo Norte. Ou seja, o centro do mapa é o Ártico; a deformação ocorre na Antártida. De acordo com suas próprias instruções, as lâminas devem ser coladas juntas sobre uma grande bola de madeira para fazer sentido. “Sabemos que adorava ensinar, entendia o mapa como uma ferramenta de ensino, há muito texto descrevendo os lugares”. Monte desenhou, definitivamente, um enorme globo terrestre.
Ele o desenhou duas vezes. A outra cópia está em Milão. Mas a equipe da Coleção de Mapas Históricos David Rumsey digitalizou todas as lâminas, o mapa montado completo e o colocou na Internet à disposição de todo mundo. “Estamos convencidos de que qualquer material que esteja livre dos direitos do autor deve estar na Internet com a maior qualidade possível à disposição de todo mundo”, disse por telefone Salim Mohammed, conservador-chefe da instituição.
Além de estar digitalizado lâmina por lâmina, no site da coleção é possível encontrá-lo montado como Monte o concebeu, e até projetado sobre um globo, de maneira que pode-se ver onde acerta nas proporções e onde não.
A navegação pelo mapa revela detalhes interessantes. Por exemplo, está cheio de monstros, algo comum nos mapas da época, onde os cartógrafos desenhavam criaturas fantásticas para não deixar espaços vazios. Existem sereias na Antártida; dragões próximos à Oceania; uma ave gigante que leva um elefante em suas garras em frente ao litoral da Argentina. “Não gostavam de deixar espaços vazios e os completavam com personagens fantásticos”, explica Mohammed. “Preenchiam os oceanos, mas também lugares como a África, dos quais não tinham muita informação e precisavam inventar coisas”.
As fontes de Monte lhe permitiram, por exemplo, ter muita informação do Japão, onde detalha dezenas de povoados. Ele mesmo conta que retirou a informação de um grupo de japoneses que conheceu em Milão. Mas o formato da ilha está muito errado. Ao mesmo tempo surpreende a forma acertada de um território praticamente inexplorado como o oeste da América do Norte, do qual teria pouquíssima informação. “Temos 800 mapas na coleção que mostram a Califórnia como uma ilha”, diz Rumsey, alguns de décadas posteriores ao de Monte. “Seu mapa é mais correto, já que a desenha como uma península”.
O mapa de Urbano Monte é, além disso, uma espécie de imagem congelada do século XVI. Nele aparecem barcos onde se detalha “Marinha do Rei da Espanha” no meio do Atlântico e uma frota que viaja ao Leste, marcada como “Frota das Índias, rumo à Espanha”. O artista também colocou no mapa todos os líderes que explicam o mundo daquela época. O maior é o rei Felipe II, em um barco diante da costa da Venezuela. Aparecem o rei de Portugal, o da Polônia, o imperador do Sacro Império Romano, um sultão da Turquia, o rei da Etiópia, o Papa e Montezuma (“que foi rei do México e das Índias Ocidentais”, explica Monte).
Em um canto vemos o próprio Monte, que fez um autorretrato aos 43 anos. Em cima desse desenhou outro, dois anos depois, o que parece indicar que fez correções no mapa. Rumsey coleciona mapas históricos há 35 anos, uma obsessão que começou aos trinta. Esse mapa estava em uma coleção particular e não foi estudado por séculos. Rumsey adquiriu o mapa-múndi através de Barry Ruderman, um comerciante de artes de San Diego. Prefere não revelar o preço, por razões de segurança. “Digamos que é muito valioso. Muito, muito valioso”. E ele lhe acrescentou o valor de que qualquer um com um navegador pode mergulhar em meio a monstros, imperadores e terras misteriosas, em uma imagem congelada do século XVI de três por três metros.