Famílias do Acampamento 8 de Março, organizado pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em uma área de terras griladas em Planaltina (DF), têm sofrido com a pulverização de agrotóxicos realizada em propriedade vizinha. Várias pessoas, inclusive idosos e grávidas, relataram dores de cabeça, enjoo, tontura e ardência e coceira na boca e garganta.
O uso de agrotóxicos é uma prática comum na Fazenda Toca da Raposa, propriedade do fazendeiro Mario Zinato, e foi denunciada por acampados diversas vezes. No entanto, na última sexta-feira (3), a situação se agravou. A pulverização, registrada em vídeos aos quais o Brasil de Fato DF teve acesso, foi realizada durante a noite, a poucos metros do Acampamento, e o vento ajudou a intensificar a chegada dos produtos tóxicos às famílias acampadas.
“Acabei de presenciar mais um episódio de envenenamento por parte do Mario Zinato. Eu estou aqui morrendo de dor de cabeça. Ele está envenenando nosso Acampamento”, diz a gestante Alessandra Farias, em vídeo em que é possível ouvir ao fundo o barulho do gafanhoto, nome dado ao equipamento utilizado na pulverização de agrotóxicos.
Maria Bárbara Pereira, moradora que tem problemas pulmonares, também relatou ter se sentido mal na noite do dia 3, com fortes dores de cabeça e irritação de olhos e garganta. “Isso é trazer a morte para nós que estamos aqui no Acampamento”, afirma.
“Mario Zinato está matando a nós que estamos nesse espaço, exatamente porque ele não quer reforma agrária nem proteger a natureza. Ele quer tirar a gente daqui, mas não vai conseguir. A gente resiste nesse lugar e vamos continuar lutando pelo nosso direito”, assegura Pereira.
O veneno foi nebulizado a poucos metros da cerca que separa a Fazenda do Acampamento, afetando casas próximas. Grande parte dos moradores são crianças e idosos.
Segundo Adonilton Rodrigues, da direção do MST-DFE e morador do 8 de Março, Zinato decidiu mudar a estratégia, fazendo a pulverização durante o período da noite, após várias denúncias dos acampados.
“É uma tentativa de buscar enfraquecer a nossa resistência”, destaca Rodrigues. “Antes ele [Zinato] inibia com pistoleiros, com jagunços passando armados, e agora com a aproximação do veneno”, afirma.
O monocultivo de milho e o uso agrotóxicos na Fazenda Toca da Raposa contrastam com o modelo agroecológico, livre de venenos e baseado na policultura, desenvolvido no Acampamento 8 de Março.
“Nós estamos fixos no local e falamos muito para o mundo sobre a questão da agroecologia. O Acampamento é todo arborizado. Nós transformamos essa área. Ele [Zinato] busca prejudicar não só a nossa resistência, mas o próprio modelo agroecológico que estamos criando no território”, conclui Rodrigues.
O MST-DFE denunciou o caso às autoridades. Gabriel Magno (PT-DF), líder da Frente Parlamentar em Defesa da Reforma Agrária e da Agricultura Familiar na Câmara Legislativa do DF (CLDF), e a deputada federal Erika Kokay (PT-DF) acionaram o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), requerendo procedimentos cautelares para determinar a suspensão imediata da pulverização de agrotóxicos contra a população do Acampamento.
“Além dos impactos na saúde pública, o episódio agravou os danos ao meio ambiente, em possível descumprimento das normativas ambientais vigentes. Tais fatos evidenciam a necessidade de apuração urgente e adoção de medidas corretivas por este Tribunal, visando a proteção da saúde pública, o respeito à vida e a preservação ambiental, em consonância com os preceitos constitucionais e legais”, destaca o ofício enviado ao MPDFT pelos parlamentares.
A reportagem entrou em contato, por e-mail, com a Fazenda Toca da Raposa, mas não obteve resposta. O espaço segue aberto para manifestação.
Disputa
Cerca de 80 famílias vivem nos três hectares destinados ao Acampamento 8 de Março, localizado às margens da BR 020, em Planaltina (DF). O acampamento é localizado na área demarcada pela Fazenda Toca da Raposa, que possui mais de 1.700 hectares.
De acordo com o processo nº 2012.01.1.031198-2 da Vara de Meio Ambiente, Desenvolvimento Urbano e Fundiário do DF, Mário Zinato Santos alega ser proprietário de parcela da área. No entanto, o MST afirma que o local é uma terra pública, de propriedade da Companhia Imobiliária de Brasília (Terracap).
Marco Baratto, da direção do MST, explica que já foi realizada a cadeia dominial e uma perícia da Polícia Civil que atestaram que o fazendeiro não possui a documentação da área.
Em requerimento apresentado à Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara Legislativa em 2012, parlamentares afirmam que outra área que supostamente pertencia a Mário Zinato, localizada em Sobradinho (DF), foi destinada à reforma agrária após a União identificar que se tratava de terra pública.
Na Fazenda Toca da Raposa, Zinato é responsável pela produção de monocultivos de commodities, como soja, milho e sorgo, com uso de agrotóxicos e sementes transgênicas, além da criação de gado.
A área é próxima à Estação Ecológica Águas Emendadas, uma das reservas naturais mais importantes do cerrado brasileiro, onde acontece o encontro das nascentes de duas importantes bacias hidrográficas brasileiras: a Tocantins/Araguaia e a Platina.
Moradores do Acampamento 8 de Março denunciam que a área de produção de Zinato é irrigada por pivôs centrais que captam água das Águas Emendadas, além de usar agrotóxicos que poluem o solo e a água.